quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Merval Pereira - O medo da morte

- O Globo

A atitude desprezível e repugnante do presidente Bolsonaro de festejar a paralisação dos testes com a Coronavac, vacina chinesa que está sendo produzida pelo Instituto Butantan em São Paulo, como uma vitória política sobre o governador João Dória, dá bem a dimensão desumana desse político, que brada que o país tem de parar de ser “terra de maricas” e encarar de frente a pandemia.

Se não fosse a barreira do Centrão, esta seria a milionésima vez em que Bolsonaro, cometendo mais um crime de responsabilidade, poderia ser impedido pelo Legislativo de continuar à frente do governo. Não tem a menor condição psicológica ou moral para exercer a presidência da República uma pessoa que não consegue ter empatia com os cidadãos do país que teoricamente lidera.

O tiro de misericórdia tentado acabou saindo pela culatra, pois o pobre do voluntário que morreu, cometeu suicídio ou foi vítima de uma overdose, ocorrência que nada tem a ver com a vacina. O fato de que, mesmo depois de esclarecido o caso, a Anvisa não autorizou a retomada dos testes, mostra que há mais do que uma exagerada cautela por parte do órgão governamental.

Míriam Leitão - Um presidente que atormenta

- O Globo

O Brasil está vivendo a maior tragédia de saúde pública em um século, e o presidente comemora. Há 162 mil mortos, e o presidente diz “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Não há vitória para qualquer pessoa num país que conta seus mortos. Esta é uma guerra pela vida que deveria unir, que tinha que seguir o comando apenas da ciência e da medicina. O drama que levou uma pessoa de apenas 33 anos não pode ser vitória de ninguém. Esta não é a primeira vez que Bolsonaro atenta contra a saúde pública espalhando descrédito contra uma vacina que pode vir a ser aprovada, não é a primeira vez que ele trata essa calamidade nacional como se fosse uma disputa de egos ou o palanque antecipado de 2022.

Até quando as instituições vão ignorar o fato de que há crime envolvido nisso? Vários crimes. Tipificados e arrolados no Código Penal para quem ameaça a saúde pública e o faz dessa forma, insistente e cotidianamente. Desde o início da pandemia, o presidente Bolsonaro cometeu inúmeros absurdos como o de combater a proteção contra o vírus. Ontem o país amanheceu com mais um tormento criado por ele.

Bernardo Mello Franco - A captura da Anvisa

- O Globo

O bolsonarismo já havia capturado a Polícia Federal, a Receita Federal, a Procuradoria-Geral da República e a Abin. Agora chegou a vez da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Numa decisão exótica, a Anvisa ordenou a suspensão dos testes da CoronaVac, vacina desenvolvida pela chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan. A agência atribuiu a medida à morte de um voluntário. Era um pretexto enganoso. De acordo com a polícia, o homem cometeu suicídio.

O presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, disse que a decisão de interromper os estudos clínicos foi “técnica”. Ele é contra-almirante e aliado próximo de Bolsonaro no governo. Em março, acompanhou o presidente numa manifestação golpista em frente ao Planalto. Os dois desfilaram sem máscara, desrespeitando as recomendações sanitárias.

Luiz Carlos Azedo - O presidente dos maricas

- Correio Braziliense

As reações de Bolsonaro são típicas de quem tem uma grande perda, no caso, o colapso da sua aliança estratégica com Trump. É um processo que começa pela negação e evolui para a raiva

O presidente Jair Bolsonaro ainda não conseguiu processar a derrota de Donald Trump nas eleições para a Presidência dos Estados Unidos. Em parte, isso explica o fato de não ter manifestado, ainda, as congratulações devidas ao democrata Joe Biden, o novo presidente norte-americano, somando-se aos poucos chefes de Estado que ainda não o fizeram, entre os quais Vladimir Putin, da Rússia, e Xi Jinping, da China, que têm disputas estratégicas com os norte-americanos muito diferentes das nossas contradições com os EUA. No momento, a atitude de Bolsonaro situa o Brasil nesse quadrante político, mas isso não tem a menor aderência à realidade geopolítica da qual fazemos parte historicamente.

Para usar uma velha expressão popular, Bolsonaro está sem pai nem mãe na política internacional. Seu comportamento parece emocional, porém, politicamente, é muito semelhante ao de Vladimir Putin em relação ao então presidente norte-americano Barack Obama, e à primeira-ministra alemã, Angela Merkel. Ambos o decepcionaram por tratarem a Rússia como uma nação decadente e a ele, pessoalmente, como um líder de segunda classe. Putin deu as costas ao Ocidente e recorreu ao nacionalismo russo para se manter no poder, até hoje, com apoio dos militares, controle do Judiciário e da imprensa, e uma estreita aliança com a Igreja Ortodoxa Russa, para uma contrarreforma nos costumes.

Ricardo Noblat - Bolsonaro é a mais perfeita tradução do seu (des) governo

- Blog do Noblat | Veja

De volta à normalidade

Em dia de fúria, o presidente Jair Bolsonaro teve pelo menos um momento de argúcia. Foi quando desabafou, em cerimônia no Palácio do Planalto: “Não estou preocupado com a minha biografia. Se é que eu tenho biografia”. De fato, não está. Do contrário, não teria feito o que fez em um período de poucas horas.

Começou o dia celebrando o falso insucesso da vacina chinesa contra a Covid-19. Depois disse que o Brasil, temeroso do vírus, não passa de um país de maricas. Por fim, afirmou que se não houver entendimento com o futuro governo de Joe Biden em torno do futuro da Amazônia, chegará a hora de usar a pólvora.

Biden ameaça o Brasil com sanções econômicas se Bolsonaro não cuidar melhor da Amazônia, onde aumenta o desmatamento e multiplicam-se os focos de incêndio. Bolsonaro tenta vender aos brasileiros a ideia de que outros povos querem ocupar a Amazônia porque ela é muito rica em minérios. Daí a referência a guerra.

Foram os chineses que inventaram a pólvora. Segundo garantiu há oito anos o general Maynard Marques Santa Rosa, ex-secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, as Forças Armadas do Brasil não possuem munição suficiente para sustentar uma hora de combate.

Bravata pura de Bolsonaro! Que mereceu, uma hora mais tarde, a resposta indireta do embaixador americano no Brasil. Viralizou nas redes sociais o vídeo postado pelo embaixador sobre a passagem de mais um aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. Uma demonstração de força bem a propósito.

O saldo do dia em que Bolsonaro despiu a fantasia recém-vestida de presidente normal e reconciliou-se com o que sempre foi, é e será, pode ser resumido assim:

Ruy Castro* - O mundo que espere por Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

E espere sentado porque, enquanto não for a hora certa, ele não cumprimentará Biden

O vice-presidente, general Hamilton Mourão, declarou que Jair Bolsonaro irá cumprimentar o presidente eleito americano, Joe Biden, “na hora certa”. Significa que, para Mourão, os líderes mundiais que ignoraram o esperneio de mau perdedor de Donald Trump e reconheceram a vitória de Biden, como os representantes de Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Índia, Israel, Emirados Árabes, Irã, Iraque, Egito, Jordânia, Líbano, União Europeia, ONU, OMS, Otan e até nossos vizinhos Argentina, Uruguai e Chile, fizeram isso na hora errada.

Para Mourão, especialista em dizer platitudes ao ser abordado em trânsito entre um gabinete vazio e outro desocupado, Bolsonaro faz bem em “esperar que termine esse imbróglio aí, de discussão, se tem voto falso, se não tem, para dar o posicionamento dele”. Deve imaginar que Biden e os países mais adultos e responsáveis estão esperando sentados, sem respirar, por Bolsonaro. E que, quando ele falar, as relações entre Brasil e EUA tomarão seu caráter institucional normal, como entre dois países com o mesmo peso.

Bruno Boghossian - O túmulo como palanque

- Folha de S. Paulo

Presidente sobe mais um degrau na exploração macabra do governo em nome de interesses políticos

Jair Bolsonaro não teve vergonha de admitir que está mais preocupado com ganhos pessoais do que com a vida dos cidadãos. Ao festejar a interrupção dos testes da Coronavac, o presidente subiu um degrau na exploração macabra do governo em nome de interesses políticos.

Bolsonaro lançou mão de algumas marcas registradas: usou um túmulo como palanque, reforçou suspeitas de aparelhamento de um órgão público e surfou na desinformação para buscar uma vitória particular.

Logo pela manhã, o presidente celebrou a decisão da Anvisa de suspender os experimentos da vacina do laboratório chinês Sinovac após o registro de um “evento adverso” com um voluntário. Ele ironizou o desafeto João Doria, patrono político do imunizante, e sentenciou: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

Vinicius Torres Freire – Bolsonaro e seus cúmplices

- Folha de S. Paulo

Presidente cometeu tantos crimes de responsabilidade que a lei do impeachment se tornou letra morta

Jair Bolsonaro já violou impunemente tantos artigos da lei dos crimes de responsabilidade que essa norma que pretendia enquadrar e conter o comportamento do Presidente da República tornou-se letra morta. As instituições e boa parte da elite lhe dão carta de corso para barbarizar o Estado, a decência e a ordem. Isto é, enquanto reparta o butim.

Como ficou ainda mais claro desde o tempo da subversão dos comícios golpistas (não faz nem seis meses), o poder mortal de Bolsonaro não será ameaçado desde que não cause mais danos financeiros do que custaria um processo de impeachment. Ou seja, desde que não provoque um tumulto econômico, derrubando o teto de gastos, que não aumente impostos de modo significativo e que pague os serviços que comprou no Congresso.

Esta terça-feira foi um dia pleno de bolsonarismo. Logo pela manhã, houve a saudação fúnebre. Bolsonaro jactou-se de derrotar João Doria porque uma morte prejudicou o andamento dos testes da vacina encomendada pelo governo de São Paulo. Mas passemos, porque “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”, como está escrito no artigo 9º da lei dos crimes de responsabilidade, do impeachment, é o comportamento esperado de Jair Bolsonaro.

Rosângela Bittar - Centrão na cabeça

- O Estado de S.Paulo

Das disputas municipais saem fortalecidos o PSD, o MDB e o PP, segundo previsões

O presidente Jair Bolsonaro cometeu um erro essencial de política. Transformou um presságio em uma aposta do tipo cara ou coroa. No fim, quedou-se paralisado, à espera de uma decisão por pênaltis que não virá porque nem sequer consta do regulamento. Por este momento de alucinação, torpor e instabilidade, Bolsonaro terá de operar uma desafiadora metamorfose: transformar-se de radical raivoso em moderado condescendente.

Se vai conseguir é o que veremos nos próximos meses. No momento, comporta-se como reles perdedor em série. Perdeu com a vitória de Joe Biden e Kamala Harris. Perdeu com o revés de Donald Trump, um modelo pessoal e político. Perdeu com o péssimo desempenho de seus candidatos nas eleições municipais. Perdeu diante do impulso de reação dos seus adversários presidenciais, que foram acordar logo agora, na sua maré baixa.

Isolado, o presidente consolidou a condição de maior refém do Centrão, sendo a única saída para sobreviver e ainda pleitear a reeleição. Por esta dependência presidencial, o Centrão se fortaleceu. Sobretudo porque sairá revitalizado das eleições municipais.

Para avaliar o preço que o Centrão cobrará não é preciso ter imaginação. Seus parlamentares sabem onde, quando e como tomar de assalto o governo. No restrito grupo de aliados fanáticos do presidente ainda se ouvem apelos esparsos para ele recrudescer nas atitudes de beligerância, fugindo, como sua matriz, à realidade. Mas o Centrão vai pressionar em contrário. Acredita ser fácil mostrar ao presidente que sua tropa é a última reserva de que ele dispõe.

Vera Magalhães - Masculinidade frágil

- O Estado de S.Paulo

Derrota de Trump e agruras do 01 abalam confiança de Bolsonaro

Jair Bolsonaro é uma cobaia ambulante para qualquer tese psicanalítica. Ontem, diante de tantos “eventos adversos graves” para si, sua família e o seu projeto político, o presidente surtou. Como sempre acontece com ele, esses surtos envolvem ao mesmo tempo decisões graves, com consequências para o País, e arroubos que funcionam mais como cortina de fumaça para tentar esconder suas fragilidades.

Vamos separar o joio do trigo. Ou o joio do joio, pois não há trigo nesse silo.

No rol dos absurdos com graves consequências para o Brasil está a decisão da Anvisa de paralisar os testes da Coronavac por conta de um efeito adverso grave com um entre mais de 13 mil voluntários dos testes clínicos da vacina desenvolvida em parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório Sinovac. Acontece que a morte desse paciente nada teve a ver com a vacina.

Fernando Exman - Um ponto central para analisar no domingo

- Valor Econômico

Fim das coligações proporcionais é esperado desde 2017

Muitos sucumbirão à tentação. Já na noite de domingo, antes mesmo de uma análise mais fria dos resultados das eleições municipais, irão comemorar a eficiência do sistema político-eleitoral brasileiro e uma suposta pujança da democracia local. Farão comparações do desempenho das urnas eletrônicas com o que se viu recentemente nos Estados Unidos, onde a apuração demorou dias para ter um desfecho e ainda enfrenta questionamentos do lado derrotado. Mas, recomenda-se cautela.

Só depois de uma avaliação pormenorizada da configuração das novas câmaras de vereadores será possível dizer se a proibição das coligações nas disputas proporcionais de fato ajudará a depurar o sistema político. Espera-se há anos pela aplicação dessa regra, instituída por meio de uma proposta de emenda constitucional em 2017, e finalmente seus efeitos serão conhecidos. Talvez o principal deles seja a diminuição no número de partidos existentes no país.

Será a primeira vez que os candidatos a vereador só poderão disputar o cargo por meio de chapa única dentro dos seus próprios partidos. Se não houver nenhum desvio de rota, a regra será mantida nas próximas eleições e isso pode fazer toda a diferença na conformação do Congresso que será eleito em 2022 e conviverá com o próximo presidente da República. Seja ele qual for.

Zuenir Ventura - A hora das urnas

- O Globo

Classe artística está se mobilizando para evitar a reeleição do bispo

Passamos o último fim de semana mobilizados por eleições e, com certeza, vamos passar o próximo também. Só muda o país. Graças à extraordinária cobertura feita pelos correspondentes e comentaristas da GloboNews, pudemos acompanhar os estridentes estertores de Trump e a insistente e patética resistência de Bolsonaro em reconhecer a vitória de Biden. É bem provável que se tenha o resultado do nosso pleito municipal antes.

Recomenda-se a leitura da coluna de Larry Rohter, na revista “Época”, confessando sua “inveja” do eleitor brasileiro. O ex-correspondente do “New York Times” no Brasil (1999-2007) se disse “maravilhado: as urnas fechavam ao entardecer, e o TSE anunciava o veredito do povo até meia-noite. Nada de dúvidas ou incertezas. Incrível”. E, pode-se acrescentar, continua assim ainda hoje, lá como cá.

Elio Gaspari - Diplomacia sem cloroquina

- O Globo | Folha de S. Paulo

Pitis são irrelevâncias nas relações entre os países

Donald Trump está oferecendo ao mundo uma cena de desequilíbrio explícito recusando-se a admitir sua derrota eleitoral. Problema dos americanos. O Brasil nada tem a ver com isso. Desde o fim da semana passada, criou-se uma saia justa porque o presidente Jair Bolsonaro não felicitou Joe Biden pela sua vitória. É um bom tema para alimentar conversas, mas sua relevância é igual à da cloroquina para a cura da Covid. Pode, no máximo, ser um silêncio descortês, mas, nesse negócio de reconhecimento indevido, a medalha está com a diplomacia americana, que, em 1964, reconheceu o deputado Ranieri Mazzilli como presidente, enquanto João Goulart ainda estava no Brasil. Pior, fizeram isso sem consultar o presidente Lyndon Johnson.

No dia 20 de janeiro, Joe Biden assumirá a Presidência dos Estados Unidos. No limite, Trump deixará a cidade antes disso. Tudo bem. Em 1801, John Adams foi-se embora e não participou da posse de Thomas Jefferson. Talvez Trump fique de cara fechada na limusine que o levará, ao lado de Biden, da Casa Branca ao Capitólio. Tudo bem de novo. Em 1953, o general Eisenhower e o presidente Truman mal trocaram algumas palavras durante o percurso. Malquerenças à parte, no dia seguinte Jefferson e Eisenhower governavam os Estados Unidos, e, a partir da tarde do dia 20, Joe Biden assinará seus primeiros papéis na Casa Branca.

Roberto DaMatta* - Uma vitória da democracia

- O Estado de S.Paulo | O Globo

Donald Trump foi derrotado pelo seu desprezo pelos valores democráticos – diferenças devem igualar e não construir muros

Na véspera de minha primeira viagem aos Estados Unidos, em 1963, recebi de Dick Moneygrand – que iniciava suas pioneiras pesquisas no Brasil – um conselho inesquecível. “Na América – recomendou – faça sempre o contrário do que manda o seu brasileiro coração. Coma a pizza com a mão; não se preocupe com desodorantes, mas pinte o cabelo; obedeça ao que estiver escrito, jamais encoste a mão no seu interlocutor e não olhe fixamente para uma mulher bonita. Seja compulsivamente pontual e, acima de tudo, note bem – recomendou meu amigo com ênfase –, acalme-se quando sua reclamação for importante. Quanto mais difícil for o seu problema, mais calmo você deve ficar. Lembre-se de que, nos Estados Unidos, não existe o vosso nervoso e recorrente ‘Você sabe com quem está falando?’”

*

O narcisismo e a base teatral da arrogância de Donald Trump me fez supor que Joseph Biden seria derrotado. Afinal, dizia meu julgamento cultural brasileiro, ele é idoso, é muito controlado e enfrenta uma dura polarização. Puxando, porém, pela memória, me lembrei de como os americanos enfrentaram polarizações muito mais tenebrosas como, em 1860, a Guerra Civil; na década de 50, o macarthismo fascista; em 1960, o movimento pelas liberdades civis, e outros eventos nefastos com decisiva serenidade democrática. 

Monica De Bolle* - O governo Biden

- O Estado de S.Paulo

Há razões para ver no governo Biden o começo de um ciclo de restauração do conhecimento das ciências

 Sim, já devemos pensar no governo de Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos, independentemente dos esperneios de Trump e da hipocrisia do Partido Republicano. Sim, a tentativa de judicialização e contestação das eleições estarão conosco por um tempo. Mas as margens alcançadas por Biden em todos os Estados onde venceu são largas demais para serem revertidas. A matemática é inexorável. Também não é razoável supor que no complicado sistema norte-americano, em que as eleições para presidente são indiretas, haverá revoltas no colégio eleitoral que culminarão na decisão das eleições por parte da Câmara. A margem de Biden no voto popular e a solidez institucional dos Estados Unidos – ela ainda existe a despeito de Trump – tornam esse cenário quase fantasioso. Portanto, a pergunta é pertinente e oportuna: o que se deve esperar do governo Biden?

O discurso da vitória que o presidente eleito proferiu de Wilmington, sua cidade natal, na noite do último sábado, à nação fornece-nos algumas pistas. Nele, Biden deixou claro que não haverá recuperação econômica caso não exista um plano de combate à pandemia. Além de afirmar a predominância da crise de saúde pública sobre qualquer outro tema, a declaração do presidente eleito deixa em evidência, assim, quais serão as prioridades de seu governo e a ordem delas. Essas impressões se confirmam pelos próprios atos do presidente eleito no pouco tempo que se seguiu. Após a vitória declarada no fim de semana pondo fim a dias de apuração sob escrutínio e ansiedade de todo o mundo, a primeira ação de Biden foi nomear um conselho de especialistas e cientistas para ajudá-lo a reverter o descalabro norte-americano. Há vários dias são registrados aqui nos EUA mais de 120 mil casos diários de covid-19, os hospitais em algumas localidades do país estão chegando à sua capacidade máxima, os óbitos superam a marca de 1.000 por dia. Nesse ritmo, não tardará para que se alcance a marca de 200 mil casos por dia, como têm advertido vários infectologistas de renome.

Cristiano Romero - Paulo Guedes, liberal?

- Valor Econômico

Ministro quer a volta da CPMF, o tributo mais antiliberal

Paulo Guedes chegou a Brasília com credencial de liberal formado pela Escola de Chicago. Na prática, o que se vê não se parece nada com o liberalismo de Milton Friedman, maior expoente daquela escola. Com a economia rodando à taxa básica de juros (Selic) em 2% ao ano, o ministro quer recriar a CPMF, tributo que funciona como uma espécie de confisco e do qual o país se viu livre em 2007, por decisão soberana do Congresso.

Por que confisco? Ora, porque a CPMF não taxa diretamente o ganho, a renda, o lucro, o valor agregado nem mesmo o consumo ou a produção, mas, sim, a passagem do dinheiro por uma conta bancária. Basta o sujeito depositar seu dinheiro num banco e já tem que pagar o tributo. É um imposto, na verdade, sobre dinheiro. E, mesmo quem não tem conta, paga indiretamente porque tudo o que compra tem o custo da CPMF embutido no valor.

A CPMF é um tributo regressivo, injusto, pois ricos e pobres pagam proporcionalmente a mesma coisa. Sua incidência em cascata onera toda a cadeia produtiva e, portanto, os preços. Onera, ainda, a formação da taxa de juros.

No momento em que o Banco Central (BC) aproveita a maré de juros historicamente baixos para estimular a competição no sistema de crédito, a CPFM seria mais uma cunha fiscal sobre a intermediação financeira, portanto, um contrassenso.

Presidenciáveis enfrentam obstáculos por 3ª via

Eleições municipais ocorrerão em meio a negociações para a formação de alianças para 2022. Nomes que desejam furar o domínio de Bolsonaro e do PT em 2018 encontram resistências e buscam caminhos para se viabilizar

Bruno Góes – O Globo

BRASÍLIA - Embora ainda seja cedo para qualquer definição de candidaturas à Presidência da República em 2022, possíveis postulantes ao cargo se movimentam para formar uma aliança com o objetivo de furar a polarização entre Jair Bolsonaro e uma candidatura do PT que dominou a eleição de 2018. As conversas ainda são embrionárias e se situam em ambiente pouco favorável ao consenso.

Apesar das conversas e movimentações, a maioria dos personagens principais está distante do pleito municipal que ocorre no próximo final de semana. O apresentador Luciano Huck não tem participado de campanha alguma, enquanto o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro gravou apenas um vídeo para o candidato Capitão Wagner (PROS), mas sem pedir voto.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tem sido escondido na campanha pelo prefeito da capital paulista, Bruno Covas, seu correligionário. Apenas Ciro Gomes (PDT) usa o pleito municipal para se posicionar visando a disputa de daqui dois anos. Ele tem participado ativamente das campanhas de candidatos de seu partido e de aliados país afora.

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Politização mina confiança nas vacinas – Opinião | O Globo

Bolsonaro tenta faturar com a confusão em torno da suspensão dos testes da chinesa CoronaVac

A decisão da Anvisa de suspender, na segunda-feira, os testes da vacina CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, gerou uma confusão que em nada ajuda o combate à Covid-19. O presidente Jair Bolsonaro não tardou em politizar o fato. “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la (sic). O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, afirmou numa rede social, dando uma alfinetada no rival João Doria, que não cansa de promover uma vacina que não sabe se poderá entregar.

Se Bolsonaro ou Doria ganham algo com a confusão, o brasileiro só perde cada vez que uma questão que deveria se ater aos aspectos técnicos adquire contornos políticos. Interrupções em pesquisas dessa envergadura são naturais, até certo ponto esperadas. Em setembro, testes da vacina da Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca foram interrompidos devido à morte de um voluntário. Depois constatou-se que ele tomara o placebo.

Desta vez, a interrupção também foi motivada pela notificação da morte de um voluntário. O diretor do Butantan, Dimas Covas, afirmou que o evento nada tinha a ver com a vacina. A Comissão de Ética em Pesquisa, ligada ao Ministério da Saúde, não viu razão para suspensão. De acordo com o laudo do Instituto Médico-Legal que veio à tona ontem, o voluntário cometeu suicídio.

Poesia | Fernando Pessoa - Acaso

No acaso da rua o acaso da rapariga loira. 
Mas não, não é aquela. 

A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro. 

Perco-me subitamente da visão imediata, 
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua, 
E a outra rapariga passa. 

Que grande vantagem o recordar intransigentemente! 
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga, 
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta. 

Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso! 
Ao menos escrevem-se versos. 
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar, 
Se calhar, ou até sem calhar, 
Maravilha das celebridades! 

Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos... 
Mas isto era a respeito de uma rapariga, 
De uma rapariga loira, 
Mas qual delas? 
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade, 
Numa outra espécie de rua; 
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade 
Numa outra espécie de rua; 
Por que todas as recordações são a mesma recordação, 
Tudo que foi é a mesma morte, 
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã? 

Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional. 
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas? 
Pode ser... A rapariga loira? 
É a mesma afinal... 
Tudo é o mesmo afinal ... 

Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.