segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

 

“Estivemos imersos por longas décadas a partir do Estado Novo nos temas e nas políticas de modernização, ora em versões autocráticas, dominantes no período, ora em versões brandas, mas nenhuma delas renegou o papel da esfera pública na perseguição dos seus fins. No governo que aí está, pela primeira vez em nossa história política republicana, ela é concebida em pura chave de mercado. Para o argumento neoliberal dos atuais governantes, por modernização entende-se a destituição do público e das suas instituições a fim de deixar terreno livre para o aprofundamento irrestrito da expansão do capitalismo, seja no mundo agrário, no urbano, onde quer que se identifique uma fronteira propícia à acumulação de capitais, como nos resorts do litoral ou mesmo nos cassinos, objeto de desejo do nosso patético ministro da Fazenda. Na esteira de Thatcher, Reagan e Trump, para Bolsonaro não existe essa coisa de sociedade.

Essa construção ideal é exótica às nossas tradições, mesmo nas de raiz conservadora, ela está aí por um acidente de caminho, cujas sequelas começamos a reparar, passo a passo, como nas atuais eleições.”

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, Puc-Rio. “Retomar o fio da meada”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8/10/2020

Fernando Gabeira - Tubaína, novo sabor de Brasília

- O Globo

O currículo do senhor K não bate com a realidade. Mas um currículo meio tubaína é tudo do que precisam no momento

Faz muito tempo que não vou a Brasília. Faz muito tempo que não vou a lugar nenhum.

Minha última viagem à capital foi para documentar a mudança da Corte após a vitória de Bolsonaro.

As Cortes marcam a cidade, pelo menos o plano piloto, onde circulam políticos, aspones e lobistas. Na chegada do PT, alguns restaurantes recendiam a fumaça de charuto cubano. Collor gostava de grandes carros modernos. FHC quis reviver saraus lítero-musicais.

Fui muito prematuramente buscar a marca de Bolsonaro. Se voltasse agora, movido pelo slogan da Coca-Cola, “sinta o sabor”, diria que o gosto da nova Corte é o de tubaína.

Honestamente: ninguém toma tubaína na Corte. É apenas um simbolo. Sua gênese está na escolha de um novo ministro do STF. No princípio, Bolsonaro dizia que o escolhido seria terrivelmente evangélico. Depois disse que o nome seria de alguém que tomasse cerveja com ele.

Houve uma inflexão. É difícil, não impossível, encontrar alguém terrivelmente evangélico chegado a uma cervejinha. Ao apontar o nome de Kassio Marques, Bolsonaro substituiu a cerveja por tubaína. O senhor K não é evangélico mas, por via das dúvidas, era preciso abolir o teor alcoólico da amizade. A tubaína se encaixava perfeitamente: popular, adocicada, meio fake.

Cacá Diegues - Compromissos fraternos

- O Globo

Governo precisa criar programas para que a população tenha empregos para sair da invisibilidade

Meu bom e velho amigo Joca nos convidou para passar um fim de semana em sua casa, no meio do mato. Como eu e Renata somos agora só nós dois, e o netinho lindo, de 1 ano e meio, que podia nos ocupar um pouco, mal vemos (a mãe tem um medo que se pela do coronavírus), foi fácil aceitar o convite do Joca.

Joca mora numa borda da Mata Atlântica, de onde se podem ver tucanos, estranhas borboletas, maracanãs e maritacas, pequenas fauna e flora que parecem estar sempre renascendo. Podem-se observar macaquinhos, parece que pregos, bravos remanescentes da Mata Atlântica, planejando invadir a casa, em busca de alimento mais fácil. Aposto que, se os outros animais do planeta tivessem as mesmas virtudes de organização que temos, praticariam sem dúvida a mesma política de extermínio que praticamos, eliminando o que incomoda e atrapalha nossos planos materiais. Escrevemos lindos poemas diante do vasto oceano, mas não abrimos mão da peixada com frutos do mar, no almoço do Joca.

O melhor amigo da onça não pode ser um leão. O jacaré pode até se aproximar do papagaio, mas será sempre por disfarçado projeto de devorá-lo. Que eu saiba, nenhum animal possui animal de estimação, como temos cães ou gatos que criamos e cuidamos. Podemos ter, mesmo preso na gaiola, um rouxinol de estimação. Mas, se um gato tentar experiência parecida, terminará comendo o passarinho. Os bichos andam sempre em grupos homogêneos, sem a participação indesejável dos diferentes em seus passeios e programas.

Rosiska Darcy de Oliveira – Fênix

- O Globo

Autoritários temem escritores

Uma voz em off: “Aqui é o que esse autor que mandou não comprarem produtos brasileiros merece. Pena que só tenho esse, senão queimava mais. Queima Paulo Freire... Paulo Freire, não, Paulo Coelho. Mas o Paulo Freire também merece ser queimado. Queima Paulo Coelho... Queima... É isso aí. Paulo Coelho na fogueira. Queima o livro do Paulo Coelho. Olha que fogueira bonita!”.

A voz acompanha uma imagem: a mão sem rosto, covarde como são as mãos que queimam florestas, queimava “O alquimista”, o livro brasileiro mais vendido e traduzido no mundo, de Paulo Coelho. O crime do autor foi denunciar a política ambiental assassina e suicida do governo brasileiro. Jovem, fora preso e torturado pela ditadura.

Paulo Freire colheu, dentro e fora do Brasil, um respeito que influenciou gerações de educadores em cinco continentes. Acusado de ser comunista, esse professor de fala mansa e pausada, devoto de Santa Teresinha, foi preso e exilado pela ditadura. Professor em Harvard, foi aclamado por sua defesa da “Educação como prática da liberdade” e da “Pedagogia do oprimido”.

Ricardo Noblat - Na raiz do conflito entre ministros, a chaga dos presos provisórios

- Blog do Noblat | Veja

O que diz a lei não vale para todos

Não convidem para dividir a mesma mesa os ministros Marco Aurélio Mello e Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal. Nem Fux e os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Jamais os ministros Gilmar e Marco Aurélio. Gilmar e Marco Aurélio, por querelas antigas que quase resultaram em troca de socos.

Fux detestou o acordo feito pelo presidente Jair Bolsonaro com Gilmar e Toffoli em torno da indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para a vaga no Supremo aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Falta ao “nosso Kassio” envergadura para tal, ou mesmo currículo confiável.

O troco veio rápido. Para evitar que Kassio chegue ao tribunal com essa bola toda e blindar a Lava Jato contra seus futuros votos, Fux sugeriu devolver ao plenário o poder de julgar ações penais que era repartido entre a Primeira e a Segunda Turma, cada uma delas formada por cinco ministros. Sugestão dada, sugestão aceita.

No último fim de semana, explodiu o conflito entre Marco Aurélio e Fux por causa de uma decisão do primeiro revogada em tempo recorde pelo segundo. Marco Aurélio mandou soltar o traficante André do Rap, um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC).  Fuz revogou a ordem do colega.

Quem tem razão? Marco Aurélio e Fux têm razão, a levarem-se em conta os argumentos esgrimidos para justificar uma e a outra coisa, e esse é o nó da questão. Marco Aurélio baseou-se em novo trecho do artigo 316 do Código de Processo Penal, incluído após a aprovação do pacote anticrime aprovado no Congresso em 2019.

Marcus André Melo* - A geografia do voto

- Folha de S. Paulo

O argumento de realinhamento político regional não se sustenta

A geografia do voto é fonte recorrente de erros interpretativos. Discute-se o voto no Nordeste como se ele tivesse um DNA político. O mito do momento é o do Nordeste vermelho. No Brasil Império, o Nordeste sequer existia no léxico político: na narrativa política o país era dividido em Norte e Sul.

Entre nós nunca ocorreu conflitos como nos EUA, em que o Norte e Sul travaram uma guerra sangrenta, que marcou a política e moldou o sistema partidário. Enquanto o partido republicano continua homogêneo, o partido democrata até o início dos 60 era uma coalizão de duas facções: elites conservadoras sulistas (anti-yankee) e de setores de perfil social variado, das grandes áreas metropolitanas.

Celso Rocha de Barros* - O custo da moderação pelo acordão

- Folha de S. Paulo

O que acontecerá se a democracia brasileira for salva por seus defeitos?

Há uma percepção generalizada de que Bolsonaro tornou-se mais conciliador porque não conseguiu abafar o caso Queiroz. Dois colunistas da Folha notaram isso no último sábado (10): Hélio Schwartsman escreveu que Bolsonaro foi moderado pelo medo das investigações contra ele.

Fernando Haddad foi mais direto (e sarcástico): a corrupção de Bolsonaro pode ter salvado a democracia brasileira. Mais sutil, a revista Veja dessa semana elogiou Bolsonaro pela postura mais moderada, "goste-se ou não de suas motivações".

Na verdade, houve época em que os problemas legais de Bolsonaro até aceleraram seu golpismo. Mas, de fato, foram as investigações que o levaram às negociações com Toffoli, às conversas com Gilmar e com o centrão.

Ali começou o processo que culminaria na indicação de Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal. Kassio tem certas crises de identidade na hora de citar autores, mas é muito melhor do que o que se esperava de uma indicação bolsonarista.

Catarina Rochamonte* - Bolsopetismo e as criaturas do pântano

O presidente Jair Bolsonaro e o PT uniram esforços em direção a um mesmo fim

O presidente Jair Bolsonaro e o PT uniram esforços em direção a um mesmo fim. Embora apelem para o antagonismo no nível do discurso ideológico, a necessidade de desmontar a Operação Lava Jato igualou-os como criaturas de um mesmo pântano. Como o discurso que sustentam é falso, traem-se a todo instante, deixando clara a falta de compromisso com a ética, com o estado de direito, com o espírito republicano, com a justiça ou com a própria visão de mundo que diziam defender.

Não é de estranhar, pois, o ato falho do ex-presidente Lula que, em entrevista ao jornal El País, afirmou que não irá “enganar o povo mais uma vez”; ou a cínica declaração de Bolsonaro de que teria acabado com a Lava Jato por não haver mais corrupção no seu governo.

O que causou alguma estranheza foi ver jornalistas antes críticos do que chamavam de imprensa “chapa branca” se prestarem a tratar a referida declaração como sendo uma refinada ironia, como se não houvesse fatos evidenciando o acordo de Bolsonaro com as criaturas mais pantanosas da política no sentido de fragilizar o combate à corrupção.

Denis Lerrer Rosenfield* - Um país travado


- O Estado de S.Paulo

Urge que o presidente deixe o papel de candidato antecipado de si mesmo e governe

Um país travado é um país que não descortina horizontes. O futuro se vislumbra sombrio, pois os impasses do presente não se resolvem. A dívida pública torna-se cada vez mais preocupante, a crise fiscal não consegue ser equacionada, o desemprego é enorme, a pandemia persiste e seus efeitos certamente se prolongarão para o próximo ano. Pessoas estão desorientadas e inseguras, com uma quebra brutal de expectativas. E no meio de situação de tal gravidade se discutem a reeleição de 2022 e uma série de questões menores e secundárias.

A trava econômica é de natureza política. Ela se traduz pela desconfiança e pela insegurança, sem que os investidores nacionais ou estrangeiros se sintam confortáveis para apostar num país paralisado em suas decisões. As reformas não andam, as discussões sobre o auxílio aos mais necessitados não encontram fontes de financiamento, sobretudo porque os privilegiados socialmente não querem abrir mão de seus benefícios, e o presidente não consegue decidir, embora a própria omissão seja uma forma de decisão. Envia-se uma reforma administrativa que não mexe com nenhum dos privilégios atuais do funcionalismo público, nem chega sequer a cogitar, mesmo para o futuro, de mudar os privilégios do Judiciário, do Ministério Público e do Poder Legislativo. Os mais carentes são, mais uma vez, os perdedores.

Lena Mucha - Ultradireita exporta teses conspiratórias

Na Europa, teoria americana seduz antissemitas e mesmo cidadãos que só eram contra quarentena

The New York / O Estado de S. Paulo

 No início da pandemia, quando milhares de soldados americanos começaram as manobras da Otan na Alemanha, Atila Hildmann fez uma pesquisa no Youtube para ver do que se tratava. Rapidamente encontrou vídeos postados por seguidores alemães do Qanon.

Na narrativa do Qanon, este não foi um exercício da Otan. Foi uma operação secreta do presidente Donald Trump para libertar a Alemanha do governo da chanceler Angela Merkel – algo que eles aplaudiram. “O movimento Qanon disse que essas são as tropas que vão libertar o povo alemão de Merkel”, disse Hildmann, uma celebridade de culinária vegana que não tinha ouvido falar do Qanon. “Espero muito que o Qanon seja real.”

Nos EUA, o Qanon já evoluiu de uma subcultura marginal da internet para um movimento de massa popular. Mas a pandemia está alimentando as teorias da conspiração para além das costas americanas, e o Qanon está se espalhando como metástase também na Europa.

Grupos surgiram da Holanda aos Bálcãs. Na Grã-bretanha, protestos fazendo referência ao Qanon sob a bandeira de “Salvem nossas crianças” ocorreram já em mais de 20 cidades e vilarejos, atraindo um grupo demográfico mais feminino e menos de direita. Mas é na Alemanha que o Qanon parece ter feito as incursões mais profundas. Com o que é considerado o maior número de seguidores – cerca de 200 mil – no mundo que não fala inglês, ele rapidamente tem conquistado audiência no Youtube, Facebook e no aplicativo de mensagens Telegram.

“Os influenciadores e grupos de extrema direita foram os primeiros a impulsionar agressivamente o Qanon”, diz Josef Holnburger, cientista de dados que acompanha o Qanon na Alemanha. As autoridades estão perplexas porque uma teoria da conspiração aparentemente maluca a respeito de Trump lutando contra um “Estado Profundo” de satanistas e pedófilos ressoou na Alemanha.

Questionado a respeito dos perigos do Qanon, o serviço federal de inteligência doméstica alemão respondeu com uma declaração dizendo que “tais teorias de conspiração podem se transformar em um perigo quando a violência antissemita ou violência contra funcionários políticos é legitimada com uma ameaça do ‘Estado Profundo’.”

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Fica para depois – Opinião | O Estado de S. Paulo

Os seguidos adiamentos de decisões pelo governo seguem a lógica de uma administração que tem um único rumo: o da satisfação das condições para a reeleição do presidente Bolsonaro

É impressionante a capacidade do governo de Jair Bolsonaro de procrastinar decisões, das banais às mais urgentes. Nem se pode dizer que isso acontece porque o governo não tem rumo; ao contrário, os seguidos adiamentos seguem a lógica de uma administração que tem um único rumo: o da satisfação das condições para a reeleição do presidente Bolsonaro.

Bolsonaro foi eleito com a promessa solene de revolucionar o Estado brasileiro, promovendo toda sorte de reformas e de planos de reorganização. O objetivo, segundo garantiu na campanha, era entregar ao País um Estado que estivesse a serviço dos contribuintes, e não se servindo destes.

Era evidente, para quem tivesse um mínimo de informação, que Bolsonaro não tinha como entregar o que prometera, não em razão das circunstâncias, mas porque, em toda a sua trajetória política, sempre defendeu exatamente o contrário. Corporativista e estatólatra, o deputado do baixo clero notabilizou-se por votar contra todas as medidas necessárias para destravar o Estado e melhorar a qualidade das contas públicas. 

Alinhando-se ao PT, Bolsonaro rejeitou o Plano Real, sabotou projetos que restringiam privilégios de servidores e trabalhou contra a quebra do monopólio da Petrobrás sobre o petróleo e da União sobre os serviços de telecomunicações. Suas digitais estão também na oposição feroz às reformas da Previdência e administrativa.

Foi essa coerência programática que garantiu a Bolsonaro sete mandatos como deputado e um eleitorado cativo. Como candidato à Presidência, contudo, viu-se obrigado a vestir a fantasia do liberal que nunca foi e a anunciar que, se eleito, faria as reformas que sempre desprezou.

Poesia | Ariano Suassuna - O mundo do Sertão

[com tema do nosso armorial]

Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.

Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.

E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,

o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.


*Ariano Suassuna, “Dez Sonetos com Mote Alheio”. Recife: edição manuscrita e iluminogravura pelo autor, 1980.