Correr
para o colo de Bolsonaro foi um tremendo erro de cálculo político
Reza
o manual das boas maneiras políticas que se devem dar pelo menos cem dias antes
de criticar mais duramente um governante recém-eleito. Até mesmo o bispo
Marcelo Crivella mereceu essa deferência quando iniciou seu ruinoso mandato
como prefeito do Rio há quatro anos. Eduardo Paes recebeu a mesma benevolência
ao assumir pela primeira vez a prefeitura. Talvez merecesse igual cuidado
agora, apesar de ser um gato já bem escaldado. Mas não. Desta vez não dá para
esperar o fim da “lua de mel”.
Primeiro. Como pode um prefeito que vem do campo democrático correr, antes mesmo de tomar posse, para o colo do presidente Jair Bolsonaro? Claro que Paes sabia muito bem que estava tratando com um homem perigoso, instável, que gera permanente risco para as instituições. Um presidente que apenas continua na cadeira porque os líderes que temos no Congresso são os que já vimos e sobre os quais já falamos. O presidente a que Paes se alinhou cometeu mais de uma dúzia de crimes de responsabilidade.
O
prefeito vai dizer, e já disse antes, que precisa governar e fazer
entendimentos em favor do Rio, do povo do Rio. Claro, mas para isto existem os
canais tradicionais. Entendimentos se fazem pelos diversos mecanismos de
interlocução entre os municípios e a União. Pelos secretários com ministros,
por entidades municipais e federais, com os instrumentos que permeiam as
diversas camadas de poder, formando pontes entre as instâncias. O prefeito não
precisava pedir a bênção do presidente. Não precisava, não devia e de nada
adiantará o gesto prematuro.
Se
puxar o saco do presidente adiantasse, o abilolado bispo Crivella teria feito
uma boa gestão, com dois anos cheio de dinheiro e projetos. E, se não fosse
reeleito diante da “bonança”, pelo menos não deixaria um rombo de R$ 10
bilhões. Correr para o colo de Bolsonaro não foi apenas um tiro n’água. Foi um
tremendo erro de cálculo político de Paes. Na terça passada, Bolsonaro disse
que “o Brasil está quebrado” e que não pode fazer mais nada. A frase poderia
ser lida assim: “Não adianta ninguém vir aqui me bajular, porque não tem
dinheiro”.
Ainda
durante a campanha, o então candidato afirmou, numa reunião virtual com
dirigentes da Associação Comercial do Rio, que aqueles que o consideravam um
bom gestor veriam que ele é “melhor ainda na articulação política”. Segundo
reportagem do “Valor Econômico” do dia 5 de novembro do ano passado, ele
destacou que o encontro se devia a sua “astúcia política”. Pois o astuto
Eduardo Paes não esperou a posse para colar sua imagem na do homem que pisa
sobre as instituições democráticas, despreza a vida humana e debocha da
tortura.
Ao
sair do encontro de uma hora com Bolsonaro, no dia 15 de dezembro, Paes disse
que a “conversa foi muito agradável” e afirmou que seria um parceiro do
presidente no Rio. Aproveitou e bancou seu porta-voz, anunciando uma MP que
liberaria (?) R$ 20 bilhões para a compra de vacinas. E disse que o Rio queria
ser a “vanguarda” da vacinação. Bobagem. Depois da posse, avisou que não fará
nada e seguirá o plano de Bolsonaro. Quer dizer, o Rio não será vanguarda de
coisa nenhuma, ao contrário.
É
grave, mas tem mais. Na segunda-feira, num movimento típico do negacionismo
bolsonarista, a prefeitura anunciou que vai fechar para carros as pistas da
orla nos fins de semana. Para explicar a medida que nenhum infectologista
entendeu, garantiu que ela foi “respaldada” pela Secretaria municipal de Saúde.
Sim, e daí? Em seguida, inventou que a proibição de lazer na orla levou as
pessoas a se aglomerarem nos calçadões. E fez gracinha, ao dizer que tem ainda
de levar em conta “questões ligadas à saúde mental” das pessoas.
Embora seja tão letal quanto o coronavírus, o bolsonarismo é eliminado sem vacina. Basta um pouco de bom senso e um passo atrás. Mas tem que ser rápido, se não a doença entranha e gruda. Paes ainda pode ser descontaminado.
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