quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Merval Pereira - Sem, sem

- O Globo

Com o fim do auxílio emergencial, cuja última parcela começou a ser paga ontem, poderemos ter uma noção mais clara do fenômeno de popularidade do presidente Jair Bolsonaro, que já chegou a um índice de 40% em setembro, e caiu este mês para 35%, sempre segundo o Ibope. Teremos, além da geração “nem, nem” - nem estuda, nem trabalha - teremos os “sem, sem”- sem emprego e sem auxílio.

O pico de popularidade aconteceu depois do pagamento da quinta parcela de R$ 600, e a queda chegou depois que o auxílio foi cortado pela metade. Mas essa queda ainda deixa Bolsonaro em situação melhor do que há um ano, quando sua popularidade era de 29%, a pior avaliação de um presidente da República no primeiro ano de governo desde 1994. Collor, eleito na primeira eleição direta do país depois do golpe militar, teve aprovação pior no primeiro ano de mandato.

Entre os cidadãos mais pobres o auxílio emergencial mostrou-se resiliente, com a aprovação dos eleitores com renda familiar até um salário mínimo subindo de 19%, em dezembro de 2019, para 35% na pesquisa de setembro, o que levou seu índice de avaliação positiva para 40% naquela ocasião. Os eleitores com menor grau de instrução deram um aumento consistente da popularidade do presidente.

Entre os com até a oitava série do ensino fundamental, a avaliação de ótimo ou bom foi de 25% para 44%, enquanto entre os pesquisados com até a quarta série cursada a aprovação subiu de 26% para 40%. Esses índices, porém, caíram nos últimos três meses, justamente quando o auxílio foi reduzido.

O fim das medidas extraordinárias que o governo decretou para combater a pandemia da COVID-19, que levaram o déficit do país a se elevar para cerca de R$ 700 bilhões, terá um impacto político presumivelmente grande para o presidente Bolsonaro, com consequências sociais graves. Já temos 14 milhões de desempregados, com mais os cerca de 40 milhões que deixarão de receber o auxílio, teremos em janeiro uma situação social muito delicada no país. Os inscritos no Bolsa Família continuarão a receber o benefício, que não será aumentado como chegou a anunciar o governo.

Míriam Leitão - Mensageiro da morte

- O Globo

O presidente da República gosta da tortura. Ele a defende, tem prazer em falar dela e fustigar as vítimas. Foi o que Jair Bolsonaro fez ontem, mais uma vez, com a ex-presidente Dilma Rousseff. Ela foi brutalmente torturada aos 22 anos, sobreviveu e construiu sua vida. E agora, aos 73 anos, ouve do chefe de governo do país palavras de deboche e ironia sobre o seu sofrimento. É desumano e, além disso, é crime.

Bolsonaro comete crimes reiterados na cara do país e das instituições. Tortura é crime hediondo e ele tem prazer em falar disso, sempre tentando pôr em dúvida a palavra da vítima. Ele exalta torturadores e os tem por heróis. Bolsonaro defende a ditadura e já foi para a rua, como presidente da República, defender o fechamento do Congresso e do Supremo.

O que faz o país? Nada. Ele permanece presidente e continua usufruindo da sua extensa impunidade. Ele não foi cassado, em 2016, quando no plenário da Câmara elogiou o torturador a quem chamou de o “terror de Dilma Rousseff”. Deveria ter sido. Foi o que eu escrevi na época.

É crime. Mas também é sadismo. O prazer de sentir a dor do outro, de lembrar ao outro o seu sofrimento em meio a gargalhadas. Dilma o chamou de sociopata. E ele é. Somos governados por um sociopata. Dilma o chamou de fascista. E ele é. Dilma o chamou de “cúmplice da tortura e da morte”. E é o que ele tem sido ao longo de sua vida e de sua presidência.

Luiz Carlos Azedo - O ano mais longo

- Correio Braziliense

São inovações que podem evitar que a pandemia tome conta de 2021. Mas o que explica o sucesso das novas vacinas é o maciço investimento em pesquisas

Certo mesmo é que 2020 vai entrar 2021 adentro, por causa da pandemia do novo coronavírus, cuja segunda onda é o fantasma que ronda a Europa e os Estados Unidos às vésperas do ano-novo. Aqui, no Brasil, será um pouco pior, porque a vacina contra covid-19 está muito atrasada e, por isso mesmo, os efeitos predatórios das atitudes e decisões do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia serão também mais duradouros. Como já disse antes, quem deveria liderar a luta contra a doença sabota os esforços de prefeitos, governadores, dos sanitaristas e infectologistas, socorristas e enfermeiros, intensivistas e fisioterapeutas para controlar a doença e salvar vidas.

O próprio Ministério da Saúde é sabotado, sob comando de um general bem mandado, nomeado para o cargo por ser especialista em logística de transportes de tropas, armas e suprimentos, mas que se revelou o ministro mais incompetente da história da saúde pública no Brasil: Eduardo Pazuello. Provavelmente, ainda será condecorado e promovido a general de quatro estrelas por maus serviços prestados. Vivemos tempos distópicos.

Como não lembrar do jovem rapper Emicida, que acaba de lançar um documentário excepcional na Netflix: AmarElo, é tudo pra ontem. “Talvez seja bom partir do final/ Afinal, é um ano todo só de sexta-feira treze/ ‘Cê também podia me ligar de vez em quando/ Eu ando igual lagarta, triste, sem poder sair/ Aqui o mantra que nos traz o centro/ Enquanto lavo um banheiro, uma louça, querendo lavar a alma/ Na calma da semente que germina/ Que eu preciso olhar minhas menina”. O historiador Daniel AarãoReis, em artigo publicado no jornal O Globo (26/12), fez uma belíssima crítica sobre o filme, que se passa em torno de uma apresentação no Teatro Municipal de São Paulo, lotado por pessoas da periferia paulista, que nunca haviam entrado naquele templo da nossa cultura.

Ricardo Noblat - A tempestade perfeita que poderá custar o mandato de Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

Ele é uma ameaça à vida alheia

Se for o que resta para mostrar a que ponto chegou Bolsonaro, compare-se o seu comportamento com relação à vacinação em massa contra o vírus com o comportamento dos governantes mais autoritários do mundo, todos, como ele, de extrema-direita.

 O ditador da República da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, anunciou que não se vacinará porque a Covid-19 já o pegou faz algum tempo – como se não pudesse pegá-lo outra vez. Mas a imunização no seu país começou uma semana antes do previsto.

Até abril serão vacinadas 1,2 milhão de pessoas. Numa segunda etapa, mais 5,5 milhões. Na Hungria do primeiro-ministro Viktor Orbán, um dos poucos chefes de Estado a comparecer à posse de Bolsonaro, a vacinação começou no último sábado.

A Polônia tem um governo nacionalista conservador admirado pelo presidente brasileiro. Pois bem: ali, ontem, os dois líderes dos partidos rivais Plataforma Cívica (liberal) e Lei e Justiça (conservador) foram filmados vacinando-se juntos.

Ontem também, os países da Comunidade Econômica Europeia compraram mais 100 milhões de doses da vacina da Pfizer. Em colapso desde a explosão do seu porto em Beirute, o Líbano comprou à Pfizer duas milhões de doses de vacina.

Bruno Boghossian – Emporcalhando a Presidência

- Folha de S. Paulo

Provocações hediondas e exaltação da tortura são incompatíveis com o exercício da política

Jair Bolsonaro já era um político indigno do cargo que ocupava em 1999, quando dava entrevistas para defender atrocidades como assassinatos políticos e agressões a prisioneiros. "Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso", declarou o então deputado ao programa Câmera Aberta, da TV Bandeirantes.

A propaganda continuou nas duas décadas seguintes. O parlamentar ganhava projeção ao glorificar o regime militar e recomendar a execução de rivais. "O erro da ditadura foi torturar e não matar", repetiu, dois anos antes de ser eleito presidente.

O país escolheu um apologista da tortura para comandar o Palácio do Planalto. Depois de fazer fama com aquelas declarações, ele passou a emporcalhar a Presidência da República com um repertório atualizado de barbaridades –até durante as férias.

Antes de embarcar para o Guarujá (SP), na segunda (28), Bolsonaro lançou dúvidas sobre a tortura que a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu na ditadura. "Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela", disse. "Não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio-X."

Raphael Di Cunto - Os riscos da aposta de Bolsonaro na Câmara

- Valor Econômico

Independentes” serão decisivos para votações pós-eleição

O presidente Jair Bolsonaro tem apostado alto ao mobilizar o governo para eleger o líder do PP, Arthur Lira (AL), presidente da Câmara. Há promessa - e entrega- de verbas orçamentárias, cargos e até ministérios para quem apoiar seu candidato. Não são poucos os aliados dele que alertam que tal aposta pode dificultar a governabilidade nos dois anos finais de seu mandato e esgarçar a relação com os deputados.

Como toda aposta de risco, o retorno, é claro, pode ser muito grande. Um aliado no comando da Câmara fará andar a agenda conservadora de costumes que o elegeu e com a qual ele pretende sustentar sua reeleição. Ao presidente interessa que o debate tome conta da sociedade, colocando em segundo plano a pandemia, a morte de milhares de pessoas e a economia capenga.

O atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), barrou parte dessas propostas, mas menos do que seu contundente discurso para agradar os partidos de esquerda faz parecer. É verdade que ele segurou a reação à flexibilização do aborto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), impediu o debate sobre o Escola Sem Partido e o ensino doméstico, defendeu a ciência e a vacina e segurou parte da agenda armamentista, mas, quando estava em busca de aproximação com Bolsonaro, Maia levou direto ao plenário o projeto que flexibiliza a lei de trânsito e o porte de arma na propriedade rural.

Lígia Bahia - Vacina antidesfaçatez

- O Globo

Em 2021, estaremos diante de ameaças sanitárias não superadas somadas a eventuais viroses emergentes

Oportunidades desperdiçadas para controlar a disseminação da Covid-19 em 2020 serão transferidas, com acréscimo de dificuldades, para o próximo ano. Históricas experiências do Brasil — desde as campanhas contra a febre amarela, DST/aids, dengue, chicungunha e zica — foram substituídas por charlatanismo, ameaças à Organização Mundial da Saúde e descuido proposital com a organização da prevenção, da vigilância de casos e do atendimento adequado a doentes. Desprezo pelas recomendações científicas, corte de recursos para pesquisa, presença irrelevante ou aliada automaticamente aos países ricos nos debates internacionais sobre o acesso universal ao conhecimento e inovações tecnológicas nos impediram de compartilhar plenamente o legado de 2020: ampla utilização de intervenções não farmacológicas para eliminar a transmissão de uma doença respiratória e produção rápida de testes e vacinas.

Em 2021, estaremos diante de ameaças sanitárias não superadas, somadas a eventuais viroses emergentes com potencial de transmissão global, e das visíveis e grandes falhas do sistema público de saúde. Necessitamos de uma infraestrutura de saúde pública moderna e do restabelecimento de uma gestão unificada da saúde. A garantia de suprimentos estratégicos, como equipamentos de proteção individual e testes, e da integração do país nas redes mundiais de pesquisa para restabelecer a gestão da pandemia é uma atribuição de âmbito nacional. Critérios padronizados e transparentes para a aprovação e alocação de recursos orçamentários — incluindo compras e produção de vacinas e a garantia de assistência para casos graves — são medidas objetivas para o enfrentamento de fenômenos que não respeitam limites administrativos.

Hélio Schwartsman – Apostas erradas

- Folha de S. Paulo

Faria mais sentido assegurar que o país tivesse acesso ao máximo possível de doses do maior número possível de vacinas

Se há algo que une militares de direita a sanitaristas de esquerda é a preocupação, às vezes obsessiva, com a transferência de tecnologia. É claro que é melhor ser capaz de fabricar seus próprios imunizantes do que não ser, em especial se houver necessidade de revacinações periódicas como parece ser o caso da Covid-19. Mas eu receio que, ao buscar primariamente acordos que previssem a transferência de tecnologia, o Brasil tenha limitado demais suas apostas.

O governo federal jogou tudo no imunizante da Universidade de Oxford/AstraZeneca, que deverá ter produção local pela Fiocruz, e o governo paulista investiu apenas na Coronavac, parceria entre chineses e o Instituto Butantan.

Vinicius Torres Freire – O fracasso na economia e na vacina

- Folha de S. Paulo

Congresso evitou fracasso final do bolsonarismo na economia, mas não na vacina

Jair Bolsonaro anda inquieto. É assim quando seu poder ou sua popularidade estão ameaçados; quando aumenta o risco de que sua família acabe na cadeia. Então passa a dizer mais atrocidades do que de costume contra a democracia, a razão, a decência e a humanidade.

Nos últimos dias tenta arrumar um bode expiatório para justificar a inexistência de vacinas e escamotear o desastre com uma cortina de fumaça, com o bafo fumegante da besta fera. Disse que quer facilitar o acesso a armas de fogo com o objetivo de facilitar insurreições armadas, por exemplo contra João Doria. Debochou, rindo como um psicopata, da tortura de Dilma Rousseff. Etc.

Cerca de três quartos dos brasileiros querem se vacinar. É difícil enganar tanta gente com fantasias lunáticas e propaganda criminosa. Há o risco de a incompetência e os crimes ficarem muito evidentes.

Desde meados do ano entrou em pane o “parlamentarismo branco”, um improviso que fez as vezes de governo no lugar de Bolsonaro. Se essa geringonça política estivesse funcionando, talvez até se pudesse inventar uma gambiarra parlamentar para a compra de vacinas, uma atribuição clara do ministério da Saúde, que, porém, não passa de um almoxarifado a cargo de uma ordenança incapaz. Agora não temos nem a geringonça nem ministério. Sobra então o bolsonarismo puro no poder.

Cristiano Romero - Por que o Brasil não é uma nação?

- Valor Econômico

Fim do auxílio é demonstração de que não há contrato social

O jornalista e escritor Nelson Rodrigues escreveu que o Fla-Flu, o clássico dos clássicos, começou 40 minutos antes do nada. A hipérbole rodrigueana, usada para definir o caráter épico da rivalidade entre dois times de futebol, acabou sendo incorporada como síntese do antagonismo de ideias que caracteriza o debate dos problemas nacionais. Se a discussão de um tema relevante vira um Fla-Flu, é porque não há racionalidade, ou melhor, honestidade intelectual de uma ou das duas partes, uma forma de impedir mudanças que reduzam ou eliminem seus privilégios.

Numa sociedade profundamente desigual, marcada pela prática da escravidão (oficial, fator de acumulação de capital durante quase 400 anos, e dissimulada desde a abolição, em 1888), há poucos consensos, logo, não existe contrato social. Não há pacto social num país onde a maioria negra (56% da população) é discriminada pela minoria não negra.

Não há entendimento social se pouco menos de um quarto da população (50 milhões de pessoas) vive abaixo da linha de pobreza (com menos de dois dólares por dia), e todos conhecemos essa realidade há pelo menos quase 20 anos, afinal, graças a um dos poucos consensos de nossa história, criou-se nesse período um programa de transferência de renda para lidar com o problema - o Bolsa Família é excelente, cuida das consequências de políticas equivocadas que seguem provocando tanta miséria e desequilíbrio entre nós, brasileiros.

Elio Gaspari - O grande espetáculo de Trump

- O Globo / Folha de S. Paulo

Ele passa o tempo trancado, jogando golfe, anistiando comparsas e delirando

Faltam três semanas para o dia em que Joe Biden assumirá a Presidência dos Estados Unidos. Com a pandemia e Donald Trump, não se sabe direito como as coisas funcionarão. Não se sabe sequer se ele irá à cerimônia.

Numa época tomada pela Covid-19, pelas vacinas e por Jair Bolsonaro, junta-se um espetáculo histórico: o comportamento de Trump nos últimos dias de seu governo.

Recusando-se a aceitar o resultado das urnas, o atual presidente entrou na moldura de desespero e desequilíbrio de Richard Nixon nos dias que antecederam sua renúncia, em agosto de 1974. Ele estava bebendo demais, brigava com a mulher e chamou o secretário de Estado para rezar. O chefe de seu gabinete temeu que ele se matasse. Estava entendido que Nixon destrambelhara. Temeu-se que, num surto, ele resolvesse usar armas nucleares contra algum inimigo. Por isso, se ele tentasse mexer nas bombas, a ordem precisaria ser confirmada pelo secretário da Defesa. Ela nunca foi dada. Esses fatos, contudo, começaram a sair dos bastidores aos poucos. Para consumo geral, ficou a imagem do presidente deixando a Casa Branca com um grande sorriso e os braços erguidos.

Sergio Amaral* - Cena internacional mudou, política externa terá de se ajustar

- O Estado de S. Paulo

O Brasil precisa estar presente nas negociações que definirão as regras de convívio internacional

As relações entre os Estados Unidos e a China, de cooperação ou de conflito, serão, na visão de Henry Kissinger, o eixo central da nova ordem internacional. Barack Obama optou pela cooperação. Donald Trump, pela adoção de sanções unilaterais. Sua estratégia, no entanto, alcançou resultados modestos.

Após as sanções da guerra comercial, o déficit com a China permanece no mesmo patamar de antes, ou seja, cerca de US$ 350 bilhões, na média, por ano. As restrições à transferência de tecnologia abalaram a Huawei, mas também prejudicaram empresas e consumidores norte-americanos. A rejeição da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês), que reunia 12 países sob a liderança dos Estados Unidos, mas sem a presença da China, mostrou-se um erro estratégico de Trump, ao ensejar a formação da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP em inglês) na Ásia, assinada em novembro passado, entre 15 países asiáticos, que representam um terço da população e do produto mundiais, sob a liderança de Beijing, sem a presença dos Estados Unidos. Por fim, a China saiu fortalecida da covid-19 e da crise econômica mundial, pela capacidade de conter a expansão do vírus e de recuperar mais rapidamente a sua economia.

Joe Biden propõe-se a reverter várias das políticas de seu antecessor. No plano interno, deverá promover a volta da política e a caminhada para o centro, em vez do populismo nacionalista e da radicalização. Na diplomacia, as mudanças serão substanciais. Em lugar das sanções unilaterais, a prioridade do presidente eleito estará na retomada das alianças com parceiros tradicionais, como a Europa, para a negociação de um modus vivendi com a China, na retomada do Acordo de Paris sobre o Clima, na renegociação das salvaguardas nucleares com o Irã e no fortalecimento do multilateralismo.

Cristovam Buarque* - Obscurantismo na luz

- Correio Braziliense, 29/12/2020

“Casa Grande e Senzala” é uma das mais substanciais obras iluminadoras do passado, mas obscurece ao dar a ideia de que o Brasil é uma democracia racial. Quando publicado, fazia menos de 50 anos da Lei Áurea, depois de mais de três séculos de escravidão. Mesmo assim, sugere que a relação entre senhores e escravos, especialmente com escravas, indicaria falta de racismo, apesar da exploração brutal contra eles.

No caso das relações sexuais tratava-se de ato de violência, não gesto de tolerância. Apesar dessa violência ter mestiçado a cor de nossa gente, ela era produto do machismo, da supremacia branca e do poder escravocrata. Ela não quebraria o racismo porque a fábrica do racismo não está na genética que mestiça a pele, mas na educação que forma a mente: tolerante ou racista, conforme os ensinamentos. Não é a cama, é a escola que constrói a democracia racial.

Apesar de seu texto genial que ilumina muito do nosso passado, “Casa Grande e Senzala” obscureceu o papel da educação na construção do Brasil que somos, porque não analisa a formação da mente escravocrata por falta de educação para os escravos e educação preconceituosa para os senhores. Ausência de educação para uns e promoção da ideia de supremacia branca para outros.

Aylê-Salassié F. Quintão* - A entrada definitiva na Era das Incertezas

Em total desrespeito às forças que não pode controlar e procurando ganhar tempo contra os fenômenos que não consegue explicar, os governantes abusam da confiança dos cidadãos, recorrendo ao fetiche do Poder do Estado para levar a população a acreditar nas encenações feitas, por meio de medidas paliativas, cujos  gestores, como semideuses autoproclamados,  projetam realidades estáveis, em tomadas de decisão supostamente colegiadas.

A cada iniciativa, garante-se que aquela catástrofe ”nunca mais vai acontecer”.   Dez dias depois, estoura uma nova barragem e mata mais 100 pessoas. Sem entrar em detalhes, nem se propor como advenho, observando a História, pode-se constatar que os países transitam, neste momento, por incertezas, angústias e surpresas. Não é medo apenas de desastres naturais, tipo furacão, terremoto, estouro de barragens, a própria pandemia que também provoca reações em cadeia, com dramáticas repercussões na vida cotidiana.

Os sinais vêm de uma inflação potencial, cujos efeitos iniciais se ignora e se tolera. Só vão percebê-la à frente, quando os estragos já estarão concretizados. Uma desaceleração nos processos de produção e prestação de serviços.  O aumento das taxas de juros, o endividamento público igual ao PIB ou a incidência de contribuições novas para cobrir algum dano ou ajudar a resolver problemas sociais. Finalmente, um surto de manifestações de cidadãos e consumidores.

FHC, Lula e Maia apoiam Dilma após Bolsonaro questionar tortura sofrida pela petista na ditadura

Presidente afirmou que queria ver raio-x da mandíbula da petista

SÃO PAULO | UOL - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) demonstrou apoio à ex-presidente Dilma Rousseff (PT) após provocação do atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (sem partido), sobre a tortura que a petista sofreu durante a ditadura militar.

Em uma rede social, o tucano afirmou que "brincar com tortura é inaceitável", independentemente do lado político das vítimas. Para ele, as declarações de Bolsonaro "passam dos limites".

"Minha solidariedade à ex Presidente Dilma Rousseff. Brincar com a tortura dela —ou de qualquer pessoa— é inaceitável. Concorde-se ou não com as atitudes políticas das vítimas. Passa dos limites", disse FHC.

ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também reagiu. "O Brasil perde um pouco de sua humanidade a cada vez que Jair Bolsonaro abre a boca. Minha solidariedade a presidenta @dilmabr, mulher detentora de uma coragem que Bolsonaro, um homem sem valor, jamais reconhecerá", escreveu o petista em uma rede social.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também manifestou solidariedade à ex-presidente e disse que Bolsonaro "não tem dimensão humana". Maia destacou que o pai, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia, foi exilado e torturado pela ditadura.

"Bolsonaro não tem dimensão humana. Tortura é debochar da dor do outro. Falo isso porque sou filho de um ex-exilado e torturado pela ditadura. Minha solidariedade a ex-presidente Dilma. Tenho diferenças com a ex-presidente, mas tenho a dimensão do respeito e da dignidade humana.", afirmou.

Nesta segunda-feira (28), Bolsonaro ironizou a tortura sofrida pela petista no período em que ela foi presa, em 1970, durante a ditadura militar.

A apoiadores o presidente chegou a cobrar que lhe mostrassem um raio-X da adversária política para provar uma fratura na mandíbula.

Partidos traçam estratégias para sobreviver à cláusula de barreira


Siglas pequenas articulam federação partidária e puxadores de voto para superar cláusula de barreira em 2022

Desempenhos obtidos nas disputas de 2018 e 2020 servem de alerta para siglas como PCdoB, PV, Cidadania, Avante, Novo e PSC

Sérgio Roxo – O Globo

SÃO PAULO —  A aprovação de uma lei para permitir a formação de federações partidárias e a escalação dos principais quadros para disputarem vagas de deputado federal estão entre as estratégias já traçadas por legendas pequenas para tentar superar a cláusula de barreira mais rigorosa da eleição de 2022.

Os desempenhos obtidos nas disputas de 2018 e 2020 servem de alerta para siglas como PCdoB, PV, Cidadania, Avante, Novo e PSC. A cláusula de barreira é um mecanismo adotado para reduzir a fragmentação partidária no país e será implantada de forma gradual até 2030.

Em 2022, ficarão sem acesso a recursos dos fundos partidário e eleitoral e a tempo de propaganda eleitoral as legendas que não obtiverem pelo menos 2% dos votos válidos na eleição para a Câmara dos Deputados, distribuídos em um terço das unidades da federação, com 1% dos votos válidos em cada uma delas. Outra opção para escapar do corte é eleger pelo menos 11 deputados, distribuídos em um terço das unidades da federação. 

Partidos menores estudam lançar seus principais nomes a deputado federal em 2022, de modo a contar com “puxadores de voto” que garantam uma bancada com número suficiente para superar a cláusula.

A alternativa da federação partidária, por outro lado, enfrenta a resistência de partidos maiores. O expediente ficou fora da reforma eleitoral, aprovada em 2017, que vetou a coligação entre partidos nas eleições para o Legislativo. Instituída a partir de 2020, a proibição das coligações foi considerada um avanço por reduzir a fragmentação partidária nas câmaras de vereadores eleitas em novembro, e o cenário deve se repetir no Congresso em 2022.

Desemprego fica em 14,3%, atingindo 14,1 milhões de pessoas

Taxa de desocupação para os meses de agosto a outubro é recorde para o período

Por Gabriel Vasconcelos e Hugo Passarelli | Valor Econômico

RIO e SÃO PAULO - O mercado de trabalho seguiu o roteiro já carimbado da pandemia no mês de outubro. Com mais pessoas voltando a procurar emprego, a taxa de desocupação foi de 14,3% de agosto a outubro, recorde para o período e maior do que o trimestre até julho (13,8%) e também ante um ano antes (11,6%). A taxa ficou abaixo da expectativa dos analistas - a mediana das estimativas do Valor Data era de 14,5%.

Apesar do índice elevado, técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) observaram melhora em algumas aberturas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. De agosto a outubro, a população na força de trabalho - aqueles com 14 anos ou mais que trabalhavam ou queriam trabalhar - chegou a 98,4 milhões, alta de 3,4% ante o trimestre até julho.

De modo inverso, o contingente fora da força de trabalho caiu a 77,2 milhões, um recuo de 2,2% na mesma comparação. Foi a primeira queda para um trimestre móvel neste ano, após altas de 7,9% e de 11,3% do indicador. De todo modo, o número de pessoas fora da força de trabalho nos três meses até outubro ainda está 19% acima do registrado em igual período de 2019.

“Não dá para cravar nada porque não se sabe o que vai acontecer em termos de saúde pública. Se não acontecer nada [piora da pandemia], a gente pode entender que há uma recuperação clara, com as pessoas voltando a procurar trabalho e empregos sendo criados. Ainda vai ter mais gente ofertando trabalho que empregadores querendo contratar”, disse Maria Lúcia Vieira, coordenadora do levantamento.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Um governo dividido contra si mesmo – Opinião | O Estado de S. Paulo

No apagar das luzes do ano legislativo, houve alvoroço entre governo e deputados na votação da PEC 319/17, que aumenta repasses da União a prefeitos via Fundo de Participação dos Municípios

No apagar das luzes do ano legislativo, houve alvoroço entre governo e deputados na votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 319/17 que aumenta os repasses da União a prefeitos via Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O objeto da deliberação ilustra a necessidade de reajustes no pacto federativo. Mas a maneira como ela foi conduzida mostra o quanto necessidades como essa podem ser desvirtuadas em moeda de troca no jogo político, eclipsando o interesse público. Ademais, expõe a esquizofrenia do Planalto.

O debate em si é pertinente. A União é pródiga em atribuir responsabilidades aos municípios, muitas vezes sem levar em conta as condições reais para a sua satisfação. O FPM é a principal fonte de recursos para os municípios, sobretudo os menores e mais desprovidos das receitas do comércio, indústria ou agricultura.

O problema envolve a questão dos repasses, mas também outras, como a própria existência de municípios pequenos demais para se sustentar, e que talvez devessem ser unidos a outros (como propõe a PEC do Pacto Federativo); ou as perdas de arrecadação dos entes subnacionais derivadas de isenções impostas pela União (como aconteceu com a Lei Kandir); e a necessidade de cobrar dos municípios reformas que garantam a sua viabilidade fiscal.