domingo, 29 de novembro de 2020

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira*

Mas poderá também encontrar uma tradução política democrática, que aponte rumos, apazigue, solidarize, abra perspectivas coletivas ampliadas, generosas, que deem tempo ao tempo, mas façam o que precisa ser feito no curtíssimo prazo.

Ainda que os agentes políticos permaneçam paralisados e inoperantes, algo há de acontecer. Porque a vida é fluxo, avanços e retrocessos, ambiguidade e ambivalência, ordem e desordem, tensões e contradições. É ilusão achar que as coisas ficarão suspensas no ar, imóveis como um colibri, à espera do néctar que alguém fornecerá. É ilusão pensar que os cidadãos vão marchar, em ordem unida, para um destino estabelecido de antemão por algum chefe ou alguma doutrina.

Se há uma saída luminosa mais à frente, e quero crer que haja, ela precisa ser apontada com lucidez, empenho e equilíbrio, o que só os democratas sinceros poderão fazer. O momento é de diálogo e construção.”

*Professor Titular de Teoria Política da Unesp. “Uma sociedade à beira de alguma coisa”, O Estado de S. Paulo, 28/11/2020.

Merval Pereira - O futuro nas urnas

- O Globo

Se é verdade que as eleições municipais têm mais influência local do que nacional, seria também um erro recusar que delas emanam os ventos que movem a sociedade na direção do futuro político que se consolidará nas eleições de 2022 para presidente, deputados federais e senadores, essas, sim, reflexos da situação social e econômica.

Três disputas regionais transformaram-se em nacionais. No Rio, o prefeito Marcelo Crivella pendurou-se em Bolsonaro para tentar virar o resultado contra Eduardo Paes do DEM, mas tudo indica que só aumentou sua rejeição, já alta. Em São Paulo, a disputa entre o PSDB de Covas e a esquerda, representada por Boulos do PSOL, já dá uma boa indicação de que o PSOL pode vir a substituir o PT como protagonista.

Em Recife, a disputa familiar mais dramática também ganhou contornos nacionais. Ali está a única chance de o PT vencer em uma capital importante, e a esquerda rachou com o PSB.

A vitória na eleição presidencial depende muito da estrutura partidária montada a partir das municipais. Mas por vezes tivemos fenômenos pessoais, independentes dos partidos, que se impuseram nas urnas, como Jânio Quadros, Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso com o Real, mais recentemente Bolsonaro.

Lula não se pode chamar de um vencedor pessoal, pois já estivera nas urnas eleitorais por três oportunidades e tinha uma estrutura partidária que foi se consolidando ao longo dessa caminhada. Acabou maior que o PT, mas também a razão da debilidade do partido, seja pelas condenações por corrupção, ou pela incapacidade de permitir a ação de novas lideranças partidárias.

Fernando Gabeira – Um momento decisivo no Rio

- O Estado de S. Paulo

Um potencial de desenvolvimento limpo e grandes problemas sociais pela frente são um enorme desafio para o novo prefeito

As eleições de hoje são importantes em todas as 57 cidades em que há segundo turno. Mas, no Rio de Janeiro, parecem ser uma questão de vida ou morte porque a cidade vive um longo processo de decadência prestes a ultrapassar um ponto de não retorno.

Personalidades cariocas enfatizam que a cidade, bonita por natureza, ainda pode encontrar sua vocação no desenvolvimento sustentável, produção do conhecimento, turismo e cultura. 

Segundo algumas pesquisas, mais da metade do território do Rio é controlado pelas milícias. Um entre quatro moradores do Rio vive em favelas, sem endereço legal, título de propriedade, serviços públicos, sobretudo saneamento básico.

Uma velha canção diz que quando derem vez ao morro, toda a cidade vai cantar. Um potencial de desenvolvimento limpo e grandes problemas sociais pela frente são um grande desafio para o novo prefeito.

As pesquisas indicam que Eduardo Paes tem 70 dos votos contra apenas 30 do atual prefeito Marcelo Crivella.

Tudo indica que as necessidades de uma metrópole cosmopolita chocaram-se com a estreita visão religiosa de Crivella que subestimou até o carnaval, ponto central do calendário turístico, ao lado de outros como o Rock in Rio.

Bernardo Mello Franco – Confronto sem ideias

- O Globo

Levou apenas 24 segundos. Em sua primeira participação no debate da TV Globo, Marcelo Crivella disse que Eduardo Paes será preso. Ele repetiria a ameaça outras nove vezes até o fim do programa. Foi o último confronto entre os candidatos à prefeitura do Rio.

“Paes vai ser preso. Eu digo isso com o coração partido”, provocou o atual prefeito. “Ele é que morre de medo de ser preso”, devolveu o antecessor.

Com a rejeição nas alturas, Crivella apelou ao discurso moralista para desgastar o adversário. Além da dezena de menções ao xadrez, recitou sete vezes o mandamento “Não roubarás”. Paes começou acuado, mas passou a revidar na mesma moeda. Chamou o bispo quatro vezes de “pai da mentira”. Na Bíblia, a expressão é associada ao demônio.

Os dois candidatos foram alvo de operações policiais em setembro. Paes já virou réu, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois na eleição de 2012. Crivella teve o celular apreendido em outro inquérito, que apura o funcionamento de um balcão de propina na gestão atual.

Vera Magalhães - Segundona braba

- O Estado de S. Paulo

Pós-eleições, decisões amargas sobre pandemia e economia aguardam governos

Ninguém estava muito aí para as eleições municipais pelo menos até outubro. Pouco se ouvia falar em propostas, mal se sabia quem eram os candidatos. Mas, ao fim e ao cabo, elas foram um breve momento de vigor cívico e esperança num ano marcado por mortes, renúncias e retrocessos.

Ao fim do dia deste domingo, se o supercomputador do TSE ajudar, já serão conhecidos os prefeitos em todo o Brasil, menos em Macapá, que recebeu uma dose extra e absurda de infortúnio no 2020 distópico.

O balanço dos ganhadores e perdedores finais ainda será feito, mas uma conclusão inequívoca é de que a democracia sai robustecida. Dito isso, há tarefas urgentes nesta segundona braba que bate à porta.

Carlos Melo* - Balanço positivo, até aqui

- O Estado de S. Paulo

Resultado estaria definido, não fosse política e não fosse São Paulo.

A apreensão sobre as eleições de 2020 era legítima. Desde 2014, o clima foi de degradação política, níveis crescentes de conflito, ataques pessoais, e muitas, muitas fake news. A expectativa quanto à extrema-direita, disposta a desqualificar e a maldizer a democracia liberal, também estava presente – a começar pela postura desde sempre beligerante do presidente da República.

Contudo, as eleições terminam com balanço positivo, pelo menos até aqui – infelizmente, a prudência ainda exige o reparo de precaução. Os conflitos ocorreram sob limites impostos pela civilização. À exceção do caso do Rio de Janeiro, onde Marcelo Crivella, no desespero da última hora, resolveu reviver 2018, as divergências foram discutidas em níveis aceitáveis; rusgas políticas e até familiares – caso do Recife – emergiram; denúncias foram feitas baseadas em pelo menos algum indício. De tudo um pouco, mas nada que o tempo e a aceitação dos resultados não superem.

Luiz Carlos Azedo - Einsten explica

- Correio Braziliense

A única relação mecânica entre os resultados das eleições de hoje e as próximas é a seguinte: a campanha eleitoral de 2022 já começou

A teoria da relatividade de Alberto Einstein revolucionou o século passado, estando mais ostensivamente presente no nosso cotidiano do que outra de suas descobertas, o efeito fotoelétrico, que possibilitou o desenvolvimento da bomba atômica, aplicação que nunca passou por sua cabeça. Einstein sempre foi um pacifista. Empregada duas vezes, pelos Estados Unidos, em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, a bomba continua sendo um espectro da política mundial. A Coreia do Norte e Israel, por exemplo, sociedades militarizadas, são temidos porque têm a bomba.

No Brasil, durante o regime militar, a Marinha e a Aeronáutica desenvolveram secretamente um programa nuclear paralelo, cujo objetivo era dominar a tecnologia e produzir uma bomba atômica. Cerca de 700 militares e técnicos civis foram enviados pelo governo para estudar na França, na Inglaterra, na Alemanha e nos Estados Unidos, em 1979, o que resultou na formação de 55 doutores, 396 mestres e 252 especialistas em segurança de reatores, materiais nucleares, ampliação de técnicas nucleares, infra-estrutura de pesquisa e desenvolvimento, além de recursos humanos.

O presidente José Sarney, quando assumiu o poder, mandou encerrar o programa. Já havia até um buraco de grande profundidade na Serra do Cachimbo, construído pela Aeronáutica, para testar a bomba. Após o Brasil assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, restou do projeto o programa do submarino nuclear da Marinha. Isso possibilitou uma mudança da água para o vinho nas relações com os nossos vizinhos, principalmente a Argentina. Quando o presidente Jair Bolsonaro fala em “pólvora” como fator determinante de nossa independência — e sinaliza que o Brasil será o último a reconhecer a eleição do presidente Joe Biden e somos o único país a votar com Donald Trump contra a Organização Mundial de Saúde(OMS) na Organização das Nações Unidas (ONU) —, penso com os meus botões: “Será o Benedito?” Se pudesse, com certeza, Bolsonaro voltaria no tempo.

Ricardo Noblat - Onde o coronavírus pode decidir quem será eleito hoje

- Blog do Noblat | Veja

Em algumas cidades, já decidiu

O recrudescimento da pandemia que no Brasil já matou quase 173 mil pessoas de março último para cá, infectando mais de 6.290.160, e o medo que isso provoca em pessoas dos grupos de risco e também nos jovens podem definir quem se elegerá prefeito em muitas das 57 cidades que irão hoje às urnas.

Em algumas delas, o vírus já votou e decidiu. É o caso de Manaus onde Amazonino Mendes (PODEMOS), três vezes prefeito da cidade, três vezes governador do Estado, deverá ser derrotado por David Almeida (Avante). Amazonino tem 81 anos de idade e uma saúde frágil que quase o impediu de fazer campanha.

O vírus já votou e decidiu que Manguito Vilela (MDB) será o próximo prefeito de Goiânia. Ex-governador de Goiás, em agosto passado ele perdeu duas irmãs para a Covid-19. Contraiu a doença e está internado em São Paulo desde o final de outubro. Entubado, não sabe que venceu o primeiro turno e que vencerá o segundo.

Janio de Freitas – A impunidade governa

- Folha de S. Paulo

Tente encontrar um autor de monstruosidade que tenha sofrido consequências

Vida curta, umas 72 horas, a do escândalo de testes da pandemia entulhados em Guarulhos. O retorno das contaminações em massa deve-se, em parte, à baixíssima aplicação pública de testes. À falta de explicação, Bolsonaro recorreu à condição de farsante profissional e mentiu que “todo o material foi enviado aos estados e municípios”. Mas não faltaram crimes contra a saúde pública e de administração perdulária.

Sete milhões de testes PCR seguiam para o fim da validade em janeiro, sem se saber o número dos já perdidos, enquanto o Conselho Nacional de Secretários de Saúde repetia, em ocasiões sucessivas, o alerta ao Ministério da Saúde para a falta de kits do PCR, o mais eficiente, em vários estados. Os comunicados do CNSS derrubam outra mentira, esta do ministério, segundo a qual a distribuição dos kits dependia da requisição para estados e municípios.

A realização dos testes em massa, para identificação dos que contaminam sem se saberem doentes, é tida pelos cientistas como meio determinante para a contenção do número de vítimas e do descontrole de focos. Impedimentos anormais a esse procedimento têm autores que devem ser identificados em inquéritos e submetidos a processo.

Bruno Boghossian – A base da pirâmide se mexe

- Folha de S. Paulo

Popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres recua em algumas capitais

impulso de popularidade conquistado por Jair Bolsonaro nas camadas de baixa renda refluiu em algumas capitais. A variação não é generalizada, mas sugere que a melhora na aprovação do governo com o pagamento do auxílio emergencial enfrenta os primeiros sinais das derrapagens da economia.

O aumento da rejeição ao presidente entre os mais pobres ocorreu numa dimensão considerável em pelo menos dez cidades. A mudança foi registrada em pesquisas do Ibope nas eleições municipais, que também perguntaram a opinião do eleitor sobre o trabalho de Bolsonaro.

Em João Pessoa, a única capital do país que teve um balanço negativo de vagas de emprego em outubro, o presidente perdeu 11 pontos entre eleitores de baixa renda que consideram o governo ótimo ou bom. A aprovação ao governo na base da pirâmide era de 42% no início de outubro e, agora, é de 31%.

Hélio Schwartsman - A multiplicação das cotas

- Folha de S. Paulo

Há discriminação contra jovens, velhos, gays, gordos, feios e até baixinhos

Cotas provavelmente vieram para ficar, mas continuo não gostando delas. Reconheço que é tentador resolver problemas atuando diretamente sobre os resultados a que queremos chegar. Se é a discriminação que impede minorias de obter vagas nas universidades e concursos, bons postos de trabalho e cargos de direção, então basta reservar esses lugares para elas. Fazê-lo, entretanto, é abrir uma caixa de Pandora.

Não é difícil enxergar o viés contra mulheres e negros nas estatísticas. Mulheres e negros ganham em média menos do que homens brancos mesmo quando os cálculos são ajustados para comparar adequadamente qualificação, horas trabalhadas, tempo de casa etc. Pior, experimentos mostram que currículos idênticos obtêm respostas diferentes dos empregadores dependendo do sexo e da etnia do candidato.

Elio Gaspari - De Marechal.Bittencourt para Pazuello: 'Vosmicê está sendo frito'

- Folha de S. Paulo / O Globo

O senhor está numa situação rara nos anais militares, responde a um comando confuso e a um Estado-Maior inerte

Estimado general Eduardo Pazuello

O senhor sabe que sou o patrono da arma da Intendência, mas só alguns oficiais lembram quem fui. Menos gente recorda que sou o único marechal do nosso Exército que morreu literalmente defendendo o poder civil.

Na tarde de 4 de novembro de 1897 acompanhei o presidente Prudente de Moraes ao desfile da tropa que voltava vitoriosa de Canudos. Um anspeçada avançou com uma garrucha, ela falhou e ele avançou com uma faca contra Sua Excelência. Interpus-me, embolamo-nos e ele me feriu no peito, na virilha e numa das mãos. Morri pouco depois.

O lugar onde caí, em frente ao Arsenal de Guerra, que hoje é o Museu Histórico Nacional, foi demarcado com uma placa de bronze e dois mourões. Puseram um busto meu do outro lado da rua e minhas luvas ensanguentadas ficavam numa vitrine do museu.

Lourival Sant'Anna - Bolsonaro e seus seguidores olham o mundo pelo retrovisor

- O Estado de S. Paulo

O deputado Eduardo Bolsonaro ocupa a presidência da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara desde março de 2019. Ele acaba de alcançar sua primeira realização visível no cargo: fazer os chineses perderem sua milenar paciência. É um feito notável, em tão pouco tempo.

Brasil apoia projeto dos EUA para o 5G e se afasta de tecnologia da China”, tuitou o filho do presidente na noite de segunda-feira. “O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China.” No dia seguinte, o deputado apagou o tuíte, após se reunir com seu pai, com o ministro das Comunicações, Fabio Faria, e com conselheiros da Anatel.

Outros dois tuítes que o seguiam no “fio” foram mantidos, nos quais ele inclui o Partido Comunista da China entre “entidades agressivas e inimigas da liberdade”, e ressalta a parceria entre Brasil e EUA para bloquear a participação da gigante fornecedora de equipamentos Huawei na frequência 5G.

A resposta do embaixador chinês, Yang Wanming, veio na terça-feira, numa torrente de 17 tuítes inéditos pelo tom. Depois de lembrar que um terço das exportações brasileiras é destinado à China, e seu país é um dos maiores investidores no Brasil, Yang advertiu que “o deputado tem produzido declarações infames que solapam a atmosfera amistosa entre os dois países”, que podem ter “consequências negativas”. 

O Itamaraty respondeu, em nota, que a China deveria ter usado os canais oficiais para se queixar. Em diplomacia, a escolha do canal é tão importante quanto o conteúdo da mensagem. A China respondera no Twitter porque fora atacada nele. Ao responder em comunicado oficial, o Brasil elevou o patamar da crise.

José Roberto Mendonça de Barros* - Um primeiro balanço da economia global

- O Estado de S. Paulo

Uma primeira observação é notar o sucesso relativo de várias regiões em lidar com a pandemia; dentro do espaço econômico, porém, a assimetria de situações e ampliação das desigualdades foram a marca universal

A covid-19 dominou totalmente 2020: pela surpresa com que apareceu e velocidade com que se espalhou pelo mundo, por sua durabilidade e pelos catastróficos efeitos sobre as pessoas, as sociedades e o desempenho econômico. O único alívio é a certeza de que teremos vacinas disponíveis já no primeiro trimestre do próximo ano. 

Vai levar muito tempo para que análises mais consistentes possam ser feitas quanto aos impactos do vírus. Entretanto, é útil fazermos um primeiro balanço. Uma primeira observação é notar o sucesso relativo de várias regiões em lidar com a pandemia, pois o ano foi mostrando resultados bastante diversos. Dentro do espaço econômico, porém, a assimetria de situações e a ampliação das desigualdades entre pessoas, regiões e empresas foram a marca universal. 

Vinicius Torres Freire - Para entender melhor o desemprego

- Folha de S. Paulo

Inédito na pandemia, número de ocupados cresceu; futuro dos informais ainda é sombrio

Sexta-feira, antevéspera de votação. Guilherme Boulos, a estrela vermelha da eleição, pegou Covid. Algumas pessoas sextando, outras fritando Paulo Guedes. Os remediados compravam coisas para este Natal pobrezinho naquela promoção importada dos Estados Unidos.

Pouca gente normal presta atenção às estatísticas de emprego, ainda menos em uma sexta-feira assim. No máximo, viram aquelas manchetes satisfeitas com as palavras “recorde” ou “desemprego histórico”, essas coisas.

Mas tinha notícia menos ruim naqueles números deprimentes do IBGE. Pela primeira vez desde o começo da epidemia, aumentou o número de pessoas com algum trabalho (em 798 mil); até o emprego formal aumentou. Pelo terceiro mês seguido, aumentou o que os economistas chamam de “massa salarial”, a soma dos rendimentos do trabalho de todo o mundo naquele mês (pelo critério de rendimento efetivo).

O desemprego não aumentou? Sim, para 14,6%, o tal recorde, de fato horrível. Mas taxa de desemprego é uma proporção: o número de pessoas que procuram trabalho, sem sucesso, dividido pelo número de pessoas na força de trabalho (grosso modo, as empregadas mais aquelas à procura de emprego, sem sucesso).

Míriam Leitão - Visão de Mansueto sobre o risco fiscal

- O Globo

Muitos riscos rondam a economia do Brasil, segundo o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida. Ele acha desejável haver ideias diferentes para resolver o problema das contas públicas, mas defende que haja clareza no diagnóstico. Alerta que não temos margem para errar. O déficit fiscal este ano vai ser de 17% do PIB, incluindo os juros. Quase 70% da dívida está atrelada a juros de curto prazo. Por enquanto, “respiramos”, diz ele, porque a Selic está baixa. Mas a inflação está subindo e os juros futuros refletem a falta de confiança. “Se a gente não der os sinais certos, quando os juros subirem teremos um baita problema”. Ele defende um grande debate nacional sobre as renúncias tributárias, mas é contra novos impostos:

— Já temos carga tributária elevada, o espaço não é o mesmo dos anos 90. O governo federal perdeu dois pontos do PIB de arrecadação em relação ao que era entre 2011 e 2013. É a perda das crises. Não se sabe quanto disso pode ser recuperado. Em um país com carga tão alta, vamos ter que rever renúncias tributárias. Mas para isso tem que começar o debate hoje, como foi na Previdência. Um dos grandes benefícios da Previdência foi que passamos três anos discutindo e isso permitiu a sua aprovação.

Dorrit Harazim - O amanhã de cada um

- O Globo

Henry Miller, diante do precipício de se tornar octogenário, considerou meio caminho andado quem consegue escapar do amargor

A entrevista não é recente. Conduzida pela jornalista Natacha Cortêz e publicada na revista “Marie Claire” de setembro passado, começa com uma pergunta sobre os reiterados comentários em torno da idade da entrevistada — não seria hora de se aposentar, de ceder espaço? Pergunta pertinente por se tratar de Luiza Erundina, que, aos 85 anos, disputa o cargo de vice-prefeita da pantagruélica São Paulo. A resposta veio igualmente pertinente, ao estilo da paraibana: “Que se danem! Estou vivendo meu tempo, minha saúde e inteligência, minha experiência. Estou fazendo mal para alguém? Não estou... Não preciso de cuidadora, não sou dependente...”. Lamenta apenas as limitações impostas pela Covid-19 a sua faixa etária.

Quando o 41º presidente dos Estados Unidos, George H.W. Bush, fez um salto de skydive de uma altura de 1.920 metros em comemoração a seus 90 anos, o mundo ficou encantado. Não fora a primeira vez: já celebrara o 75º e o 80º aniversários saltando de paraquedas, sempre aplaudido pela estamina e destemor. Fosse esse o hobby da vida de Luiza Erundina, ela seria considerada uma vovó amalucada, mais adequada para desenhos animados.

Bolívar Lamounier* - O primeiro passo é conhecer o Brasil

- O Estado de S. Paulo

No atual cenário social, econômico e político, hipótese de retrocesso não pode ser descartada

Se você acredita que o Brasil está progredindo a um ritmo medíocre, está certo; se pensa que estamos na iminência de um retrocesso grave, é provável que esteja certo também.

Só estará errado se achar que dispomos do tipo e do montante de conhecimentos de que vamos precisar para sair desta enrascada em que há anos nos vimos arrastando. Afirmação arrojada, bem o sei. No transcurso das últimas três ou quatro décadas, as pesquisas de opinião e os levantamentos do IBGE têm nos proporcionado uma montanha de informações de altíssimo valor. O problema, creio eu, é que tais informações não respondem em sua inteireza às indagações que se imporão quando nos depararmos com o inexorável desafio de reformar a sério nossa sociedade e nossas instituições políticas.

Ao dizer “inexorável”, peço permissão para passar ao largo do mar de mazelas que debatemos dia sim e outro também: estagnação econômica, desigualdades abissais, nível médio de escolaridade abaixo da crítica e condições sanitárias cujas deficiências conhecíamos de longa data, mas sobre as quais agora, com a pandemia, não cabe mais discussão. Tampouco me parece caber dúvida quanto à persistente perda de consistência das instituições: da alta administração pública, civil e militar, assim como do Legislativo e do Judiciário.

Michel Temer* - Vidas negras e a igualdade

 

- O Estado de S. Paulo

A discriminação pode ser declarada ou disfarçada, mas é sempre crime

Geraldo era negro. E meu colega no ginásio estadual de Tietê. Era alegre, gentil, animado, brincalhão e com muitos amigos. Dentre eles, eu. Que era o mais próximo dele. Com quem mais ele conversava. Depois que terminamos o curso ginasial, perdi contato. Reencontrei-o muitos anos depois em São Paulo . Ele, bem-sucedido e mantendo a mesma alegria. “Sou diretor de uma empresa” disse-me. “Mas sou uma exceção” completou, revelando ciência e consciência de sua cor.

Sambi era seu apelido. Também negro e pintor de paredes. Era adulto. Eu tinha 13 anos, mas conversava muito com ele. E sempre recebia dele os melhores conselhos. Muitos deles pautaram a minha vida. Eu não sentia nem percebia a diferença de cor. Éramos iguais. Mas na minha cidade, recordo-me bem, havia uma segregação daqueles que eram negros.

Lembro alguns fatos: na praça principal, mais precisamente no jardim, os negros somente andavam na parte externa, não ingressando nos dois círculos internos, em que só circulavam os brancos. No cinema havia a parte de baixo e a parte de cima. Esta última, chamada balcão ou, depreciativamente, “poleiro”. Os negros só frequentavam a parte de cima, cujo ingresso era até mais barato.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Dia seguinte às eleições traz teste vital a Bolsonaro – Opinião | O Globo

Presidente manteve o governo paralisado até agora, mas não terá mais como escapar das reformas

Como costuma acontecer no universo político, o governo espera passar as eleições para trabalhar. O ano recomeçará amanhã no Planalto com uma ampla agenda de reformas à espera do presidente Jair Bolsonaro. Não há tempo a perder. Nem mesmo a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 está encaminhada, tamanha a obsessão dele em criar um programa de assistência social (ou estender o auxílio emergencial) e tão absoluta a falta de recursos para financiá-lo.

Na prática, considerando que 2022 será inevitavelmente contaminado pela campanha à reeleição, o ano que vem será o último para presidente e equipe mostrarem serviço, já que, até agora, pouco fizeram. Das reformas, foi aprovada a da Previdência, só porque vinha sendo negociada desde o governo Temer — e a contragosto de Bolsonaro, que apenas trabalhou para proteger corporações militares e policiais.

Daqui para frente, o jogo muda. O quadro fiscal é dantesco: fixado antes da pandemia em pouco mais de R$ 125 bilhões, o déficit primário deste ano, pelas últimas previsões, será de R$ 780 bilhões, mais de seis vezes a meta. Com isso, a dívida pública explodiu, chegará a 93% do PIB, rumo aos 100%. Bolsonaro e seus aliados do centrão não gostam da palavra “austeridade”, mas, se querem um mínimo de governabilidade em 2022, terão mais do que ouvi-la — precisarão praticá-la.

Poesia - Graziela Melo - A dor

A dor que se esconde
na prateleira
de minha
alma
é rosa
não é cinza
me acalenta
e acalma.
Alerta,
enquanto durmo,
espanta-me
os pesadelos.

Embala-me
com sonhos belos.
Enrosca-se
em meus cabelos.

Pernoita
nos meus lençóis.
Cativa-me
com doces gestos.
Mistura-se
aos meus temores.
Desperta
quando amanheço.