quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Opinião do dia – Míriam Leitão*

“O truque atual é capturar as instituições, esvaziá-las da sua autonomia, mas deixá-las em pé. Assim, alguém pode dizer: mas estão lá as instituições funcionando. A suposta “pacificação” de Bolsonaro não é respeito à autonomia e à independência dos poderes. Ele quer proteção para ele, seus filhos, sua família. Os parlamentares querem que a investigação de corrupção pare de importuná-los, porque já não sabem mais onde enfiar dinheiro quando a Polícia Federal chega. Diante de todos os sinais — e há muitos outros — só o desatento dorme tranquilo com a democracia brasileira.”

*Míriam Leitão, jornalista. “Estado geral da democracia”, O Globo, 21/10/2020.

Merval Pereira - Volta ao passado

- O Globo

O presidente Bolsonaro faz o país viver um esdrúxulo retrocesso ao assumir a disputa comercial dos Estados Unidos com a China. Caminhamos para uma relação conturbada com a empresa chinesa Huawei devido à tecnologia 5G, pois a China está mais avançada que os Estados Unidos nesse quesito, mas nossa política externa acha justificável o veto americano à empresa chinesa devido a uma geopolítica ultrapassada que nos coloca como subalternos dos Estados Unidos, numa guerra comercial entre as duas potências que poderia nos trazer vantagens.

Agora, abre-se a disputa sobre a “vacina chinesa”, como Bolsonaro chama a vacina que será produzida no Instituto Butantã, assim como Trump gosta de chamar a Covid-19 de “vírus chinês”. A pandemia foi politizada entre nós desde seu início, quando o Palácio do Planalto colocou-se contra os governadores na definição das medidas preventivas ao novo coronavírus, como distanciamento social, uso de máscaras e lockdown.

Houve a contraposição de uma política personalista, que queria encontrar a todo custo um remédio milagroso para evitar que a economia parasse, às recomendações médicas que eram seguidas pelos dois primeiros ministros da Saúde, Luiz Mandela e Nelson Teich, demitidos por causa dessa divergência.

O governador de São Paulo João Doria viu nessa situação a possibilidade de destacar-se como defensor da ciência e da medicina, e assumiu essa tarefa com afinco, produzindo coletivas diárias dando conta do que o estado mais rico do país fazia contra a Covid-19, montou uma equipe técnica do mais alto nível.

Bernardo Mello Franco - Não há vacina contra a insensatez

- O Globo

Durou pouco a ilusão de que o governo deixaria a saúde passar à frente da politicagem. Na terça-feira, o ministro Eduardo Pazuello anunciou a compra de 46 milhões de doses da vacina desenvolvida pela Sinovac e pelo Instituto Butantan. Menos de 24 horas depois, o capitão desautorizou o general.

Eduardo Pazuello havia sido taxativo. “A vacina do Butantan será a vacina do Brasil”, afirmou. Ao ler a declaração nos jornais, Jair Bolsonaro metralhou o próprio ministro. “Alerto que não compraremos vacina da China”, escreveu, em mensagem a aliados.

Nas redes sociais, o presidente chamou a Coronavac de “vacina chinesa de João Doria”. O ataque uniu duas obsessões bolsonaristas: a paranoia com a China e a ideia fixa com o governador de São Paulo.

Para agradar seus radicais, Bolsonaro imita Donald Trump, que chama o coronavírus de “praga chinesa”. A macaquice ignora uma diferença sensível. Washington trava uma disputa por hegemonia com Pequim, enquanto Brasília só tem a perder ao provocar seu maior parceiro comercial.

Míriam Leitão - A morte, a vacina e o presidente

- O Globo

Em 2020, estamos morrendo, mas o presidente só pensa em 2022. É capaz de qualquer ato, o mais temerário que seja, para realizar seu plano. Ontem foi um dia em que o Brasil perdeu tempo na nova desordem criada por Jair Bolsonaro. Ele atacou a China, o governador João Doria, humilhou o general Pazuello e fez sua revolta da vacina para agradar sua milícia digital. O presidente conspira contra a saúde dos brasileiros para aplacar seus radicais.

Há uma minoria muito estridente nas redes que cobra dele provas de lealdade. Abraçado a políticos com dinheiro nas cuecas, com sua família toda enrolada, o presidente não pode mesmo entregar a promessa de combate à corrupção. Então ele cria conflitos com a China, com Doria, com a vacina para provar que permanece sendo o mesmo. Ele foi cobrado pelo acordo de intenção assinado com o governo de São Paulo e por isso deu o seu chilique.

O Instituto Butantan é o maior fornecedor de vacina para o programa nacional de imunização e tem a confiança do país. É óbvio que será um dos fornecedores, caso a vacina desenvolvida na cooperação com a China passe bem por todo o processo da Anvisa. Como disse ontem a agência, existem quatro “protocolos de desenvolvimento vacinal” correndo na Anvisa e nenhum pedido ainda de registro. Quando houver, será avaliado tecnicamente. O presidente da Anvisa, Antonio Barra, procurava palavras para não sair do roteiro da agência. Barra é o mesmo que em março foi para uma manifestação contra o Congresso junto com o presidente, participando de aglomeração. Recebeu esta semana a aprovação do Senado e agora tem mandato.

William Waack* - A cor da vacina

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro ignora que o eleitor é mais pragmático do que ele pensa

Por ter muita raiva da China ou de João Doria, o rompante de Jair Bolsonaro prometendo que não vai comprar a vacina chinesa – desautorizando o general da Saúde – ajuda a entender a razão de capitães comandarem uma companhia, enquanto generais comandam divisões, exércitos, grupos de exércitos. É a falta de visão de conjunto.

Bolsonaro submeteu tudo ao projeto de reeleição, confundindo seu destino político com o do País. É postura comum a políticos de várias colorações, mas, no caso de Bolsonaro, a obsessão com o ganho eleitoral de curtíssimo prazo paradoxalmente ameaça seu próprio projeto de reeleição. A popularidade desse presidente, como a de outros, está diretamente ligada ao desempenho da economia, e esse desempenho (até o fim de 2022, digamos) é função de uma série de decisões políticas difíceis que ele está protelando – em nome do conforto da popularidade no curto prazo.

Luiz Carlos Azedo - A teoria do dano e a vacina

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Bolsonaro não leva em conta que uma pessoa infectada, por se recusar a tomar a vacina, pode contaminar as outras, com consequências trágicas e irreparáveis

A ideia de que um presidente eleito por maioria pode tudo é profundamente autoritária e colide com os fundamentos do liberalismo moderno, apesar de agora ter virado moda em algumas democracias do Ocidente, inclusive a nossa. O filósofo e economista John Stuart Mill, um liberal utilitarista britânico que se inspirou nas ideias dos iluministas franceses, em meados do século XIX já classificava essa visão como uma “tirania da maioria”, expressão que causa certo espanto, porque muitos acham que maioria e democracia são exatamente a mesma coisa. Não são.

Sobre a Liberdade (Saraiva), um clássico da ciência política, é um libelo de Mill em defesa da liberdade de expressão e da autonomia dos cidadãos. Nascido em Londres, em 1806, destacou-se também pela defesa do civismo público e dos direitos das mulheres. Era um liberal progressista. Acabou preso por defender o direito ao aborto, a reforma agrária e a democratização da propriedade por meio de cooperativas, ideias social-liberais. Tentou definir um modelo para regular as ações entre os cidadãos, a sociedade e o Estado, que deveria ser capaz de preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a “tirania da maioria”, a partir de um conceito simples: tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros.

Ricardo Noblat - Mais uma bravata de quem não governa o país, só é candidato

- Blog do Noblat | Veja

Veto de mentirinha à vacina chinesa

Boa notícia: o presidente Bolsonaro passou a acreditar na Ciência. Se até outro dia recomendava o uso da cloroquina para os infectados pela Covid-19, agora diz que a vacina chinesa contra o mal não será aplicada porque carece de aprovação científica.

Ou ele fala sério ou dança em cima dos cadáveres de 156 mil brasileiros vítimas do vírus até aqui. Como Bolsonaro é um homem honrado, deve falar sério porque jamais trairia os que o elegeram e poderão reelegê-lo daqui a dois anos.

A situação é tão ruim para os que gostariam de vê-lo derrotado que a oposição comemora a aprovação pelo Senado do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo presidente, e sai em socorro do ministro da Saúde, ameaçado pelo presidente.

A oposição sente saudade dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, forçados por Bolsonaro a desembarcarem do governo. E a essa altura, seria capaz até de votar para presidente no general Santos Cruz, escorraçado do governo pelos três zeros.

Que falta faz Gustavo Bebianno, um dos mais fanáticos adoradores de Bolsonaro, o primeiro ministro a ser demitido por ele. Desgostoso, morreu. Se pelo menos fosse possível resgatar o conteúdo do seu celular desaparecido, lamenta a oposição…

Bruno Boghossian – Nova aliança de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Aprovação para STF e guerra da vacina mostram como presidente se equilibra entre dois grupos

A quarta-feira mostrou a cara do novo núcleo político que sustenta Jair Bolsonaro. Pela manhã, o presidente abasteceu a ala ideológica do governo e vetou o acordo para comprar a vacina chinesa contra a Covid-19. Depois, ele contou com a boa vontade do centrão para aprovar o nome de seu indicado para o STF.

Ainda que muita gente prefira acreditar que Bolsonaro se tornou um presidente moderado ao abraçar os velhos caciques, está cada vez mais claro que o governo se equilibra numa aliança entre as cortesias da política tradicional e o radicalismo que o projetou para a fama.

Desde que deu início à reforma de sua coalizão e parou de xingar o Congresso, o presidente descobre aos poucos até onde pode ir para manter o apoio desses dois grupos. Se acha que chegou longe demais, ele sempre pode entregar um cargo ao centrão ou lançar uma nova teoria conspiratória nas redes.

Ascânio Seleme - La Catedral

- O Globo

Está claro que não havia razão para se dar licença ao Conselho de Ética e a outras comissões

Desde o início da pandemia, em março, o Conselho de Ética do Senado não funciona. A explicação é que se quer resguardar a saúde dos senhores senadores. Enquanto isso, 13 casos repousam nos seus escaninhos fechados à luz do sol. No mesmo dia em que o senador Chico Rodrigues (que foi apanhando com pacotes de dinheiro enfiados entre as nádegas) pediu afastamento por 120 dias, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse não ter pressa para julgá-lo.

Alcolumbre avisou que não vai reabrir o conselho apenas para atender a uma conveniência, que seria investigar o malfeito de Chico. Segundo ele, “há uma preocupação de muitos senadores em relação ao funcionamento do Senado, por conta do coronavírus. Então, eu não posso por uma conveniência, de um assunto ou outro, decidir sozinho isso. Eu tenho que dividir com todos que estão preocupados com o coronavírus".

Bobagem. Ou desculpa esfarrapada para não julgar o colega e empurrar o processo com a barriga como sempre se fez com casos de parlamentares encrencados. Funciona como máfia ou cartel, onde um membro defende o outro em favor da impunidade de todos.

O Senado opera muito bem remotamente. Aliás, o Congresso trabalha bem de maneira remota. As duas Casas aprovaram por videoconferência inúmeros projetos ao longo dos últimos seis meses, e em sessão conjunta votaram até mesmo emendas à Constituição, como a que mudou a data das eleições deste ano, a que instituiu as regras para o enfrentamento da pandemia, e até mesmo uma de natureza mais corriqueira, a que mexeu com o ICMS.

Maria Cristina Fernandes - Uma garantia estendida por 27 anos

- Valor Econômico

Vínculos de Kassio Nunes com a OAB precedem Bolsonaro

O desembargador Kassio Nunes Marques foi inquirido por quase dez horas, só perdendo para a sabatina do ministro Edson Fachin (11 horas), mas duração não foi reflexo de contenciosos. Com 57 votos favoráveis, 10 contrários e 1 abstenção no plenário do Senado, o novo ministro chegará ao Supremo Tribunal Federal com uma aprovação menos contestada que a de Fachin (52 a 27), Gilmar Mendes (57 a 15) e Rosa Weber (57 a 14). O quórum de sua aprovação aproxima-se daquele de Dias Toffoli (58 a 9), o último dos ministros a ter um currículo tão contestado quanto o de Nunes Marques. Apesar da pandemia, a votação teve a presença de um número maior de senadores (68) do que a aprovação dos ministros Cármen Lúcia (56), Marco Aurélio (54), Ricardo Lewandowski (67) e Luís Roberto Barroso (65).

O panorama da votação foi antecipado pelo voto em separado de Alessandro Vieira (Cidadania-SE). O senador anotou que o desembargador “é a mais perfeita materialização do sistema de cruzamento de interesses que impera no Brasil há décadas”. Por esta razão, disse o senador, “não surpreende o fato de a indicação angariar apoios entusiasmados de políticos que vão do petismo ao bolsonarismo, nem a recepção expressiva por parte de ministros da Suprema Corte que confundem costumeiramente o republicano dever de urbanidade com a condenável confraternização efusiva com investigados poderosos e seus representantes”.

Vinicius Torres Freire - Não se esqueça do antibiótico da China

- Folha de S. Paulo

Show de demagogia desvairada de Bolsonaro é o de sempre, mas um dia a casa cai

Da longa lista de produtos que importa da China, plataforma de petróleo é aquele em que o Brasil gasta mais. Depois, vêm telefones celulares. Em 2019 gastamos também US$ 70 milhões em “edredons, almofadas, pufes e travesseiros” chineses.

Qual o maior fornecedor estrangeiro de antibióticos para o Brasil? A China, que aliás aparece em terceiro lugar nas vendas de produtos de beleza, por exemplo.

Não dá problema, por ora, porque basicamente quase ninguém sabe alguma coisa de comércio internacional, porque um governador desafeto de Jair Bolsonaro não disse que vai importar antibióticos ou pufes e porque a milícia digital bolsonarista não se ocupou do assunto.

Até o ano passado, o Brasil comprava pouca vacina e produtos imunológicos prontos da China. As importações maiores tradicionalmente vinham de Alemanha, Suíça, Estados Unidos e Bélgica, com Irlanda, Itália, Reino Unido e França logo atrás. Neste ano, a China começou a aparecer entre os quatro maiores.

Mas nada disso importa no nosso ambiente de selvageria lunática. Além do mais, o Brasil fabrica o grosso de suas vacinas, por vezes com matérias primas importadas de vários países, como aliás é o caso de tanta mercadoria. Até de um simples lápis de grafite.

Bolsonaro sabia o que Eduardo Pazuello andava fazendo com a “vacina chinesa”. Mas a reação dos milicianos digitais, os discursos vitoriosos de João Doria e a baixa vaidade presidencial, de valentão provinciano ou síndico maníaco, provocaram o chilique (“eu é que mando!”). O general-chefe do almoxarifado da Saúde é menos que um ajudante de ordens do capitão, é uma ordenança.

Maria Hermínia Tavares* - Chile, 2020: plebiscito e paridade renovam a democracia

- Folha de S. Paulo

Efeitos das rebeliões populares dependem da abertura do sistema político para ouvir o grito das ruas

No próximo domingo, dia 25, os chilenos dirão se querem uma nova Constituição ou se preferem emendar a atual —e, em qualquer hipótese, decidirão quem se incumbirá da tarefa. Na Suíça, por exemplo, o plebiscito seria uma trivialidade. 

Longe disso no país andino, onde, há um ano, a política e a vida cotidiana viraram de ponta-cabeça, sob o impacto de um insuspeitado terremoto de protestos de rua contra o aumento das passagens do metrô de Santiago.

Assim como em outras explosões pelo mundo afora, um ato administrativo foi o estopim da rebelião contra tudo e todos --a começar, como de costume, contra o establishment político. Sua força mediu-se pelas multidões mobilizadas na capital e nas principais cidades ao longo de cinco meses, até serem vencidas pela Covid-19.

Irrupções populares são sempre imprevisíveis e indecifráveis: somam demandas e sentimentos heterogêneos. Seus efeitos mais duradouros sobre a democracia dependem da reação do sistema político e de sua aptidão para ouvir o grito das ruas, reconhecer o mal-estar que vocaliza e traduzi-lo em reformas institucionais que o tenham na devida conta.

Fernando Schüler* - Meritocracia: que bicho é esse?

- Folha de S. Paulo

O esforço por óbvio faz diferença na vida, mas o mercado remunera a criação de valor, e isso frequentemente nada tem a ver com o mérito de cada um

Daniel Markovits lançou um livro chamado “The Meritocracy Trap” (a armadilha da meritocracia, ainda sem edição no Brasil), com as habituais denúncias contra o “mito” ou a “farsa” da meritocracia. O argumento central é um velho truísmo. Nossas sociedades são desiguais, as famílias entram no jogo e, por óbvio, os pontos de partida de cada um na vida são muito diferentes.

O interessante desse debate é que raramente alguém diz quem exatamente defende a ideia sem sentido de que nossas sociedades sejam meritocráticas. As referências sempre se dirigem a uma vaga “cultura popular” que preza o mérito, ou recomenda que as pessoas confiem nelas mesmas e ponham a mão na massa (a cultura da autoajuda é isso, não?).

Nos anos 1950, o sociólogo britânico Michael Young escreveu um livro distópico, “The Rise of The Meritocracy” (a ascensão da meritocracia, também sem edição no Brasil), tentando imaginar como funcionaria uma sociedade em que as posições de poder fossem acessíveis aos mais talentosos. A coisa toda era, por óbvio, uma grande ironia. E um inferno totalitário, apenas isso.

Ribamar Oliveira - Mais uma renegociação de dívidas a caminho

- Valor Econômico

Projeto substitui e amplia o “Plano Mansueto”

Um projeto de lei complementar que deverá ser colocado em votação na Câmara dos Deputados em novembro vai alterar três leis complementares, três leis ordinárias e uma medida provisória. Ele prevê uma nova renegociação das dívidas estaduais com a União e estabelece condições para que os Estados classificados com capacidade de pagamento “C” pelo Tesouro Nacional possam realizar novas operações de crédito, com aval da União. Atualmente, existem 13 Estados com essa classificação de risco.

O projeto de lei complementar 101/2020 é de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) e substitui e amplia o escopo do chamado “Plano Mansueto” (PLP 149/2019), que foi encaminhado pelo governo ao Congresso no ano passado, mas que não chegou a ser votado.

O objetivo do plano, que leva o nome do ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, era justamente estabelecer condições para que os Estados classificados como “C” pudessem fazer novas operações de crédito, com aval da União. O PLP 149 terminou sendo transformado, na Câmara dos Deputados, em um seguro-receita aos Estados e municípios, com validade durante a pandemia da covid 19, o que foi rejeitado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e enterrado pelo Senado.

Celso Ming – E se der Joe Biden nos Estados Unidos?

- O Estado de S.Paulo

Em substituição ao slogan de Trump 'America first', Biden acena com 'America will lead again'

Na campanha eleitoral dos Estados Unidos, a política econômica vem sendo uma falsa ausente. Os temas da área parecem esquecidos, mas permeiam os demais.

Os debates têm focado mais a questão racial, a maneira desastrosa com que Trump enfrentou (ou não enfrentou) a pandemia e sua incapacidade de liderar o país e o mundo. Mas a insatisfação com o desemprego, com a perda de renda, com a destruição de pequenos e médios negócios e com a falta de visão social na distribuição de ajudas está por detrás de tudo.

Se as pesquisas não errarem tanto quanto erraram na eleição de 2016, o morador da Casa Branca a partir de 20 de janeiro será o democrata Joe Biden.

Para enfrentar o mau desempenho da economia, na maior crise desde os deprimentes anos 1930, Biden promete aumentar as despesas públicas e, em contrapartida, pretende arrancar do Congresso um aumento de impostos, especialmente sobre o lucro das empresas e sobre a renda dos mais ricos.

Alguns analistas ainda preveem reação negativa dos mercados financeiros caso se confirme a vitória de Biden. Mas, depois do recado tão insistente e tão enfático passado pelas pesquisas de intenção de voto, esse resultado já deve ter passado para o preço. 

Zeina Latif* - Sem meias palavras

-  O Estado de S.Paulo

A crise fiscal explode diante de nossos olhos e a cada dia novos riscos aparecem

Faz parte da nossa cultura buscar sempre um lado positivo em tudo. Temos baixa tolerância a más notícias. Não é incomum os noticiários na televisão terminarem a edição com algum assunto ameno, provavelmente para não perder audiência.

É possível que esse traço cultural atrapalhe o enfrentamento de problemas. Ao negá-los ou atenuá-los, a busca por soluções tende a ser protelada. A reforma da Previdência saiu porque paramos de dourar a pílula.

O momento atual pede o enfrentamento da dura realidade fiscal, que se agravou. A recomendação de muitos de fazer tudo que fosse possível na pandemia, sem se preocupar com a qualidade e calibragem dos gastos, foi imprudente. Gastamos muito em comparação aos emergentes e não tão bem, como já discutido em outro artigo.

José Serra* - Frear a deterioração educacional

- O Estado de S.Paulo

Já não há espaço para remédios improvisados, são necessárias medidas inovadoras e corajosas

A pandemia tem aumentado o esgarçamento da educação no Brasil, tanto pública quanto privada, mas também vem ampliando a oportunidade para uma agenda social com políticas educacionais inovadoras. Com a paralisação parcial da atividade econômica, milhares de jovens perderam o emprego e a renda para bancar os estudos. Muitos estabelecimentos de ensino paralisaram as aulas presenciais para evitar a proliferação do vírus, o que afetou, sobretudo no ensino público, estudantes das famílias de baixa renda.

A situação da educação no Brasil é tão grave quanto desigual. No ensino infantil faltam creches para 86% das crianças mais pobres. Já entre os 20% de famílias com renda mais alta no País, a falta de creches atinge apenas 6,9% das crianças entre 0 e 3 anos.

Os números que retratam o ensino médio são igualmente alarmantes: nossa taxa de conclusão do ensino médio antes de completar 25 anos é de apenas 58%. Comparando com taxas de conclusão de 86,1% no Chile e 79,1% nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o quadro é dramático. Quanto à metade dos estudantes que conclui o ensino médio, segundo dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cerca de 70% apresentam resultados considerados insuficientes em Matemática e Português, requisitos hoje mínimos para sua empregabilidade, mesmo em funções modestas.

Eugênio Bucci* - Uma trilha sonora para um Brasil pandêmico

- O Estado de S.Paulo

O presidente está mais para lobisomem de filme de Mazzaropi do que para Duce...

O presidente da República está em plena Revolta da Vacina. Tem ciúme da vacina. Tem ciúme de quem a tem e mais ciúme ainda de quem a terá. O presidente se descabela e se rebela. Homem do seu tempo, vive com ardor o ano de 1904. Quer atirar cadeiras nos mata-mosquitos de Oswaldo Cruz, mas o sanitarista, mau brasileiro, impatriótico, sumiu de cena antes que terminasse o ano da desgraça e não mais se voluntaria a receber desaforos.

O presidente, resoluto, impoluto e estulto, não desiste. Não abre mão da revolta. Na falta do Cruz, dispara perdigotos contra o Instituto Butantan. A vacina que se cuide. Estão pensando o quê?

A fúria presidencial, impetuosa, pomposa e prosa, é máscula, mas dança conforme a cançoneta: “Anda o povo acelerado/ com horror à palmatória/ por causa dessa lambança/ da vacina obrigatória”. Na voz do cantor Mário Pinheiro, os versos ressequidos arranham o mármore do Palácio do Planalto. Raiva da vacina. Ódio febril e varonil.

E o que virá depois? Inútil tentar descobrir. No Brasil, o passado é imprevisível (abraço, Pedro Malan).

Raul Jungmann*- O segundo governo Bolsonaro

- Capital Político

O primeiro governo Bolsonaro tinha alguns traços marcantes, relacionados a sua trajetória e a sua campanha rumo à Presidência. Na economia, um estilo inicial agressivamente liberal que foi progressivamente estancado, via impasses nas reformas e lenta privatização de ativos. No social, uma pauta centrada nos costumes, de corte conservador, e pouco investimento em programas sociais.

Na política a chamada “antipolítica” e o combate à corrupção, cujo núcleo era a renúncia ao “presidencialismo de coalizão”. Nesse último caso, a solução aventada para o dilema de como levar o Congresso a aprovar o programa do governo, sem o usual recurso à troca de apoios partidários por cargos no Executivo, foi o “presidencialismo de colisão”. Neste, buscava-se o confronto e a pressão sobre o parlamento, mas também sobre o Judiciário, mediante o recurso à espada, isto é, às Forças Armadas, que teoricamente estariam ao seu lado, como atestavam as falas dos militares em cargos ministeriais.

Cristovam Buarque* - Depois da devastação

Não se pode menosprezar os efeitos do vírus que, em poucos meses, matou mais de um milhão de seres humanos, dos quais 153 mil brasileiros, desarticulou a economia e provocou atraso no progresso. Além da perda irreparável por morte, a maior devastação será na educação. Milhões de crianças ficarão com traumas psicológicos e mesmo neurológicos. Todos voltarão à escola com apagão cognitivo que muitos não superarão. Milhões não voltarão às escolas este ano, milhares abandonarão os estudos, outros as encontrarão fechadas ou sem professores. 

É equívoco responsabilizar a covid-19 pelo agravamento da desigualdade educacional, porque ela sempre foi tão grande, que é impossível ter piorado. É como dizer que a desigualdade aumentava entre a senzala e a casa grande, em momentos de epidemia. Os senhores tinham mais remédios, mais cuidados, menos promiscuidade sanitária, mas a desigualdade entre eles e os escravos era tão abismal que não piorava. A epidemia mostra a desigualdade, não piora.

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Um presidente contra a Saúde – Opinião | O Estado de S. Paulo

O que Bolsonaro deseja – e assim faz valer – é uma pasta incondicionalmente subserviente a suas idiossincrasias políticas e ideológicas

Em plena pandemia, o presidente Jair Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde porque eles insistiram em seguir os protocolos profissionais. Os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich recusaram-se a indicar um medicamento contra as evidências científicas e, por isso, tiveram de deixar a pasta. O presidente Bolsonaro queria um ministro da Saúde obediente às suas ordens, mesmo que elas afrontassem a ciência e a medicina. Foi assim que se chegou ao nome de Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde. Tão logo assumiu a pasta, o general de brigada ampliou, em estrita obediência ao arbítrio do chefe, o uso de cloroquina em pacientes com covid-19.

Ontem, o presidente Bolsonaro reiterou que, durante seu mandato, não quer o Ministério da Saúde atuando pela saúde pública. O que ele deseja – e assim faz valer – é uma pasta incondicionalmente subserviente a suas idiossincrasias políticas e ideológicas.

Na terça-feira, em reunião virtual com os 27 governadores, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou a assinatura de um protocolo de intenções para adquirir 46 milhões de doses da vacina Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Era uma decisão estritamente técnica, em benefício da população. No momento, a Coronavac é a vacina em estágio de testes mais avançado, tendo mostrado, até agora, os melhores índices de segurança. Com um investimento estimado em R$ 1,9 bilhão, a compra até o fim do ano permitiria iniciar a vacinação já em janeiro de 2021.

Na ocasião, Eduardo Pazuello fez questão de esclarecer eventual dúvida ou desconfiança sobre a origem da vacina. Segundo o ministro da Saúde, a “vacina do Butantan será a vacina brasileira”, lembrando que o imunizante, tendo sido desenvolvido na China, será produzido integralmente no Instituto Butantan, em São Paulo.

Poesia | Cecilia Meireles – Renova-te

Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado, 
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.