quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - Vacina já

- O Globo

Cabe à sociedade, às pessoas, às instituições e às lideranças conscientes fazer pressão para que o imunizante seja liberado

É óbvio que o governador de São Paulo, João Doria, prepara sua candidatura à Presidência em 2022. É mais óbvio ainda que entregar uma vacina contra o coronavírus será um trunfo na campanha.

Também é óbvio que o presidente Jair Bolsonaro é candidato à reeleição, vendo, neste momento, João Doria como seu principal adversário. Logo, Bolsonaro não vê com bons olhos a vacina do Doria, ainda mais que ele, presidente, é negacionista e não tem a “sua” vacina.

Vai daí, se conclui que há uma espécie de guerra da vacina entre o governador paulista e o presidente. E isso coloca os dois no mesmo nível — como se ambos estivessem usando a questão da vacina apenas como instrumento político.

Está muito errado. Doria está ao lado dos principais líderes mundiais que, com o apoio de infectologistas e sanitaristas, entenderam que a vacina é a única saída para as crises de saúde e econômica. Como outros dirigentes, o governador paulista foi atrás da vacina. E está entregando.

Se isso traz uma vantagem política para Doria, é outra história, que se vai conferir lá em 2022. Mas o fato é que o governador entregou uma vacina, em condições de uso imediato. Tem estocado nada menos que 8 milhões de doses e um programa viável de produção em massa do imunizante.

Parênteses: deixamos de lado as informações técnicas (eficácia, segurança etc.), primeiro porque o leitor encontra ampla cobertura nas outras páginas e, segundo, porque os especialistas ouvidos concordam que se trata de uma boa vacina, bastante bem testada.

Já voltando a Bolsonaro, ele desdenhou a doença e os mortos. Não moveu um dedo para obter vacinas. Ao contrário, debochou do que ele e seu pessoal chamam de “vachina”, disse que ela poderia causar danos irreparáveis a quem a tomasse e que ele, presidente, não a tomaria, nem qualquer outra. Isso quando líderes mundiais tomam a picada em público para mostrar à população a necessidade da imunização.

Portanto, não se pode dizer que há uma guerra das vacinas entre Doria e Bolsonaro. Se é para usar esse termo, então se deveria dizer que há duas guerras. Uma, do Doria, para obter a vacina. Outra, do presidente, para bloquear a vacina.

Doria ganha. Mas o presidente tem ainda uma arma poderosa, a Anvisa, agência sob seu controle, de que depende a autorização de uso emergencial da CoronaVac.

Em circunstâncias normais e com pessoas normais, a gente diria que ninguém seria louco a ponto de bloquear um remédio que pode salvar milhares de vidas. Mas não há nada de normal quando se trata de Bolsonaro e sua turma.

Cabe à sociedade, às pessoas, às instituições e às lideranças conscientes exercer pressão para que a vacina seja liberada a tempo e para que o governo federal compre ou autorize a compra a de qualquer outra vacina, por instituições públicas e privadas.

Por outro lado, é óbvio que Doria fez marketing político em cima da vacina. Basta ver a quantidade de fotos que sua assessoria distribuiu, mostrando o governador exibindo as caixinhas de vacina.

Não deveria ter feito? Ou deveria ter sido, digamos, mais reservado? Poderia, mas o governador tem seu argumento: mostrar o andamento do processo para a população.

A ver.

De todo modo, pegou mal a divulgação parcelada do resultado dos testes, começando pelos melhores e entregando a eficácia geral de 50% só no final, depois da pressão da imprensa e de especialistas.

No fim, acabou tudo sendo bem explicado, mas o governador não poderia ter cometido esse equívoco, ele que é justamente um especialista em marketing. Deixou no ar uma desconfiança desnecessária, que tem de ser dissipada à custa de muita informação.

Tudo considerado, o fato é o seguinte: o Brasil tem uma boa vacina já aqui estocada; a vacinação pode começar imediatamente; governadores e prefeitos pelo país afora declaram ter tudo pronto para iniciar a imunização; o número de mortos passa de mil por dia.

Vacina já!

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