segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Celso Rocha de Barros* - Manaus Can't breathe'

- Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro é o policial com o joelho no pescoço de Manaus enquanto a cidade grita

Jair Bolsonaro é o policial com o joelho no pescoço de Manaus enquanto a cidade grita “I can’t breathe”.

Durante toda a pandemia, o presidente da República oscilou entre a negligência criminosa e a sabotagem sádica contra quem pelo menos tentasse combater a doença —como alguns ministros e governadores tentaram.

Três semanas antes da tragédia de Manaus, Bolsonaro aumentou o imposto de importação dos cilindros de oxigênio —enquanto baixava as tarifas para as armas que pretende usar em seu golpe de Estado. Bolsonaro faz campanhas contra vacinas e contra o uso de máscaras. Bolsonaro nos colocou no fim da fila do mundo para a vacinação, não só por sua conhecida falta de disposição para o trabalho, mas também por psicopatia: torceu contra e gargalhou com cada notícia ruim sobre as vacinas compradas pelo governador João Doria. Até que chegou o dia em que viu que não tinha jeito e resolveu confiscá-las e mentir que quem as comprou foi ele.

No caso específico de Manaus, deputados bolsonaristas como Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF), Daniel Silveira (PSL-RJ) e Carla Zambelli (PSL-SP) comemoraram a derrota da tentativa do governador do Amazonas de estabelecer o isolamento social. As pessoas não teriam agonizado sem ar se eles não tivessem sido vitoriosos. É gente ruim que quer ver brasileiros mortos.

deputado Osmar Terra (MDB-RS), formado em medicina, alimentou o governo com projeções falsas desde o começo da epidemia. Há poucos dias, dizia que as reclamações sobre Manaus eram “alarmismo”. Terra vinha afirmando que já havia “imunidade de rebanho” em Manaus, o que é evidentemente falso. Terra entrou para a história da medicina brasileira como um Oswaldo Cruz ao contrário, um médico que lutou para que os brasileiros não tivessem como se defender das epidemias. Continua tentando voltar ao ministério escalando uma pilha de cadáveres. Talvez consiga.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, é tão incompetente que eu torço para que seja o responsável por comprar a munição em caso de golpe de Estado. Mas não caiam na conversa que tenta fazer dele o bode expiatório da crise.

Pazzuelo assumiu o ministério depois que Bolsonaro demitiu dois ministros da saúde que tentaram trabalhar, Mandetta e Teich. Quando Pazzuelo quis comprar vacina, Bolsonaro o desautorizou publicamente. Sim, Pazzuelo foi a Manaus pouco antes da crise, recebeu inúmeros avisos, não fez nada. Mas não fazer nada é claramente o que ele entendeu que tem que fazer para continuar no cargo.

Por que essa gente ainda tem mandato, por que ainda estão soltos? Ao que parece, este rebanho, sim, tem imunidade à lei.

O acordão de 2020, em que Bolsonaro adquiriu o direito de fazer virtualmente qualquer coisa desde que matasse a Lava Jato, entregasse cargos ao Centrão e não desse um golpe de Estado, revelou-se um dos maiores desastres de nossa história recente. Em troca de uma estabilidade extremamente frágil, que Bolsonaro volta a ameaçar sempre que quer, perdemos 200 mil brasileiros e vamos deixando de ser um país para nos tornarmos uma área de desastre que o resto do mundo quer isolar e esquecer.

Até 2018, o resto do mundo olhava para o Brasil e se perguntava, “Como um país desses não se desenvolve?” Depois de dois anos de Bolsonaro, concluíram que “Ah, por isso” e foram fazer outra coisa.

*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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