quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Merval Pereira - Apostando no atraso

- O Globo

O presidente Bolsonaro deu mais uma demonstração nos últimos dias de que não tem noção do que seja ser o líder de um país que tem importância por sua posição geopolítica, mais do que pela capacidade econômica, que tem sido pífia na ultima década, que já pode ser considerada perdida, como a de 1980.

O Brasil, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), crescerá 1% ao ano nesta década. De um país que era visto como o futuro da economia mundial, junto com Rússia, Índia e China (Brics), o Brasil perdeu quase a metade de sua participação no PIB mundial nos últimos 20 anos. Em 1980, representava 4,3% e nesta década passará a menos de 2,5%.

Se as previsões de crescimento feitas pela Goldman Sachs se realizassem, o Brasil teria liderança não apenas na América do Sul, mas na América Latina como um todo. Sua torcida pela vitória do presidente Donald Trump nos Estados Unidos foi uma jogada política amadora, mesmo que tenha dado certo, o que parecia improvável no momento em que escrevia a coluna.

Transformar-se em um seguidor cego do líder da maior potência atual, por questões ideológicas, não agrega nenhum valor a seu apoio e, portanto, o desprestigia. Bolsonaro justifica seu apoio a Trump com o perigo do comunismo voltando à América do Sul com as vitórias na Argentina e na Bolívia, e a nova Constituição no Chile.

Míriam Leitão - Hora de o país acertar o passo

- O Globo

O final desta eleição tensa e deste tempo infeliz pode ser o fortalecimento da democracia americana. Os Estados Unidos viram de perto os defeitos do seu sistema que permitiu a um presidente manipular os fatos, acirrar conflitos, dividir o país, tentar restringir o voto. O país chegou à eleição com tapumes nas lojas, cerca na Casa Branca e temor de escalada da violência. Nada disso é normal, como escreveu Dorrit Harazim.

Depois de duas eleições em 16 anos nas quais o vencedor do voto popular perdeu no colégio eleitoral, depois de um governo tão extremista quanto o de Donald Trump, está claro que os Estados Unidos precisam atualizar o legado dos fundadores da pátria. O federalismo não pode dar tanto poder às autoridades locais para restringirem o direito de voto, eliminando postos eleitorais. Não pode haver o temor de que o voto pelo correio vá para o lixo. Aumentaram as vozes respeitáveis nos Estados Unidos propondo reforma do sistema eleitoral.

Dias atrás, em conversa com o embaixador Rubens Ricupero, ouvi a sua expectativa:

— Eu tenho muita esperança de que as eleições provoquem uma reviravolta — ainda tenho medo de me decepcionar uma vez mais — mas se Trump perder nós vamos ter um verdadeiro terremoto, porque isso vai mudar todo o clima ideológico, político, psicológico do mundo. A eleição dele foi um choque de ruptura violentíssimo. A derrota dele não quer dizer que vamos voltar a uma situação maravilhosa, mas é como você despertar de um pesadelo, quando acorda você não está no paraíso. O fim do pesadelo não é o começo do sonho. É a volta à realidade.

Bernardo Mello Franco - A mentira contra a vida

- O Globo

Pós-verdade foi a palavra do ano de 2016. Como manda a tradição, o dicionário “Oxford” anunciou a escolha em dezembro. Um mês antes, Donald Trump havia sido eleito o 45º presidente dos Estados Unidos.

Na era da pós-verdade, os fatos importam pouco. O que conta são as versões, que podem ser fabricadas para confirmar crenças, preconceitos ou visões de mundo.

Trump usou uma mentira deslavada para se lançar na política. Ele ajudou a propagar a falsa tese de que Barack Obama teria nascido no Quênia. Isso o tornou popular entre os radicais do Partido Republicano, que não se conformavam com a presença de um negro na Casa Branca.

Na campanha, o magnata continuou a espalhar lorotas. Ele inventou que o crime não parava de crescer (as estatísticas mostravam o contrário), que os mexicanos estavam invadindo os EUA (havia mais gente saindo que entrando no país) e que Obama teria fundado o Estado Islâmico (essa dispensa comentários).

Vera Magalhães - Ponte aérea eleitoral

- O Estado de S.Paulo

Possível vitória de nomes de centro em São Paulo e no Rio é vista como ensaio para 2022

Há muitos pontos de contato nas corridas eleitorais em São Paulo e no Rio de Janeiro. E eles são importantes variáveis para a montagem das estratégias políticas para 2022. Sim, eu concordo com os cientistas políticos, historiadores e analistas de dados que alertam que as eleições municipais seguem dinâmicas e pautas locais, e não são necessariamente reflexo das eleições nacionais anteriores nem laboratórios para as seguintes.

Mas é impossível analisar alianças e dinâmicas de eleitorado neste ano sem ter como bagagem 2016 e 2018, por diferentes razões. E sim, algumas das decisões de agora terão reflexos para os próximos dois anos.

Hoje, São Paulo e Rio têm rigorosamente a mesma configuração nas pesquisas: candidatos de centro relativamente isolados na liderança (Bruno Covas na capital paulista e Eduardo Paes na fluminense); um candidato do bolsonarismo tentando se credenciar para o segundo turno, mas enfrentando dificuldades, e nomes da esquerda pulverizada disputando entre si e podendo ficar fora da disputa final justamente por essa “canibalização”.

Rosângela Bittar - Alma Gêmea

- O Estado de S.Paulo

Guedes incorporou o raciocínio confuso, a linguagem agressiva e até os trejeitos do chefe

Noves fora a pandemia, o ministro Paulo Guedes e a economia estão na berlinda e inspiram as previsões de mudanças importantes no governo no início do novo ano. Enfrentar seu jogo é para os fortes, pois tem reflexos no câmbio, na bolsa, na inflação, na dívida. No entanto, para explicar o que acontece com o laureado economista, cujo poder declina, recorre-se apenas a uma anedota: Instrutor infiel aconselhou seu aprendiz de hipnose a fazer, como dever de casa, treinamento com os peixes, diante de um desses imensos aquários de parque turístico. Preocupado com a demora, o professor foi atrás e encontrou-o em transe, olhos fixos, lábios em bico, abrindo e fechando a boca, em estado de respiração mecânica. Em vez de hipnotizar, fora hipnotizado.

Eis a questão. Admitido para ser contraponto e conselheiro técnico do desaparelhado presidente Jair Bolsonaro, Guedes se fundiu a ele e se perdeu junto. O temperamento e a impertinência, já os possuía ao chegar. Em menos de dois anos, porém, incorporou o raciocínio confuso, a linguagem agressiva, a interpretação distorcida da realidade e até os trejeitos do chefe. Tornou-se sua alma gêmea.

Não se está falando só das já folclóricas gafes que tanto poderiam ilustrar a biografia de um como do outro. Quem não se lembra das empregadas domésticas e a Disneylândia? E a dos funcionários públicos, os “parasitas”? Aquelas do uso dos precatórios como orçamento e da taxação do seguro desemprego, deslizes técnicos engavetados, candidatos à ressurreição. Tem a última, a de ter medo de ser derrubado por “lobby da Febraban”. E as penúltimas, dos nazistas, da volta do AI 5, dos insultos à mulher do presidente da França...

Roberto DaMatta* - Tudo é político

- O Estado de S.Paulo

Ouvi essa expressão quando entrei na faculdade de filosofia (feita para moças e veados, tal era o estigma, conforme algumas pessoas disseram, encorajando-me) para me bacharelar em História, e ser um merda de um professor, conforme vaticinou um médico que queria namorar a minha namorada. Estávamos nos acabados anos 50. 

Foi de professores dedicados que ouvi o axioma: “Tudo é político”. E a vida também é política? Ou haveria, além da religião, da filosofia e da coragem de honrar o Humano, uma política para o sofrimento, o inesperado e a morte? 

Fiquei aturdido com essa tonelagem que meus jovens ombros recebiam quando descobri a responsabilidade de ser um protagonista no futuro do Brasil. A descoberta da política como um modo de reler a minha existência na qual um copo d’água ou um beijo seriam um ato político, reitero, assustou-me.

Primeiro, porque passava de objeto a sujeito. Depois, porque eu percebia que a maior parte das pessoas não se dava conta de sua importância num mundo que ficava cada vez maior e menor. Quando descobri a fórmula, virei o que chamávamos de “conscientizado” por oposição aos “alienados”. Aqueles que simplesmente viviam sem ter o menor vislumbre de suas qualidades ou motivação para ir além de suas rotinas. 

Um jovem a enxergar prisões em todo lugar e eu logo vi a religião como uma delas. Depois, no auge da minha jornada, classifiquei tudo e todos como “alienados”. Seria não político o amor familiar? Gostar de filmes americanos? Ler Joaquim Nabuco? Como ser igualitário com crianças a serem nutridas e disciplinadas? Seria possível escapar de um permanente debate e destino político? 

Virei noite falando disso com meus amigos. O casamento, a paternidade e a vida profissional sem privilégios de família foram definitivos para uma parada meditativa. Sem dúvida, tudo era político. Sobretudo, era claro, para os políticos e os filhos, compadres, companheiros e amigos dos políticos. A antropologia social relativizou-me antes do livro que escrevi – Relativizando: Uma Introdução à Antropologia Social. 

Luiz Carlos Azedo - Aposta de alto risco

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Ninguém pode acusar Bolsonaro de incoerência. Como disse o chanceler Ernesto Araujo, com a atual política externa, o Brasil optou por ser “um pária” no cenário mundial

O presidente Jair Bolsonaro ontem, nas redes sociais, voltou a apostar todas as fichas na reeleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, além de denunciar suposta interferência externa na política norte-americana, sem dizer de quem. Ao mesmo tempo, o mundo aguarda em suspense o resultado do pleito, no qual o democrata Joe Biden é favorito nas pesquisas de opinião. Como escrevo antes da contagem dos votos, vou aguardar o resultado final da apuração; mesmo que, eventualmente, o presidente Trump autoproclame a sua vitória, na festa que organizou na Casa Branca para 400 convidados.

Aqui no Brasil, teríamos o resultado final da eleição, com precisão, no dia de votação, graças à urna eletrônica, à prova de fraudes, nossa melhor jabuticaba política, testada e aprovada. Nos Estados Unidos, com um sistema de votação anacrônico, que leva vários dias, inclusive com voto por correspondência, a apuração é mais complicada. Pode até gerar uma crise institucional, se Trump se declarar eleito e, depois, a contagem dos votos mostrar que o vitorioso é Baden. Como se sabe, o fato de o presidente ser eleito num colégio de delegados dos estados permite, inclusive, que o vitorioso não seja o mais votado nas urnas.

Ricardo Noblat - Biden perde o favoritismo, vira azarão, mas pode surpreender

- Blog do Noblat | Veja

Eleição aberta

 Nunca antes na história dos Estados Unidos um presidente da República falou em fraude em meio a apuração de votos. Mas Donald Trump não seria o que é se não fosse o primeiro a falar, mesmo quando sua eventual vitória poderá ser confirmada a qualquer momento.

Por que o fez? Sabe-se lá. Talvez por receio de que os votos que ainda faltam ser apurados em Estados importantes possam favorecer o Democrata Joe Biden. Ou talvez para ser coerente com o discurso que mais repetiu durante a campanha, o de que poderia ser vítima de uma fraude.

Biden amanheceu nesta quarta-feira com 238 votos no Colégio Eleitoral dos 270 necessários para que se eleja, contra 213 de Trump. Esse placar é das 6h30m. E com algo como dois milhões de votos populares a mais do que Trump. Sua sorte depende dos resultados da apuração em Nevada, Geórgia e Pensilvânia.

Caminha para vencer em Nevada. Na Geórgia, os votos que restam ser apurados são dos condados de Fulton e DeKalb. Ficam em Atlanta. DeKalb já apurou 98% dos votos, e ali Biden tem 83%. Fulton falta contar todos os seus 440 mil votos. Espera-se mais de 70% para Biden. Ou seja: ele tem chances de vencer na Geórgia.

A apuração na Pensilvânia será retomada às 11h. Trump, ali, está na frente. Dos 2 milhões e meio de votos enviados pelo Correio, só 39% foram apurados. Filadélfia, capital da Pensilvânia, costuma votar em democratas. Há poucos instantes, Biden emparelhou com Trump no Estado do Wisconsin.

A eleição ainda está aberta.

Hélio Schwartsman - Por uma pitada de cosmopolitismo

- Folha de S. Paulo

Esquerdas se ocuparam da pauta identitária e esqueceram o discurso universalista

Uma explicação recorrente para o populismo de direita no mundo rico é a globalização e a desigualdade. A transferência de postos de trabalho dos países desenvolvidos para os emergentes fez com que a classe trabalhadora do primeiro grupo de nações não se beneficiasse tanto dos ganhos econômicos das últimas décadas. Sentindo-se abandonado, esse contingente populacional, que antes se identificava com partidos mais à esquerda, passou a flertar com coisas como o brexit e Donald Trump, dando-lhes eventuais vitórias.

Não discordo dessa explicação, mas reluto em comprar seu corolário, isto é, a ideia de que a globalização é um processo concentrador, disruptivo e que deve ser combatida.

O deslocamento de postos de trabalho para emergentes, em particular para China e Índia, é responsável por tirar milhões de pessoas da miséria. O abismo entre países ricos e pobres, embora ainda profundo, se reduziu. Até a pandemia, em nenhum outro período da história a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza havia sido tão pequena.

Bruno Boghossian - Quatro anos de política marginal

- Folha de S. Paulo

Ciclo deu ares de normalidade a atitudes anômalas; efeitos devem ser duradouros

Os quatro anos desde a eleição de Donald Trump nos EUA consolidaram um método marginal na política. O show comandado pelo magnata a partir de 2016 deu ares de normalidade a recursos como a desinformação e o estímulo à violência. O efeito negativo desse ciclo para a democracia deve ser duradouro.

O americano abriu essa caixa de ferramentas para construir a imagem de um político disposto a desmantelar o centro corrupto do poder. A mentira, o discurso preconceituoso e a demonização de adversários eram marcas que pareciam conferir autenticidade a um personagem que ignorava as regras do jogo.

Aqueles que vestem esse figurino geralmente não têm vontade ou habilidade para desmantelar coisa nenhuma. Eles reclamam e dizem que o sistema poderoso impediu a missão. O único produto que são capazes de entregar é o retrocesso de governos e do exercício da política.

Vinicius Torres Freire - O extremismo odiento, com ou sem Trump

- Folha de S. Paulo

Polarizações socioeconômicas e ódios diversos não vão passar tão cedo nos EUA

Donald Trump é uma doença ou sintoma de um mal pior? Derrotado ou vitorioso, já terá deixado sequelas, de qualquer modo. Trump inspirou, incentivou ou legitimou supremacistas brancos, a xenofobia, a desconfiança na razão, em instituições que promovem o debate público esclarecido e que arbitram conflitos de modo democrático, promoveu a mentira sistemática e a disseminação da paranoia. Avacalhou tudo isso que faz parte do pacote básico da democracia liberal.

Há surtos de paranoia ou ressentimento reacionários que causam comoção e sofrimento, mas passam. Ao menos, acabam não tendo força bastante para abalar pilares dessas democracias liberais.

Não foi o caso nem com o macarthismo dos Estados Unidos dos anos 1950, por exemplo. Deixou marcas, destruiu vidas e inoculou para sempre na política americana a rejeição mesmo a ideias sociais-democratas e o delírio anticomunista, mas não produziu instituições autoritárias.

Elio Gaspari - Bolsonaro deve mostrar seu jogo

- O Globo / Folha de S. Paulo

Ganha uma viagem à Pensilvânia quem souber que cartas o presidente tem

Às segundas, quartas e sextas, o ministro Paulo Guedes briga com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Às terças, quintas e sábados, fazem as pazes. Todo dia, Guedes briga com Rogério Marinho, seu colega do Desenvolvimento Regional. Insatisfeito com as brigas que arrumou, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, insulta o chefe da Secretaria de Governo, general da reserva Luiz Eduardo Ramos. Do alto de sua erudição, num discurso em que se disse poeta e falou até em grego, o chanceler Ernesto Araújo disse ao mundo que “o Brasil hoje fala em liberdade através do mundo, se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”. (Se o Brasil virou um pária, isso nada tem a ver com o discurso da liberdade.) Bolsonaro, o maestro dessa banda de música, briga com governadores, vacinas e colaboradores.

Faz tempo, diante da anarquia do fim do governo de João Figueiredo, o general Golbery do Couto e Silva dizia que uma pessoa pode ir para a rodoviária parando em todos os guichês, pedindo um desconto na passagem. Podia até conseguir, mas não podia deixar de dizer para onde queria ir. Olhando o mesmo quadro, Tancredo Neves queixava-se: “Ninguém joga só embaralhando. Tem que dar carta a alguém, e o Figueiredo não está dando carta alguma. Está com todas na mão”. (O tempo mostrou que o general não tinha mais carta, e Tancredo foi eleito presidente em 1985.)

Zuenir Ventura - O sonho da pátria armada

- O Globo

Eduardo só faltou completar: ‘Em vez de livro, por que não um fuzil?’

O deputado federal Eduardo Bolsonaro usou as redes sociais no domingo para decretar que “o tiro também é cultura”. Só faltou completar: em vez de livro, por que não um fuzil? Na postagem, o parlamentar se referiu à visita que fez ao Bope (Batalhão de Operações Especiais) do Distrito Federal, onde teve aula de tiro ao alvo, acompanhado do secretário especial de Cultura do Ministério do Turismo, Mario Frias, e do secretário nacional de incentivo e fomento à cultura, André Porciúncula.

Depois do treinamento, ele e seus companheiros, todos armados de revólver e fuzil, posaram ao lado da imagem de uma caveira, símbolo do batalhão e, por extensão, da cultura como o Zero Três a vê. Filho e pai são defensores do liberou geral, da flexibilização das leis sobre o porte e a posse de arma, e os dois fizeram do tema promessa de campanha. A novidade é o filho aparecer agora com esse disfarce, para dar a impressão de que atirar é um divertimento intelectual.

Cristovam Buarque* - Ler importa!

Foi preciso um policial branco asfixiar um negro, para o mundo despertar para o lema “vidas negras importam”. O grito de “não consigo respirar” ecoou em todas as partes. Pena que um analfabeto não grite o mesmo e de seu grito surja um movimento com o lema: “ler importa”. As pessoas não percebem que o analfabeto não respira plenamente, uma vez que, além de comida e oxigênio, o ser humano se alimenta de conhecimento e estes chegam, sobretudo, pela leitura.

A falta de leitura asfixia pessoas e sociedade. Lutar contra o racismo exige luta contra o analfabetismo. Até porque 10 dos nossos 12 milhões de analfabetos são descendentes de escravos. Fala-se que “vidas negras importam” esquecendo-se que a falta de importância às vidas negras decorre em parte do abandono escolar a que os jovens negros são condenados, por serem pobres. O racismo produz analfabetismo entre os negros deixados sem escola, e acirra o racismo estrutural na sociedade.

Ao lado dos esqueletos sociais da escravidão, o analfabetismo é o berço do preconceito, a causa maior da exclusão social e do racismo. A luta contra o racismo conseguiu fazer com que os negros brasileiros já não se sintam inferiores aos brancos, como ocorria até recentemente, mas negros ou brancos sentem-se inferiores quando são analfabetos. Apesar disso, os que, corretamente, lutam contra o racismo com leis que criminalizam este comportamento, não lutam contra o analfabetismo que produz o racismo. Até lutam para que um pequeno número de negros entre na universidade, mas não para que todos os negros saiam do analfabetismo.

Alberto Aggio* - EUA no centro do mundo … uma vez mais

- Blog do Aggio 

É indiscutível a importância dos EUA para o mundo. O século XX foi caracterizado, com razão, como o “século americano”. Depois do fim do comunismo, no início da década de noventa, isso ficou ainda mais claro. Depois de percorridas duas décadas do século XXI, nem mesmo o protagonismo assumido pela China conseguiu deslocar a importância dos EUA no mundo, se considerarmos as dimensões tecnológicas, econômicas, culturais, etc.. Ainda que se possa falar de um relativo arrefecimento do poder dos EUA, não resta dúvida a respeito do papel hegemônico que os EUA ainda jogam na cena mundial.

Mesmo não sendo eleitores, nós brasileiros, assim como boa parte da população mundial, não temos como não expressar grande interesse sobre o embate que se trava nas eleições presidenciais norte-americanas. Depois dos quatro anos de Trump, há uma grande expectativa sobre o resultado destas eleições. Há muitas razões para ser assim, a começar pelo fato de que já se espera que o resultado não seja conhecido de imediato em razão tanto da polarização confrontacional que Trump instituiu ao processo eleitoral, com acusações de fraude e ameaça de não respeitar os resultados, que fica difícil antever quando se dará a conhecer o vencedor da eleição.

Ligia Bahia - A saúde sai do limbo nos EUA

- O Globo

Trump insistiu nas declarações sobre a disposição de Biden para fechar a economia seguindo a ciência

As estratégias para enfrentar a Covid-19 ocuparam o centro das atenções nas eleições nos EUA. O apreço ou desprezo pela ciência, a incapacidade para coordenar o enfrentamento da pandemia ou a defesa da economia e os defeitos ou qualidades atribuídos ao Obamacare orientaram a definição dos votos.

Joe Biden declarou que apoiaria, em vez de difamar, pesquisadores e especialistas. Disse ainda que incentivaria o uso de máscaras sempre, garantiria avanços para a testagem por meio de investimentos em testes rápidos e se certificaria sobre padrões nacionais seguros para a abertura de escolas e empresas.

Donald Trump afirmou que considera ter nota A+ no gerenciamento da pandemia e apenas um D em divulgação, “porque são produzidas notícias falsas”. O atual presidente insistiu nas declarações sobre a disposição do adversário para fechar a economia seguindo recomendações científicas, disse que tinha testado positivo e retomou a campanha por ter recebido tratamento com anticorpos e outros medicamentos. Contudo o que está em jogo é mais do que a condução política contra a pandemia. O resultado das eleições decide o destino da Lei de Cuidados Acessíveis (ACA, na sigla em inglês) — o Obamacare —, aprovada em 2010 pelos democratas e que, segundo Trump, é “muito cara e não funciona.”

O QUE PENSA A MÍDIA - Opiniões / Editoriais

A autoridade e o poder – Opinião | O Estado de S. Paulo

Quem precisa reafirmar o tempo todo que tem poder talvez não o tenha de fato. Quando o presidente Jair Bolsonaro declara, pela enésima vez, que “quem manda sou eu”, como fez recentemente, está na verdade confirmando a enorme dificuldade de fazer valer o poder que o cargo lhe confere. E isso tem implicações graves para o País, retratadas em cores vivas pela gritante falta de rumo do governo.

“Não delego a ninguém tratar sobre qualquer assunto relacionado ao presidente da República. E a caneta Bic é minha e ainda tem tinta”, disse Bolsonaro. Foi um comentário sobre a declaração do vice-presidente Hamilton Mourão segundo a qual “é lógico” que o governo comprará a vacina contra a covid-19 produzida por um laboratório chinês em parceria com o Instituto Butantan. A fala de Mourão contrariou Bolsonaro, que dias antes havia dito que o governo não compraria a vacina e que havia mandado cancelar o protocolo assinado pelo Ministério da Saúde com o Instituto Butantan. “O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”, disse Bolsonaro na ocasião.

Presidentes não precisam envergar a faixa presidencial 24 horas por dia para serem respeitados. Esse respeito vem do exercício do poder que resulta não da truculência do indivíduo que o ostenta, mas da vontade comum da sociedade, alcançada por meio da política. Se a sociedade não entende as decisões do presidente como parte de uma ação pactuada no espaço público da política, e sim como manifestação do poder pelo poder, essa legitimidade deixa de existir – e de nada servirá bradar que “o presidente sou eu”.

Um presidente que não sabe o que é o poder numa democracia não tem como dar uma direção racional a seu governo. Passados quase dois anos do mandato, Bolsonaro ainda não foi capaz de dizer o que pretende para o País a quem cabe administrar. E nem se diga que o desgoverno é fruto da pandemia de covid-19, pois mesmo antes desse flagelo o presidente Bolsonaro era francamente incompetente para ir além de seus slogans eleitorais ao falar de seus planos para o Brasil.

Poesia | Ascenso Ferreira - Trem de Alagoas

O sino bate,

o condutor apita o apito,

solta o trem de ferro um grito,

põe-se logo a caminhar…

 

                    – Vou danado pra Catende,

                    vou danado pra Catende,

                    vou danado pra Catende

                    com vontade de chegar…

 

Mergulham mocambos

nos mangues molhados,

moleques mulatos,

vêm vê-lo passar.

 

                  – Adeus!

                  – Adeus!

 

Mangueiras, coqueiros,

cajueiros em flor,

cajueiros com frutos

já bons de chupar…

 

                  – Adeus, morena do cabelo cacheado!

 

                  – Vou danado pra Catende,

                  vou danado pra Catende,

                  vou danado pra Catende

                  com vontade de chegar…

 

Mangabas maduras,

mamões amarelos,

mamões amarelos

que amostram, molengos,

as mamas macias

pra a gente mamar…

 

                     – Vou danado pra Catende,

                      vou danado pra Catende,

                      vou danado pra Catende

                      com vontade de chegar…

 

Na boca da mata

há furnas incríveis

que em coisas terríveis

nos fazem pensar:

 

                     – Ali dorme o Pai da Mata!

                     – Ali é a casa dos caiporas!

 

                     – Vou danado pra Catende,

                     vou danado pra Catende,

                     vou danado pra Catende

                     com vontade de chegar…

 

Meu Deus! Já deixamos

a praia tão longe…

No entanto, avistamos

bem perto outro mar…

 

Danou-se! Se move,

Se arqueia, faz onda…

Que nada! É um partido

já bom de cortar…

 

                   – Vou danado pra Catende,

                   vou danado pra Catende,

                   vou danado pra Catende

                   com vontade de chegar…

 

Cana-caiana,

cana-roxa,

cana-fita,

cada qual a mais bonita,

todas boas de chupar…

                          – Adeus, morena do cabelo cacheado!

 

                          – Ali dorme o Pai da Mata!

                          – Ali é a casa das caiporas!

 

                          – Vou danado pra Catende,

                          vou danado pra Catende,

                           vou danado pra Catende

                           com vontade de chegar…