sábado, 30 de janeiro de 2021

Ascânio Seleme - Bolsonaro corrupto

- O Globo

O capitão, que foi eleito prometendo varrer a corrupção de Brasília, montou ele próprio um esquema para se defender e proteger as falcatruas de seus filhos e aliados

Já se falou quase tudo do governo de Jair Bolsonaro. Da sua índole intolerante e antidemocrática, da sua beligerância permanente, das baixarias que produz em escala industrial, dos seus inúmeros crimes de responsabilidade, da sua fraqueza moral, dos atentados que comete contra a vida humana no tratamento que dispensa à pandemia do coronavírus. Agora, pode-se também afirmar que esse governo é corrupto. O capitão, que foi eleito prometendo varrer a corrupção de Brasília, montou ele próprio um esquema para se defender e proteger as falcatruas de seus filhos e aliados.

São várias as evidências desse esquema ao redor do presidente. Bolsonaro controla tanto a Procuradoria-Geral da República quanto a Polícia Federal com absoluto rigor. Apesar de manter a aparência de independência, Augusto Aras e Rolando Alexandre de Souza fazem o que for preciso para não desagradar ao presidente. Outras instituições do Estado, além da PF, são usadas sem constrangimento. Tanto o Ministério da Justiça quanto a Advocacia- Geral da União foram instrumentalizadas por Bolsonaro para defender ele mesmo, os seus três zeros e a sua turma.

Com o centrão no comando da pauta do governo, o que teremos até o desfecho deste lamentável mandato será apenas mais um governo corrupto. Sabe-se desde já que na Câmara Bolsonaro vai comer pelas mãos de Arthur Lira (corrupção ativa, lavagem de dinheiro, violência doméstica) e seus parceiros. Lira deve ganhar a presidência da Casa, mas mesmo que perca, será o guia do capitão naquele plenário. No Senado, com Rodrigo Pacheco ocorrerá o mesmo. Como noticiou o Estadão na quinta-feira, o deputado já anunciou que, sendo eleito, vai torpedear CPIs contra o Planalto. Duas já estão na sua mira, a das Fake News e a da Saúde. E o senador avisou que não gosta de CPIs. Oras.

O governo vai voar em céu de brigadeiro e só sentirá turbulência se não soltar lastro toda vez que for exigido pelos aliados gulosos. Vai precisar se livrar de muito peso, é bom que se diga. Já sinalizou inclusive que pode criar novos ministérios para abrigar a turminha. Bolsonaro vai fazer concessões, nenhuma dúvida, mas não terá sequer uma agenda que consiga pelo menos balancear possíveis estragos que vierem a ser feitos por larápios. Como se viu na demissão do presidente da Eletrobrás, nem a agenda liberal sobreviveu a dois anos de governo. Fora o escancaramento na liberação de armas e munições, a pauta conservadora também não anda, porque a turma não é tão besta assim. O que vai sobrar é o velho toma-lá-dá-cá.

A Transparência Internacional divulgou esta semana o ranking atualizado de percepção de corrupção em que avalia 180 países. ªO Brasil ficou na 94ª posição, a pior de toda a América Latina. No ano passado, bateu seu recorde histórico. Este ano, melhorou três pontos em cem, mas continua em patamar mais baixo do que todos os anos anteriores. A explicação é simples. Segundo a ONG, a principal causa é a interferência política de Bolsonaro nos instrumentos de combate à corrupção, como nas já citadas AGU, PGR e PF. Também por influência do capitão foram fritadas as operações Lava Jato e Greenfield.

Mas, e daí? Qual a surpresa? Antes mesmo de ser eleito presidente, Bolsonaro já se valia dos cofres públicos para enriquecer. Ao ser flagrado desviando verba do auxílio moradia da Câmara, disse ao jornal “Folha de S. Paulo” que usava o dinheiro público “para comer gente”. Um corrupto de largo espectro, inclusive moral.

PF instrumental

Você, que temia ver a Polícia Federal ser instrumentalizada por Bolsonaro, esqueça. Já era, já foi. Ou alguém acha mesmo que com todas as ferramentas de que dispõe, inclusive com autorização para quebrar sigilos bancários, o órgão não conseguiria encontrar elementos para indiciar as pessoas que participaram e financiaram os atos antidemocráticos do ano passado? O relatório da delegada Denisse Dias Ribeiro enviado ao ministro Alexandre de Moraes deveria ser devolvido com advertência formal.

Michel Temer dois

Jair Bolsonaro adotou o método Michel Temer de governar. Quem está do seu lado, ganha cargo. Quem está contra, ou ameaça ficar contra, é cortado. É isso o que vem ocorrendo com cargos públicos federais ocupados por aliados de parlamentares que vão votar em Baleia Rossi para a presidência da Câmara. Estão sendo demitidos. Mas para por aí a semelhança entre os dois presidentes. Temer era tolerante e democrático, além de muito bem educado. Bolsonaro é aquilo que você sabe.

Dona Azenate

Falcatruas em compras não é novidade nas Forças Armadas brasileiras. Já no longínquo ano de 1991, O GLOBO noticiava que o Exército havia comprado fardas e roupa de cama e banho com preços bem acima dos praticados pelo mercado. A reportagem de Ricardo Boechat e Rodrigo França Taves rendeu aos dois o prêmio Esso, maior honraria jornalística daquela época. E agora, aparece a dona Azenate Barreto Abreu como intermediária de compras superfaturadas de leite condensado para o Ministério da Defesa. Ela nega, diz que vendeu apenas duas caixas. Segundo reportagem do Jornal de Brasília, Azenate é dona de três salas no subsolo de um prédio comercial no setor Sudoeste do Distrito Federal de onde saíram R$ 45 milhões em compras governamentais. Governos corruptos, como foi o de Fernando Collor em 1991, podem gerar um certo enfraquecimento moral coletivo.

Neto de peixe

O ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, deve apoiar o candidato de Bolsonaro na disputa para a presidência da Câmara. Vai de Arthur Lira, contra a articulação encaminhada pelo seu partido. Ele age com aquela cara de quem quer cargo. Aos que lhe cobram por dar aval ao antidemocrático Bolsonaro, Acmzinho diz que se o seu avô deu apoio a generais, por que ele não poderia se alinhar com um capitão.

Joga fora no lixo

A agressão de Bolsonaro aos jornalistas na quarta passada, quando ele mandou todos para a pqp, mostra o tamanho da lixeira em que o presidente do Brasil vai acabar sendo jogado. Alegando falsamente que a imprensa o acusou de comprar R$ 15 milhões em leite condensado, disse que as latas serviriam “para enfiar no rabo de jornalista”. Sabe qual o problema do capitão? Ele lê tudo pela ótica odienta da sua timeline. Os jornais nunca atribuíram ao presidente a compra do leite, embora tenham relatado que havia indícios de superfaturamento. Uma vez que não lê jornais e não assiste a telejornais, o que ele acompanhou foi a repercussão da história nas redes sociais. E então explodiu no mar de esgoto que se viu.

Vergonha Flamengo

A imagem dos jogadores do Flamengo rindo como se fossem velhos amigos de Bolsonaro deve-se colocar na conta do presidente do clube Rodolfo Landim. O vereador gazeteiro Marcos Braz também tem culpa. Ele estava naquela tarde de sexta em Brasília puxando o saco do presidente enquanto os seus colegas trabalhavam em favor dos cidadãos do Rio. Foram Landim e Braz que contrataram Aleksander Santos para ser o diretor de relações institucionais do clube. E este, um ex-guardião de Crivella, fez a ponte do Flamengo até o capitão.

Faltam cubanos

Não se pode negar que os 18 mil médicos cubanos do programa “Mais médicos” do governo Dilma seriam muito úteis hoje. Eles trabalharam em mais de quatro mil municípios e sua área de abrangência cobria 63 milhões de brasileiros. Que reforço espetacular representariam na linha de frente do combate ao coronavírus.

Boa iniciativa

Uma surpresa na Delfim Moreira. A construtora Gafisa cedeu o espaço em que vai levantar um prédio para que o artista plástico Raul Mourão exponha duas de suas megaobras interativas. Vale visitar. Fica entre a João Lira e a José Linhares.

Correção

Na semana passada, me referi a um bate papo online frustrado que se daria entre Gean Loureiro, prefeito de Florianópolis, e Júlio Garcia, presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Disse que o talk não ocorreu em razão da prisão de Garcia horas antes do encontro. Errei. Júlio Garcia foi preso, sim. Nenhum problema aí. O erro foi ter identificado o prefeito Loureiro como governador do estado.

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