quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Dora Kramer - Ano que vem

- Revista Veja

Problemas não caminham sozinhos nem são subservientes ao calendário

Nos últimos acordes deste ano atípico o senso comum lança em toda parte um sonoro “já vai tarde” a 2020, tentando semear a esperança de que em 2021 será tudo melhor. Que será, será, mas não necessariamente muito diferente, pois problemas não caminham sozinhos nem são subservientes ao calendário. Continuam aí, embora o mundo já receba do esforço universal tão inédito quanto espetacular dos cientistas instrumentos para enfrentar o maior deles a golpes de vacinas.

Para tudo, porém, há um contraponto. A pandemia tirou as coisas dos eixos tais como vinham girando até que um morcego do outro lado do planeta pusesse a humanidade à prova, entregue ao desafio de encontrar novos ou reencontrar antigos pontos de equilíbrio. A disfunção é universal e cada país ainda tem adversidades específicas — decorrentes voluntária e involuntariamente da ofensiva do vírus — para administrar.

Os Estados Unidos, por exemplo, livraram-se de uma dessas circunstâncias que deram um trabalho enorme: um presidente criador de casos, cujos métodos contribuíram ao longo do ano para o desvio do combate à crise sanitária. Por aqui, junto com cargas pesadas a carregar e sapos robustos para engolir, temos esse tipo de governante só que ainda com dois anos de mandato pela frente sem dar sinal de que pretenda parar de criar caso com tudo e todos que lhe contrariem a ilusão de poder absoluto.

Digo ilusão porque, objetiva, concreta e pontualmente, o presidente Jair Bolsonaro perdeu e continua perdendo todas as tentativas de dar contornos reais ao seu devaneio de mandar porque pode e daí fazer todos obedecer por ser, na visão dele, providos de juízo. Tenta compensar no grito as perdas que acumula no Judiciário, no Legislativo, na comunidade científica, entre governadores, na sociedade organizada (e na desorganizada também), na imprensa, nos desmentidos que lhe impõem os fatos.

Luiz Carlos Azedo - No fio do bigode

- Correio Braziliense

Há meses, Lira vem negociando individualmente com as bancadas de oposição; além de verbas e cargos, oferece para cada grupo de interesse uma pauta específica

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou, ontem, o nome do candidato do seu bloco político ao comando da Casa, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), o jovem presidente do maior partido do país e líder de sua bancada federal, com 34 deputados. Rossi conseguiu reverter as resistências da maioria dos deputados do bloco de esquerda, o que levou o deputado Aguinaldo Ribeiro (PB), um dissidente do PP, a desistir de disputar a indicação no grupo de Maia. Formalmente, juntos, os dois blocos somam 282 deputados, número mais do que suficiente para ganhar a disputa com o candidato governista, Arthur Lira (PP-AL), mas isso é apenas uma projeção otimista. A disputa será no corpo a corpo, voto a voto.

É aí que entra a história do bigode. Quando houve a fusão dos antigos esta dos do Rio de Janeiro e Guanabara, em 1975, o brigadeiro Faria Lima, interventor federal, fez um acordo com o ex-governador Chagas Freitas, cacique do MDB da antiga Guanabara, para que fosse possível formar uma maioria que aprovasse a Constituição do novo estado. Para chegar ao acordo, teve que atropelar a líder do governo, deputada Sandra Cavalcanti (Arena), e entregar a relatoria da nova Constituição a um deputado “chaguista”, José Maria Duarte (MDB). Originário do antigo PSP, Chagas era um político populista, dono dos jornais O Dia e A Notícia.

Duarte era amigo do lendário distribuidor de cinema Luiz Severiano Ribeiro, que o chamava para ver os filmes antes da estreia e sugerir a tradução dos títulos, que muitas vezes não tinha nada a ver com o nome original, como em “A morte não manda recado” (The Ballad of Cable Hogue), “Os brutos também amam” (Shane), clássicos do faroeste norte-americano, ou “Django não perdoa…mata” (L’Uomo, L’Orgloglio, La vendetta), o western italiano inspirado na ópera Carmem, de George Bisset. Frasista de primeira, chamava o anteprojeto de Constituição de “boneca” e mantinha segredo absoluto sobre os acordos envolvendo o interventor Faria Lima, Chagas Freitas e o senador Amaral Peixoto (MDB), velho cacique pessedista, que era o líder da oposição no antigo Estado do Rio.

Maria Hermínia Tavares* - Para além da emergência

- Folha de S. Paulo

Tendo perdido a hora de ficar mais justa, a nação deverá se preparar para conviver com a pobreza por muito tempo

O fim do ano chegou sem que o governo fosse capaz de propor qualquer coisa que se parecesse com uma política para enfrentar o rebote da epidemia —em boa parte resultante, por sinal, da sua negação da gravidade da doença. O Planalto tampouco apresentou um plano claro de vacinação: só chutes a esmo sobre as vacinas que ainda não temos, nem as datas, a todo momento alteradas, do início da imunização.

Decerto esgotado pela enormidade que deixou de fazer, o ministro da Fazenda tirou férias (logo canceladas pelo presidente) sem resolver a situação da massa de brasileiros que sobreviveram até aqui graças às transferências que terminam no fim do mês. O número dos que ficarão a descoberto é impressionante. Por trás dele há pessoas de carne e osso vivendo em total insegurança, sem saber como pagarão as contas a partir de janeiro.

A pandemia colocou o Brasil face a face com a precariedade na qual estão imersos dezenas de milhões de habitantes que, vivendo sempre à beira da linha de pobreza, podem cruzá-la ao primeiro soluço da atividade econômica. A chegada da Covid-19 agravou uma situação preexistente, que os governos comprometidos com a redução da iniquidade não foram capazes de alterar estruturalmente, ainda quando proporcionaram alguma mobilidade social.

Fernando Schüler* - 2020, o ano que ainda não acabou

- Folha de S. Paulo

Responsabilidade social e fiscal são duas faces da mesma moeda

 “Topo ser babá, cozinheira, auxiliar de cozinha, faço de tudo um pouco”, leio em uma das tantas reportagens sobre como as pessoas irão se virar quando acabar o auxílio emergencial. É na semana que vem.

Dá para ter uma ideia do que vai acontecer. O economista Vinícius Botelho, da FGV, calcula que cerca de 7 milhões de pessoas caíram abaixo da linha de pobreza (R$ 5,5/dia) com a redução do auxílio e que o número deverá ir a perto de 17 milhões com o fim do benefício.

Alguns dirão que é de mau gosto pensar nessas coisas no dia do Natal. Ontem mesmo, quando rascunhava o artigo, comentei com alguém que me recriminou. “Tinha que falar de coisas mais positivas, celebrar a esperança”. Concordei, mas segui em frente. Fiquei até com a consciência meio pesada, mas não tem jeito. Sou colono, não consigo desligar.

A situação é clara. Os infectologistas alertam que janeiro pode ser um mês trágico na pandemia, pelas razões sabidas. O fim do auxilio colocará lenha nessa fogueira. Mais pessoas irão em busca de trabalho, e o risco de contágio e morte aumentará. Em especial entre os mais pobres.

Bruno Boghossian – Vícios incorrigíveis

- Folha de S. Paulo

Fux tentou corrigir lambança, mas é difícil não enxergar a velha marca da busca por privilégios

Luiz Fux quis corrigir a lambança que foi feita quando o STF pediu a reserva da vacina contra o coronavírus para 7.000 integrantes do tribunal. A ideia era reduzir o desgaste provocado pelo episódio, mas a explicação só mostrou que alguns vícios são mesmo incorrigíveis.

O presidente do Supremo afirmou nesta quarta-feira (23) que a solicitação da vacina era parte de um esforço "para não pararmos as instituições fundamentais do Estado". Numa entrevista à TV Justiça, ele disse ter "preocupação com a saúde dos servidores". "Tanto que o ambiente está vazio", completou.

Fux inaugurou sua gestão em setembro, quando a marca de 100 mil mortos já havia sido ultrapassada. Os julgamentos aconteciam de forma remota, mas o galope da doença não o impediu de organizar uma cerimônia presencial para sua posse no comando da corte.

Mariliz Pereira Jorge - Fogo no parquinho

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro pode até mover mundos, fundos, Polícia Federal e Abin para proteger os filhos, mas não fará o mesmo por quem acha que se sacrifica por ele

Nem impeachment nem renúncia. O que pode encrencar Jair Bolsonaro são seus “aliados”. A bomba armada da vez é o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que passou a tarde desta terça (22) fazendo cobranças ao presidente, marcando seus filhos em tuítes. Chamou Carluxo de covarde e reclamou que ele e a ministra Damares Alves tinham deixado de segui-lo nas redes. Parece um esquete, mas é a cafonalha que orbita o Palácio do Planalto.

Escrevi a primeira vez sobre a capacidade de autodestruição deste governo em outubro de 2019, quando o deputado Delegado Valdir disse que iria “implodir” o presidente e o chamou de “vagabundo”. A deputada Joice Hasselmann acusava a prole de Jair de ser mentora do esquema de disseminação de fake news.

William Waack* - Sem controle

- O Estado de S. Paulo

O País está sem controle efetivo, à espera do imponderável

As chances de Jair Bolsonaro ser o condutor dos fatos políticos ficou para trás e ele começa a segunda metade de seu mandato claramente à mercê de fatores sobre os quais tem pouco controle. O sentido da expressão é o seguinte: ser capaz de ditar ou, pelo menos, conseguir encaminhar uma agenda política com rumo e direção claros – além da necessidade de proteger a si mesmo e sua família dos conhecidos enroscos com a Justiça e conseguir se reeleger.

Estar “à mercê de fatores sobre os quais tem pouco controle” significa que, para onde olhe, Bolsonaro está preso a uma intrincada teia que o mantém manietado. Os aspectos mais evidentes envolvem o Legislativo e o Judiciário. No Congresso, ao contrário das aparências, não é Bolsonaro que tem o controle do amorfo grupo de partidos chamado de “centrão”. É essa gelatinosa maioria que o carrega – e se sente totalmente à vontade por não ter de seguir ordens emanadas do Executivo.

O Judiciário, especialmente o STF, em dois anos impôs derrotas sucessivas ao presidente, encurtou seu poder, limitou seus arroubos, e o mantém refém de inquéritos e processos. Pode-se gostar ou não do que fazem os juízes do Supremo, mas nunca se viu um chefe do Executivo tão desmoralizado por decisões de mérito ou liminares que, na prática, o mantém emparedado em estreitos limites. Usando linguagem popular, o STF é o sócio majoritário do poder do atual presidente. 

José Serra* - Encontraremos o caminho

- O Estado de S. Paulo

Combatamos de novo o bom combate, dando a mão aos vulneráveis neste momento difícil

No meu primeiro artigo deste ano instei o Congresso Nacional a legislar com responsabilidade, coragem e eficácia, revestindo meus argumentos com dados e fatos. Naquele momento não poderia ter previsto a pandemia que viria, nem o papel que o Congresso assumiria numa das piores conjunturas da nossa História recente. O ano não foi fácil, mas continuo relativamente otimista no prognóstico. Em respeito às pessoas que perderam familiares, amigos, vizinhos, a todos os doentes e aos profissionais da saúde, temos de perseverar.

O cenário econômico e político já se mostrava desafiador no início de 2020. Os problemas sociais e a desigualdade, combinados com retrocessos em áreas como educação, meio ambiente e relações exteriores, formavam uma tempestade perfeita para dificultar qualquer proposta de desenvolvimento econômico e social sustentável. Sejamos claros: não chegaremos longe sem uma pacificação política – com menos disputas e mais diálogo – em torno de programas convergentes de políticas públicas viáveis.

Após a aprovação da reforma da Previdência, a chegada da pandemia e a omissão da ação estatal nas áreas de educação, meio ambiente e relações exteriores deram lugar a um ambiente político infestado de crises e divisões, prevalecendo interesses políticos desconectados da boa gestão pública. E o que é pior: em matéria de crescimento econômico, estamos para encerrar a pior década desde o início do século passado.

Aliás, na área econômica, este ano foi marcado por uma política fiscal difícil em relação à transparência e ao planejamento. Enfrenta-se uma epidemia dramática, com forte elevação do desemprego e das desigualdades, mas o ano se encerra sem um Orçamento bem definido para 2021 – temporariamente engavetado – e com indefinições elementares da prevalência do teto de gastos. Já fui ministro do Planejamento e posso dizer que essa neblina no horizonte fiscal decorre não de erros da área econômica, mas da ausência de rumo do governo.

Não existe vento bom para quem não tem rumo certo.

Zeina Latif* - Armadilha

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro, impopular, poderá reagir com populismo na economia

Este final de ano está uma festa, mas que beira à irresponsabilidade. Não só pelas ruas cheias. Crescem os excessos fiscais e o mercado mostra-se complacente.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias, desconectada das crises fiscal e de saúde, produziu mais rigidez nos gastos. A lei blindou 59 projetos “prioritários” de bloqueio de verbas, muitos da Defesa, e aumentou o poder discricionário do Legislativo na destinação de recursos, por meio de emendas parlamentares.

A chamada PEC Emergencial, que visa principalmente ao alívio na folha do funcionalismo, foi adiada pelo Senado para 2021. É emergencial só no nome e fez falta para navegarmos 2020, não só para conter a deterioração das contas públicas, mas também para prover (alguma) isonomia entre trabalhadores do setor público, ilesos na crise, e do setor privado, sofrendo com o desemprego e a queda de rendimentos. Os sinais, por ora, são negativos, pois as medidas são superficiais e tímidas.

Um imbróglio recente é a proposta de aumento do Fundo de Participação dos Municípios, em fase final de tramitação. A medida vai contra o ajuste fiscal e deveria estar associada a uma discussão mais ampla sobre a mudança do pacto federativo. Mesmo assim, o governo não pediu a retirada de pauta.

Celso Ming - Vacina não é só vacina

- O Estado de S. Paulo

População vacinada produz impacto positivo na economia, nos investimentos, na retomada do emprego, na educação, na cultura e na vida social

Instituto Butantan adiou o anúncio do nível de eficácia da vacina Coronavac, que deveria ter acontecido hoje. A razão admitida foi a de que ficou necessário consolidar os resultados dos testes finais com os dos outros centros que vêm desenvolvendo o produto na China, na Indonésia e na Turquia

Mesmo que o governo do Estado de São Paulo mantenha o início da vacinação para o dia 25 de janeiro e mesmo que o Instituto Fiocruz, do Rio de Janeiro, também obtenha dentro de mais algumas semanas a vacina britânica da Oxford, não basta apenas contar com a aprovação da Anvisa, a agência reguladora do setor, para dar início ao processo de vacinação em massa, mesmo em caráter emergencial.

Ainda é preciso definir como o processo de imunização acontecerá. É preciso saber quais grupos terão prioridade, com que vacina, em que condições e com que logística será aplicada. Começar pelos profissionais de saúde e com os idosos de apenas um Estado é bem diferente de atender a esses segmentos preferenciais na maior parte do território nacional.

Miguel de Almeida* - Bozonarista,#DoeSuaDoseDeVacina

- O Globo

Assim como Lula tem uma inveja quase sexual de FHC, Bozo explicita o seu pérfido ‘amor hétero’ contra Doria. A insistência de Bozo sobre Doria, acredito, já configura assédio

Em 1933, assim que Hitler assumiu o poder na Alemanha, os diretores de museus franceses se reuniram para listar as principais obras de arte do país a serem escondidas caso houvesse uma guerra.

Queriam preservar os acervos públicos e privados.

Quando Hitler invadiu a Áustria, o heroico diretor do Louvre, Jacques Jaujard, tratou de tirar a Mona Lisa das paredes e enviá-la para o Castelo de Chambord.

Data da retirada: junho de 1938. Quase um ano antes do início da guerra, portanto.

Com a Mona Lisa escondida, outras centenas de obras, como a Vênus de Milo e a Vitória de Samotrácia, e cerca de 150 metros de pinturas (Tiziano, El Greco…) logo tomaram a direção de outros castelos no sul da França.

Pelo que se conta, a operação envolveu cerca de trezentos caminhões com uma carga distribuída em quase seis mil caixas.

Ao entrar em Paris, em 14 de junho de 1940, Hitler deparou-se com um Louvre praticamente vazio (ao menos sem nada de muito valor).

A precaução dos diretores das instituições, junto com a ação dos curadores, evitou a desgraça de se perder fenomenal acervo, apesar de os militares franceses gargantearem que Hitler jamais chegaria a Paris.

Não só chegou em poucos dias como ali ficou por anos. O historiador Marc Bloch escreveria páginas contundentes contra os míopes militares franceses — uma inépcia que custou milhares de mortos, além da vergonha.

Desde janeiro passado se tem notícias da Covid-19, e de sua letalidade. Os militares ora no poder em Brasília negaram a contundência do vírus e preferiram o apego ao pensamento mágico. Quase 190 mil mortes depois, o ministro da Saúde, general Pazuello, se mostra mais perdido do que cachorro em dia de mudança.

Bernardo Mello Franco - Suprema carteirada na fila da vacina

- O Globo

Luiz Fux assumiu a presidência do Supremo com uma posse contagiante. Na contramão das recomendações sanitárias, o ministro insistiu numa cerimônia presencial seguida de coquetel. A festa deixou ao menos dez autoridades infectadas com a Covid. Além do homenageado, contraíram o vírus o presidente da Câmara e o procurador-geral da República.

A presidente do Tribunal Superior do Trabalho, que entrou na lista dos contaminados, precisou ser transferida para um hospital em São Paulo. Passou 16 dias internada e teve que receber oxigênio por um cateter. Chocada com o mau exemplo, a professora Ligia Bahia definiu a FuxFest como um “covidário”. “Foi um evento totalmente irresponsável”, resumiu.

Três meses depois da posse, o presidente do Supremo está de volta ao noticiário da pandemia. Ontem ele defendeu o tribunal pela tentativa de furar a fila da vacina. O órgão pediu à Fiocruz que reservasse sete mil doses para imunizar ministros e servidores.

Carlos Alberto Sardenberg - A farra dos privilégios

- O Globo

A Fiocruz é merecedora do prêmio de responsabilidade social e política, ao se negar a reservar doses de vacina aos tribunais superiores

Estava pensando em dar à Fiocruz o prêmio “Republicano de 2020”. Melhor não. Republicanos é o nome do partido de Crivella/Igreja Universal, cujo comportamento não corresponde ao nome.

Assim, vamos dizer que a Fiocruz é merecedora do prêmio de responsabilidade social e política, ao se negar a reservar doses de vacina aos tribunais superiores. Inversamente, o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho merecem o prêmio vexame do ano. Os egrégios tribunais solicitaram oficialmente à Fiocruz a reserva de doses da vacina (7 mil no caso do STF) para aplicação nos ministros e seus funcionários.

Em ofício, o diretor do STF, Edmundo Verdas dos Santos Filho, chegou a dizer que a vacinação de ministros e funcionários contribuiria “com o país” já que garantiria a “utilização dos recursos humanos e materiais disponíveis no Tribunal para ajudar a desafogar outras estruturas de saúde”.

Luis Fernando Verissimo - Bimbolem os sinos

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Dizem que Papai Noel foi visto fazendo churrasco das renas na beira de uma estrada no Norte, sob a neve, e vendendo os presentes das crianças com desconto

É Natal! É Natal! Bimbolem os sinos. Neva em Caruaru, onde nunca nevou antes, um feliz prenúncio de cocacolização total da nossa maior festa, depois do carnaval e das pernas de fora da Ivete Sangalo. Tartaruguinhas recém-nascidas correm na direção do mar, não para seguir seu destino biológico, como se pensa, mas para fugir do governo Bolsonaro antes que seja tarde, acenando bandeiras verde e amarelas como disfarce. Mas nem tudo é estados unidos no novo Brasil das queimadas, do ministro do meio ambiente que cuida só do meio porque o ambiente cuidará de si mesmo e do ministro da saúde que ainda não decorou o endereço do ministério. Chegam notícias inquietantes do nosso interior. Dizem que Papai Noel foi visto fazendo churrasco das renas na beira de uma estrada no Norte, sob a neve, e vendendo os presentes das crianças com desconto.

Mas é Natal! É Natal! Tudo se perdoa, tudo se esquece e tudo se justifica. O Brasil é o único país do mundo que é sua própria explicação. O único incomparável, pois só é comparável a si mesmo, dispensando exemplos, metáforas e alusões vindos de fora. O único que se basta como autoparódia. Você, brasileiro amador que ainda não se entendeu, pode evocar o Brasil que quiser sem medo de exagerar: é só imaginá-lo que ele se torna verossímil. Quem, anos atrás, acreditaria num governo Bolsonaro? E no entanto aí está ele, governando ou coisa parecida, sem máscara, o incrível homem elástico que, diariamente, desmente a si mesmo e todo o mundo aplaude. Imagine o seguinte: o Rodrigo Maia é um dos dezessete filhos do Bolsonaro, um parentesco que ninguém conhecia e o presidente nunca revelou. O desentendimento entre os dois é, na verdade, apenas um racha normal entre pai e filho. Impossível? No Brasil, “impossível” é apenas o outro nome de “vamos ver”.

Bloco de Rodrigo Maia escolhe Baleia Rossi como candidato à presidência da Câmara

Baleia Rossi é anunciado como candidato de Maia à presidência da Câmara

Natália Portinari | O Globo

BRASÍLIA — O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou nesta quarta-feira que o candidato escolhido por seu bloco para disputar a presidência da Câmara no ano que vem é Baleia Rossi (MDB-SP).

O bloco une onze partidos de centro e esquerda: DEM, MDB, PSDB, PSL, Cidadania, PV, PT, PSB, PDT, Rede e PCdoB. Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) também era cotado como potencial candidato de Maia, mas não foi escolhido pelos líderes.

O anúncio foi feito na presença de Aguinaldo Ribeiro, de Isnaldo Bulhões (AL), futuro líder do MDB na Câmara e do presidente Rodrigo Maia. Eles fizeram um pronunciamento sem espaço para perguntas dos jornalistas.

— (Maia) teve um papel fundamental de garantir a independência da nossa Casa, da Câmara Federal, e nesses último dois anos colocou a nossa Câmara dos Deputados como protagonista dos grandes debates na nossa nação — disse Baleia Rossi.

Ele citou a frente ampla de legendas unidas no bloco. Disse que, com a união entre centro e esquerda, há "total perspectiva" de vitória.

Memória | Exilados voltam e passam o Natal explicando por que voltaram sem passaportes


JORNAL DO BRASIL - terça-feira, 26/12/78

Legenda: Graziela e Gilvan Cavalcanti de Melo foram liberados na Polícia Marítima às 11 horas

Exilados voltam e passam o Natal explicando por que voltaram sem passaportes

Fora do país há seis anos, absolvido em setembro último da acusação de pertencer ao PCB, o ex-funcionário do INPS Gilvan Cavalcanti Melo, chegou do Panamá com a mulher e os dois filhos, no domingo e foi preso. A Embaixada do Brasil informara que poderiam desembarcar só com a carteira de identidade, mas a polícia deteve o casal por 12 horas durante a noite de Natal, para saber porque estavam sem passaportes.

O Sr. Gilvan e D. Graziela Cavalcanti Melo passaram a noite num sofá da Delegacia de Polícia Marítima, onde foram interrogados ontem de manhã e liberados depois de preencherem um questionário mimeografado. Os filhos, Gilvan de 16 anos, paralítico, e Ana Amélia, de 12, foram dispensados pela polícia ainda no aeroporto e ficaram com parentes.

GARANTIA

Hoje, com 43 anos, o Sr. Gilvan de Cavalcanti Melo, nascido em Pernambuco, foi demitido do INPS por decreto baseado no AI-5, em 1972, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro. Logo após foi com a família para Buenos Aires, Porto Alegre e finalmente Santiago onde trabalhou na Corporação de Fomento.

Com a derrubada do Governo Allende, asilaram-se na Embaixada do Panamá, país onde o Sr. Gilvan conseguiu trabalho numa empresa de administração. Morou durante algum tempo em Cuba que lhe forneceu documento de identidade.

Ao saber de sua absolvição em processo na 2ª Auditoria da Marinha em 19 de setembro, o Sr. Gilvan consultou a Embaixada do Brasil no Panamá e recebeu a garantia de que poderia voltar normalmente apenas com a carteira de identidade brasileira emitida em 1972 se viajasse por uma empresa aérea brasileira.

A família embarcou num voo da Varig às 8,43 de domingo e chegou ao Aeroporto Internacional do Rio às 19,50. Levados para a Polícia Marítima e Aérea, o casal e os dois filhos foram informados de que teriam que prestar depoimentos, por não estarem com passaportes.

Após entendimento com os policiais, o Sr. Gilvan conseguiu que os filhos fossem liberados, enquanto ele e a mulher eram levados à sede da Polícia Marítima, na Av. Rodrigues Alves. Ali passaram a noite do Natal, recostados num sofá. O advogado Humberto Jansen chegou à delegacia às 7hs, mas só conseguiu liberar o casal, às 11h, depois que os dois prestaram depoimentos de uma hora cada um. 

No questionário tiveram que informar as condições de saída do país, como viviam e onde trabalhavam no exterior e porque voltaram. “Agora o que quero fazer mesmo é assistir um jogo do meu Vasco”, disse o Sr. Gilvan.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Um Natal diferente – Opinião | O Estado de S. Paulo

O novo ano se afigura mais promissor, mas é insensato arriscar a alegria do próximo Natal com a falta de cuidado em 2020

Os brasileiros viverão um Natal atípico pela primeira vez em muitas gerações. O crescimento do número de casos e mortes decorrentes da covid-19 no País impõe a adoção de medidas de proteção individual e coletiva que não combinam com as confraternizações que marcam os festejos de fim de ano, celebrações tão caras às famílias brasileiras.

Em São Paulo, o governador João Doria determinou o retorno de todo o Estado à fase vermelha do Plano São Paulo, a mais restritiva, entre o Natal e o Ano-Novo. Isto significa que apenas os serviços essenciais – supermercados, farmácias, postos de combustíveis, serviços de comunicação – poderão ser prestados à população. Independentemente de quaisquer considerações que possam ser feitas sobre a efetividade da medida, o simples fato de o governo estadual ter de retroceder no plano de flexibilização é um indicativo muito claro de que as coisas não vão bem.

Em todo o País, autoridades têm alertado a população quanto aos riscos envolvidos em viagens, festas com muita gente – algumas clandestinas – e reuniões entre familiares que não residem no mesmo local, entre outras situações, no momento em que a pandemia dá sinais de recrudescimento. Teme-se, com razão, que, uma vez ignoradas as recomendações das autoridades sanitárias, a Nação assista a uma explosão de casos e mortes por covid-19 nos primeiros dias de 2021. Já é muito triste encerrar 2020 com mais de 190 mil brasileiros mortos. Cada cidadão pode contribuir com o seu esforço pessoal para que o novo ano não comece ao som do pranto de ainda mais famílias enlutadas.

Passados longos nove meses de pandemia, todos os cidadãos sabem exatamente o que deve ser feito para evitar o espalhamento descontrolado da doença. Mais importante do que as determinações estatais é, e sempre foi, a responsabilidade individual. Orientações não faltaram, em que pesem as tentativas de desqualificá-las. Deve-se usar corretamente as máscaras de proteção individual – que, ao fim e ao cabo, protegem o coletivo. Deve-se higienizar bem as mãos. E, tão ou mais importante, deve-se evitar quaisquer aglomerações. A preservação de vidas depende fundamentalmente da sobreposição do bem-estar de toda a sociedade à fruição individual.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - E será Natal para sempre

Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.

Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagui ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.

Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.

A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.

A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.

Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.

O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.

Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.

A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.

O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.

E será Natal para sempre.

Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade.