quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Merval Pereira - Doria exagerou na dose

- O Globo

A Revolta da Vacina 2.0, com o sinal trocado, começou. O governador de São Paulo, João Dória, teve o mérito de alertar para a lentidão do governo Bolsonaro no plano nacional de vacinação contra a Covid-19, e deu a saída para uma rebelião civil a favor da vacina.

Vários outros governadores saíram em busca de uma solução, alguns querendo partilhar com São Paulo as primeiras doses. Aproveitando a onda a favor, Dória exagerou na dose e prometeu vacina para todo brasileiro que estiver em São Paulo, não precisando viver lá, e ainda ofereceu milhões de doses para os Estados que necessitarem.

O resultado previsível é uma corrida para o Estado, e muitos prefeitos de cidades fronteiriças temem uma invasão. Outros governadores querem frear Dória, defendendo uma vacinação nacional concomitante, temerosos de que sejam considerados incapazes comparados com o governador paulista.

O governo Bolsonaro está lento mesmo, e começa-se a desconfiar que está lento de propósito, porque não leva a vacina a sério, não acha que seja a solução, e vai retardando suas decisões. O ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, já tinha descartado a vacina da Pfizer, com a alegação de que era muito cara sua manutenção. Vários países da América Latina já estão se organizando para recebê-la, países às vezes bem menos organizados e ricos que nós.

Bernardo Mello Franco - Pazuello quer vencer o vírus com autoajuda

- O Globo

Ao assumir o Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello foi apresentado como um especialista em logística. Pelos resultados da sua gestão, seria arriscado nomeá-lo para administrar uma barraca de feira.

Sob as botas do militar, a pasta permitiu o encalhe de quase sete milhões de testes de Covid. O material ficou esquecido num depósito no aeroporto de Guarulhos. Depois que o caso veio à tona, o ministro ofereceu uma solução mambembe: estender o prazo de validade dos kits, que começa a expirar neste mês.

Até hoje Pazuello não foi capaz de apresentar um cronograma de imunização para o Brasil. Nem a compra de seringas e agulhas está definida. O apagão logístico vai além do combate ao coronavírus. Pacientes com HIV e hepatite C estão sem exames de genotipagem porque o ministério deixou o contrato vencer.

Rosângela Bittar - Os prazos e o desespero

- O Estado de S. Paulo

O trágico enredo da pandemia parece ter chegado ao limite com a indefinição sobre a vacina

Começando pelo fim: os prazos costumam definir a tolerância que a sociedade concede aos governos e líderes. Ao se esgotarem, alteram o humor das mais passivas e indiferentes criaturas. Então, o desespero, que parecia contido, transborda, como um aviso aos governantes. Sinalizou-se, no caso da negligência homicida com a imunização contra o coronavírus, que algo precisa ser feito. É imperativa uma intervenção no ritmo da insensatez do presidente Jair Bolsonaro.

Não se propõe impeachment, esclareça-se. Até os eleitores frustrados o desprezam. Mas os poderes Legislativo e Judiciário, os Estados e municípios, as instituições de Estado, os movimentos sociais, dispõem de meios e métodos menos agudos e mais eficientes.

Ontem, em Brasília, empreendeu-se uma dessas batalhas. Em reunião com o ministro da Saúde, os governadores pretenderam mover o governo Bolsonaro em alguma direção. Apesar do mundo civilizado estar celebrando o início da imunização no Reino Unido, pediam o básico do óbvio. O tenso encontro produziu as promessas de sempre, mas apressou o anúncio de intenções negociadas de véspera.

No primeiro encontro, há um mês, Eduardo Pazuello anunciou que iria adquirir a vacina do Instituto Butantã, desenvolvida com o laboratório chinês Sinovac. No dia seguinte recuou, sob vara, com advertência pública do presidente. Ontem, fez nova promessa, de compra da vacina da Pfizer, que o sistema não tem nem condições de armazenar a 70 graus negativos. Mas desta não deve recuar. A vacina é americana e o protocolo de intenções para adquiri-la foi assinado ontem mesmo.

Vera Magalhães - Acossado pela vacina

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro enfrenta pressão pelo boicote que promoveu à imunização

As imagens das primeiras pessoas, na maioria idosos sorridentes e esperançosos, sendo vacinadas no Reino Unido emocionaram quem assistiu televisão neste início de semana, e a chegada do tão esperado imunizante trouxe a cobrança que seria inevitável: e nós, e o Brasil?

Nós somos governados por Jair Bolsonaro, e esta é a razão pela qual o País está hoje lá atrás na corrida global pela vacinação contra o novo coronavírus.

O presidente negacionista está sentindo agora o resultado de seu negacionismo desde o início da pandemia: Bolsonaro é hoje um líder acossado pelos cidadãos, ávidos pela vacina, e pelos políticos, que também sentem a cobrança da população de seus Estados. E ela vai crescer e ganhar as ruas.

A imprensa sempre alertou que não adiantava o presidente se comportar como um antivax irresponsável e liberar sua tropa inconsequente, capitaneada por deputados como Bia Kicis, para vomitar sandices nas redes sociais, como aquela segundo a qual vacinas podem alterar o DNA das pessoas. Quando as vacinas começassem a ser ministradas mundo afora a omissão do governo federal ficaria patente.

Bruno Boghossian – Bolsonaro mexe suas peças

- Folha de S. Paulo

Apesar de negacionismo, presidente percebe risco e mexe suas peças para enfrentar Doria

Jair Bolsonaro mexeu suas peças no embate com João Doria. Depois que o tucano fez o lançamento precipitado de um plano de vacinação contra a Covid-19, o presidente despachou o ministro da Saúde para um pronunciamento em que reivindicou a competência pelo processo e anunciou a intenção de comprar doses adicionais do imunizante.

Bolsonaro adota até aqui um comportamento que varia entre a incompetência e a indiferença. O governo, no entanto, parece ter percebido o tamanho do prejuízo político que poderá sofrer quando os brasileiros entenderem que ficaram para trás na fila da vacinação.

Após uma reunião com o presidente, Eduardo Pazuello tentou fazer uma mudança de rumos disfarçada de propaganda. O ministro disse nesta terça (8) que "todos aqueles que desejarem" serão vacinados e confirmou a assinatura de um termo para a compra de 70 milhões de doses da Pfizer –algo que era visto com ressalvas na semana passada.

Hélio Schwartsman - A guerra das vacinas

- Folha de S. Paulo

Para Bolsonaro, é melhor atrapalhar Doria do que imunizar a população do país

A "vacina inglesa do Bolsonaro" (Oxford/AstraZeneca) não é nenhuma maravilha. Registrou só 70% de eficácia na melhor interpretação dos dados do estudo de fase 3. Já os resultados da "vacina chinesa do Doria" (Coronavac) devem ser divulgados nos próximos dias.

Por não ter chutado um pênalti para fora, João Doria está na frente de Jair Bolsonaro na disputa, mas não há nenhuma certeza de que sua vacina será certeira. O padrão-ouro em imunização contra a Covid-19 é, por ora, o das vacinas da Pfizer e da Moderna, que conferiram em torno de 95% de proteção nos ensaios clínicos.

O governo federal, que apostara todas as fichas no imunizante da Oxford, não adquiriu nenhuma dose do produto da Moderna e tenta agora um acordo de última hora com a Pfizer, mas dificilmente conseguiremos um lote para logo. Outros países foram mais rápidos. O Canadá, por exemplo, fez tantos acordos que já computa dez doses de imunizantes para cada habitante.

Luiz Carlos Azedo - A derrota do negacionismo

- Correio Braziliense

Chegamos a 178 mil mortos, 6,65 milhões de infectados e 796 mortes nas últimas 24 horas. A média móvel está em 617 mortes, ou seja, 25 pessoas por hora, vítimas da “gripezinha”

A primeira pessoa vacinada contra a covid-19 no Ocidente foi uma senhora de 90 anos; por ironia, a segunda pessoa, um homem de 81 anos, homônimo do dramaturgo inglês William Shakespeare, para quem era uma infelicidade da época, que “os doidos governassem os cegos”. O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, porém, só tem cara de doido. Quis o destino que seu negacionismo em relação ao novo coronavírus e à qualidade do sistema de saúde pública britânico durasse apenas o tempo suficiente para que fosse alcançado pelo vírus. A dura realidade da doença fez com que mudasse radicalmente de opinião. Ontem, deu início à vacinação em massa dos britânicos. Não esperou a conclusão dos testes da vacina de Oxford, ainda envolta na polêmica sobre a eficácia de suas dosagens; optou pela aplicação da vacina da Pfizer-Biontech, americana.

Essa é segunda derrota acachapante do negacionismo, no campo objetivo da vacina como caminho mais eficaz para conter a pandemia, erradicar a doença e voltar à vida normal. A primeira grande derrota foi a eleição de Joe Biden nos Estados Unidos, que até hoje o presidente Jair Bolsonaro não reconheceu. Não se deu conta ainda da envergadura estratégica da mudança de governo norte-americano, que deixa em colapso a atual política externa brasileira. Suas consequências também serão sentidas na política interna, a começar pela política sanitária. Nos Estados Unidos, a segunda onda da pandemia do novo coronavírus foi fatal para a reeleição de Donald Trump, de quem Bolsonaro é aliado incondicional. Como Boris Jonhson, porém tardiamente, o presidente norte-americano encerra o mandato correndo para começar a vacinar sua população. Vladimir Putin, na Rússia, e Xi Jinping, na China, já estão vacinando.

Ricardo Noblat - Saída de Pazuello do governo é só uma questão de tempo

- Blog do Noblat | Veja

Ou porque será sacrificado ou porque pedirá demissão

Até quando o general Eduardo Pazuello, ministro improvável da Saúde tanto quanto Jair Bolsonaro é presidente acidental, ainda suportará o desgaste que sofre em decorrência de sua abissal ignorância sobre assuntos que é obrigado a tratar? E até quando o Exército assistirá inerte à desmoralização de um dos seus oficiais?

Pazuello não é apenas mais um militar de alto coturno que serve ao governo de um ex-capitão afastado contra sua vontade da caserna por indisciplina e conduta antiética nos anos 80 do século passado. É o único general da ativa e, como tal, membro do alto comando do Exército. Isso faz muita diferença – ou melhor: deveria fazer.

Seu colega Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo, levou meses para finalmente se render à pressão superior e pedir passagem para reserva. Militar da ativa não pode ocupar os dois lados do balcão, ora sentando-se com os que governam o país, ora com os que ditam os rumos das Forças Armadas.

Uma coisa nada tem a ver com a outra. O Exército é uma instituição permanente e apartidária. Não deve confundir-se, nem deixar-se confundir com governos cuja duração máxima é de oito anos. Era de quatro até que nos anos 90 o presidente Fernando Henrique Cardoso pegou gosto e quis ficar mais quatro. Ficou.

Vinicius Torres Freire – Bolsonaro perde a batalha da vacina

- Folha de S. Paulo

Anvisa será quase obrigada a liberar Coronavac se vacina for aprovada na China

Se a “vacina chinesa de João Doria” prestar e for aprovada pela Anvisa da China, Jair Bolsonaro terá perdido a primeira grande batalha dessa guerra idiota na saúde. Será quase impossível evitar a aprovação da Coronavac também por aqui e quase imediatamente (explicações mais adiante).

A fim de pelo menos empatar o jogo, Bolsonaro e seu capacho da Saúde teriam de correr para importar outra vacina já aprovada, como começam a fazer no caso da Pfizer, sobre a qual estavam sentados com a nauseabunda incompetência dos dois. Teriam também de começar uma campanha de vacinação antes de fevereiro. Ainda assim, ponto para Doria, que teria então prestado pelo menos o serviço de fazer com que Bolsonaro pare de sabotar a vacinação.

Obviamente, Doria perdeu a mão, subiu nas tamancas e queimou o filme com um monte de governadores presentes à reunião desta terça-feira com o chefe do almoxarifado da Saúde, esse Eduardo Pazuello. Em vez de apenas generosamente oferecer cooperação ao restante do país, Doria se dedicou a limpar seu sapatênis no capacho da Saúde e disse que fazia e acontecia. Não pegou bem. Politiza a vacina tanto quanto Bolsonaro, embora não seja negacionista. Etc. Mas passemos.

Elio Gaspari - A nova Revolta da Vacina

- O Globo | Folha de S. Paulo | Jornal do Commercio (PE)

Só um burocrata megalomaníaco pode acreditar que poderá impedir que as pessoas busquem os postos de saúde

Depois de ter dito que a Covid era uma “gripezinha” que o brasileiro tiraria de letra e que a cloroquina era remédio eficaz, Jair Bolsonaro não deve esperar da plateia que ela lhe dê ouvidos. Já morreram mais de 178 mil pessoas, número superior ao dos mortos de Hiroshima em 1945. Contra bomba atômica não há vacina, mas contra a Covid haverá. Enquanto o processo de imunização segue um curso de racionalidade pelo mundo afora, em Pindorama o jogo político contaminou a discussão.

O governador João Doria anunciou que começará a oferecer vacinas a partir do dia 25 de janeiro. Pintada para a guerra, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária apressou-se para informar que “não foram encaminhados dados relativos à fase três, que é a fase que confirma a segurança e eficácia da vacina, esse dado é essencial para a avaliação tanto de pedidos de autorização de uso emergencial quanto pedidos de registro”.

Só um burocrata megalomaníaco pode acreditar que poderá impedir que as pessoas busquem os postos de saúde. A vacina só será oferecida em janeiro aos índios, quilombolas e profissionais de saúde. Quem anda pelas ruas de São Paulo não costuma cruzar com índios nem quilombolas. Restam os profissionais de saúde. Admitindo que esse burocrata existe, seria ridículo vê-lo dizendo ao doutor David Uip que não pode tomar a CoronaVac. Até as pedras sabem que os tribunais derrubarão quaisquer tentativas para impedir a aplicação das vacinas. Países andam para trás: em 1904, houve no Rio uma revolta contra a vacina obrigatória, o desconforto da Anvisa estimularia em 2020 uma revolta contra a vacina voluntária.

Ruy Castro - Bolsonaro oficializou o faroeste

- Folha de S. Paulo

Eduardo Bolsonaro tem razão em andar armado. Com tanta bala à solta ninguém está a salvo

Há anos fui abraçar um amigo, amado por muitos, e senti sob o casaco algo sólido na sua cintura. Uma arma, claro, e recolhi a mão. Ele não percebeu minha repulsa, mas fiquei triste. Por que alguém iria armado a um encontro de pessoas que se estimavam? Temia ser atacado, precisaria se defender e, talvez, reagir atirando? O que teria feito para isso? E só então o travo se dissipou. O objeto era um celular.

Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, deixou-se fotografar há dias com pai e irmãos no gabinete presidencial com um trabuco no cinto. O Planalto tem segurança própria, donde ninguém deveria sentir-se em perigo. Mas, conhecendo bem o governo de que faz parte, Eduardo Bolsonaro está atento. Com a quantidade de armas de fogo em mãos de particulares no Distrito Federal, nem o palácio é seguro. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o registro de armas no DF cresceu 539% em 2019, e um em cada 11 de seus cidadãos anda armado —sem contar o mercado ilegal.

Zuenir Ventura - Invenção carioca

- O Globo

Não precisa ser avô e ter netos pequenos para se comover com morte de Rebecca e Emilly

 ‘Bala perdida’ é uma invenção carioca perversa. Quando não se descobre ou quando se quer esconder a autoria de um crime, diz-se cinicamente que a culpa foi da bala, como se ela tivesse livre-arbítrio. Somente este ano, a plataforma Fogo Cruzado calcula que cem pessoas foram atingidas pelo mal, inclusive as lindas meninas Rebecca, de 7 anos, e Emilly, que ia fazer 5. O crime chocou os que ainda não se conformam com esse tipo de acontecimento que, aqui, é cada vez mais um lugar-comum. Numa das concorridas manifestações no fim de semana, a grande faixa estendida no chão conclamava, inútil e dramaticamente: “Parem de nos matar”.

As duas fofas eram primas e, sempre muito alegres, estavam brincando na porta de casa em Duque de Caxias quando foram surpreendidas. Emilly chegava a ser chamada de “fuzuê”, um termo que minha mãe usava em Minas e eu não ouvia há décadas. Vizinhos e parentes afirmam que partiu da Polícia Militar o tiro que atingiu a mais velha no abdômen e a outra na cabeça. A polícia nega os disparos, mesmo assim diz que vai abrir um procedimento. Não precisa ser avô e ter netos pequenos para se comover com essa história, que é o destino que ameaça a maioria das crianças negras da periferia.

Roberto DaMatta - Lá e cá — e o rouba, mas faz

- O Globo | O Estado de S. Paulo

Irracionalidade e incompetência surgem em tempo real, revelando inteligências e burrices nacionais e internacionais

Morar “lá fora” ainda é percebido como superior ao residir “aqui dentro”, pois continuamos a nos pensar como uns vira-latas rodriguianos. Sobretudo quando o foco é a “política”, cujo campo, por ser competitivo, é lido como um lugar de malandragem, falsidade, oportunismo, roubalheira e, hoje, de extraordinário irracionalismo. Daí nasceu — valha-nos, Deus! — o jubiloso “rouba, mas faz!”.

Quando entubamos que um político tenha como mérito o “roubar, mas fazer”, admitimos que é normal trair os hiperprivilégios dos cargos eletivos para nada fazer. Há, porém, honrosas exceções: os que, além de atraiçoar os eleitores coçando o saco, fazem alguma coisa roubando! Esse costumeiro “fazer” o mínimo (ou o máximo) do mínimo confirma o imperativo de repensar todo o campo.

O “rouba, mas faz” é mais um paradoxo brasileiro. O “burro doutor” é um outro par igualmente ambíguo, tanto quanto supor que, depois de cinco séculos de abjeta escravidão africana sustentadora de traficantes e nobres, viramos, em 1889, uma república em que todos seriam iguais perante a lei!

Míriam Leitão - Inflação em alta complica a vida

- O Globo

Os juros não vão subir nesta reunião do Copom, mas a inflação em alta está pondo todos no mesmo córner: o Tesouro, o Banco Central, as contas públicas e as famílias brasileiras. O INPC pode passar de 5% e esse é o índice que corrige várias despesas do Orçamento da União. Os gastos, portanto, subirão mais do que o calculado no projeto enviado ao Congresso, porque a inflação acelerou no segundo semestre. O Banco Central não elevará os juros nesta quarta-feira, mas esse fator novo, a taxa de inflação, tira o Copom da zona de conforto. Quando ele tiver que subir a Selic, a dívida fica mais cara.

Para as famílias, a alta da inflação atinge um nervo exposto. O IPCA subiu 0,89% em novembro. As maiores altas são dos preços de alimentos e de alguns serviços que não podemos deixar de consumir. Para o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, o que mais pesou nos índices divulgados ontem, depois dos alimentos, foi a luz. E ele calcula que dezembro deve trazer uma taxa de 1%:

— Com 1% em dezembro, o IPCA vai a 4,16%, mas pode ser um pouco mais. O INPC iria para mais de 5%, porque no ano o INPC acumula 3,93%, e o IPCA, 3,13%.

Fábio Alves - A salvação do Copom

- O Estado de S. Paulo

Compressão dos prêmios de risco salvou a sinalização do Banco Central de 45 dias atrás

A onda de apetite a riscos que vem varrendo os mercados globais desde o início de novembro, levando a uma queda do dólar ante as principais moedas internacionais, incluindo o real brasileiro, e a uma disparada nas Bolsas de Valores, deu um alívio inesperado e bem-vindo ao Copom.

Na sua decisão de hoje, o Copom deve não somente manter inalterada a taxa Selic em 2% como também seguir prometendo que os juros vão permanecer nesse nível por um período prolongado, conforme o seu instrumento mais recente de política monetária: a prescrição futura, ou “forward guidance”, no jargão financeiro em inglês.

Com o ambiente externo favorável, a redução de prêmios de risco exigidos pelos investidores para os ativos brasileiros acabou por validar a sinalização do Copom na sua última reunião, em outubro, considerada mais suave do que o esperado pelo mercado, especialmente em relação ao repique recente da inflação e ao balanço de riscos em torno das incertezas fiscais.

Fernando Exman - Novo cangaço entra no debate político

- Valor Econômico

Autonomia do BC vai permitir recriação da pasta da Segurança

Circularam nos últimos dias, em perfis criados nas redes sociais para enaltecer os serviços de segurança pública e as forças militares especiais, vídeos dos bandidos que aterrorizaram Criciúma em mais uma ação do chamado novo cangaço. O problema é grave, crescente, e demandará maturidade institucional para ser enfrentado. A eleição de 2022 está muito longe para pautar, também, este debate.

Naqueles vídeos, sujeitos ocultos fortemente armados ostentam quantias de dinheiro que pouquíssimos brasileiros terão chances de ver ao vivo nesta encarnação. Chocante, a zombaria que fazem do Estado, depois de deixarem mais uma cidade sitiada e em pânico, daria inveja a Lampião e seu bando. Do ponto de vista político, as imagens servem de alerta tanto para a oposição quanto para o presidente Jair Bolsonaro.

Esses perfis na internet não são oficiais, embora a administração das contas seja feita por gente do ramo. Seu conteúdo não é considerado “fake news” por autoridades federais desse setor. Reflete o que debatem a portas fechadas e, portanto, tem seu valor para uma reflexão sobre uma modalidade de crime que não surgiu neste governo, mas tem crescido a uma velocidade alarmante.

Cristiano Romero - Quem fala pela maioria silenciosa?

- Valor Econômico

É antiético alegar problema fiscal para suspender auxílio

Todos os grupos de interesse específico tem representantes em Brasília, dentro e fora do Congresso Nacional, alguns com mais e outros com menos força para fazer valer sua participação no orçamento público. É disso que se trata a disputa pelo poder na capital de qualquer República, sob a vigência do Estado democrático de Direito.

O que torna o Brasil um país particularmente injusto é que os pobres, a maioria silenciosa deste imenso território, não têm representação no centro do poder nem quem os defenda por dever de consciência. Isso pode parecer um exagero, mas não o é, afinal, quando olhamos mais de perto iniciativas de políticos e partidos que se jactam por defender os pobres em Brasília, contradições pululam.

Um exemplo: sindicatos de trabalhadores da região do ABC, onde se concentra no Estado de São Paulo a maioria das empresas do setor automotivo, se unem para pressionar o governo, todo ano, a conceder incentivo fiscal às multinacionais. Não se passa um ano, na Ilha de Vera Cruz, desde a década de 1950 sem que essas companhias, originárias das nações mais ricas dom planeta, recebam dinheiro público subsidiado para... permanecerem aqui, onde está o sexto maior mercado (atrás apenas de China, Estados Unidos, Japão, Índia e Alemanha) de automóveis _ este país é também o oitavo maior fabricante.

Aylê-Salassié F. Quintão* - Pós pandemia estaria chegando?

A recessão toma conta da economia e a pandemia imobiliza o País: 7,6 milhões encontram-se em regime de teletrabalho. Longe da escola, crianças e adolescentes parecem aprisionados em casa. O que fazer?, provocou Lênin. A sensação de risco global é atenuada diante dos anúncios de descobertas de vacinas contra a covid-19. Aproveitando a deixa, os mercados tentam retomar os negócios. Olha-se para além da política, fazendo vistas grossas para as restrições.

Nesse pretenso risorgimento, três segmentos vão se destacando: as ações das empresas de tecnologia, da indústria farmacêutica ligada à cannabis sativa, a famosa maconha, e as do campo da energia: mostrou, há alguns dias, a consultoria Seeking Alpha, que opera na avaliação de cenários.

As ações das empresas de energia são capitaneadas por aquelas de geração renovável e alternativa, não poluentes, como as hídricas, as eólicas e as solares. Apresentam um crescimento ainda modesto (+0,8%), mas sinalizam para uma adoção mais extensiva. A sustentabilidade está tendo aderência cada vez mais recorrente. 

O mercado global de cannabis sativa - de efeitos maléficos, benéficos e recreativos -, mesmo sob limitações legais, movimentou, no ano passado, US$ 18 bilhões, devendo atingir, no final de 2026, um montante de US$ 194 bilhões, segundo projeções do Banco de Montreal. Atualmente, 40 nações permitem o uso medicinal da erva e outros cinco o recreativo. Prevê-se que, em cinco anos, 60 países terão autorizado, de alguma forma, o seu uso para fins diversos.

Nilson Teixeira* - Risco inflacionário e juros muito altos

- Valor Econômico

O cenário mais provável, contudo, é o recuo da inflação acumulada em 12 meses a partir de meados de 2021

As projeções econômicas variaram bastante neste ano com a incerteza criada pela pandemia. A mediana das previsões de inflação IPCA de 2020 alteradas até cinco dias úteis antes no Focus recuou de 3,6% no começo do ano para 1,5% no início de junho. Desde então, porém, a mediana aumentou para 2,2% em setembro e acelerou até alcançar 4,25% no Focus de sexta-feira. A aceleração mais recente nas projeções deveu-se à decisão inesperada no fim de novembro da Aneel de reativar a bandeira vermelha na conta de luz de dezembro em razão do baixo nível dos reservatórios.

A dinâmica da inflação no atacado é ainda mais surpreendente. A mediana das expectativas de inflação IPA em 2020 variou entre 3,4% e 5,2% nos primeiros cinco meses do ano. Desde então, a mediana cresceu continuamente, alcançando 12,4% em agosto e 33,8% no Focus de 4 de dezembro. Desde junho de 1995, a inflação IPA acumulada em 12 meses - 33,9% em novembro - só superou a atual mediana das expectativas para 2020 no 1º semestre de 2003, com a inflação IPA-Agrícola de 60,6% sendo a mais alta do período.

Testes de causalidade de Granger indicam que a inflação IPA, assim como a inflação IPA-Agrícola, causa a inflação IPCA, quando consideradas as informações desde junho de 1995 ou, então, os dados desde 2016. Há risco, portanto, de a inflação ao consumidor mensal ser mais pressionada nos próximos meses.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A inflação como risco para 2021 – Opinião | O Estado de S. Paulo

As confusões do governo e as incertezas sobre as contas públicas têm sido fatores de instabilidade

 Puxada pelos preços da comida, impulsionada pelo custo dos combustíveis e aquecida pelas confusões do governo, a inflação atingiu em novembro a taxa de 0,89%, a maior para o mês em cinco anos. Superou a previsão mais pessimista, de 0,85%, coletada no mercado pela Agência Estado. O primeiro impacto da pandemia, seguido pelo distanciamento social, anulou as pressões inflacionárias por três meses. A partir de junho, com a reação do consumo, os preços no varejo voltaram a subir, a princípio lentamente. Em seguida ganharam velocidade e aumentaram 0,64% em setembro e 0,86% em outubro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

São taxas incompatíveis com as metas e com os padrões vigentes no Brasil há alguns anos. Uma alta de preços de 0,64% em 30 dias pode parecer pequena ao observador menos informado. É um enorme engano. Acumulada em 12 meses, essa taxa resultaria numa inflação de 7,96%, uma enormidade em qualquer economia razoavelmente organizada.

O Brasil talvez esteja longe de um problema desse tamanho, mas ninguém deve desprezar o risco de um desarranjo nos preços. Se a inflação de outubro, de 0,86%, se repetir em dezembro, a meta oficial de 4%, válida em 2020, será ligeiramente superada, com um resultado efetivo de 4,02%. Acima e abaixo da meta há um espaço de tolerância de 1,5 ponto porcentual, mas a questão mais importante, neste momento, vai muito além desse detalhe.

A inflação acelerou-se desde junho, com um recuo registrado só em agosto, e é razoável perguntar se os números crescentes indicam uma tendência. No mercado, a mediana das projeções passou a apontar uma inflação de 4,21% em agosto, segundo a pesquisa Focus divulgada ontem pelo Banco Central (BC). Quatro semanas antes essa mediana correspondia a 3,20%.

Poesia | Manuel Bandeira – Trem de ferro

Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!

Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá

Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no Sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...