quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Fabio Giambiagi* - O tabuleiro de 2022

- O Estado de S. Paulo

Começa um jogo que exigirá muita habilidade e estratégia dos participantes

Começam agora os primeiros movimentos visando a 2022. Em qualquer democracia o presidente tende a ser um candidato forte nas eleições. Até Mauricio Macri, com mais de 50% de inflação, foi um candidato competitivo na Argentina. Seria tolo não considerar o presidente Jair Bolsonaro um candidato de peso para 2022 se a economia estiver em condições minimamente decentes, isto é, crescendo – ainda que abaixo do desejável – e com inflação baixa.

Por outro lado, seria também ingênuo julgar que, pela elevada popularidade que ele teve em 2020, será um candidato imbatível. Parte daquela popularidade foi decorrência do auxílio do “coronavoucher” outorgado durante meses a 60 milhões de pessoas, que não se repetirá neste ano. E tudo indica que o governo enfrentará as eleições com desemprego alto e crescimento do produto interno brito (PIB) inferior ao de 2021. São elementos que uma oposição competente deveria ser capaz de explorar.

No “canto oposto” estará o PT, com Lula – se voltar a ser ficha-limpa – ou outro candidato. Vou fazer um raciocínio bastante elástico, mas que reflete a margem de incerteza existente: tanto Bolsonaro como o PT têm potencial para ter, cada um, entre 20% e 35% dos votos válidos no primeiro turno. Não é muito provável que cada um desses dois polos sofra uma erosão que os situe abaixo desse piso e também é pouco provável que tenham um desempenho eleitoral inicial que os leve a ultrapassar o máximo dessa margem.

Isso significa que há espaço para uma candidatura forte de centro. Mas 1) tal espaço dependerá de pelo menos um dos candidatos – o do PT ou Bolsonaro – se situar mais perto daquele piso que do teto: no limite, com 35% para cada um, não haverá possibilidade de um terceiro candidato passar ao segundo turno; e 2) a viabilidade dessa construção política dependerá do grau de fragmentação das ofertas que houver pelo centro: quanto mais dividido este for à disputa, menor a chance de uma das candidaturas ultrapassar uma das duas primeiras nas pesquisas atuais.

Aqui há uma particularidade, que é a existência no campo, lato sensu, do “centro” – aqui utilizado como sendo “nem petista nem bolsonarista” – de duas candidaturas algo “híbridas”, por terem esse lado “nem-nem”, mas, por outro lado, terem sua origem política vinculada a um lado: Ciro Gomes, ao PT – de cujo governo foi ministro –, e Sergio Moro, a Bolsonaro – de quem também foi ministro.

Como é muito pouco provável que Moro supere Bolsonaro nas pesquisas que forem feitas em 2021, creio que ele não estará no grid de 2022 – ainda mais depois de suas recentes opções profissionais.

Seguindo com esse raciocínio, um ponto a explorar nas pesquisas é: sendo Ciro um candidato forte, ele esvaziaria o PT ou tiraria votos do centro? Se esvaziar o PT, pode jogá-lo para mais perto do piso e abrir espaço para que o partido não chegue ao segundo turno. Já se não capturar votos petistas, tornará a tarefa do centro de colocar uma cunha entre o PT e Bolsonaro praticamente impossível se esse espaço ficar congestionado com Ciro e outro candidato que tenha entre 15% e 25% de votos.

Isso nos leva ao restante do quadro – deixando de lado candidaturas menores. Esse quadro inclui nomes como Luciano Hulk, João Doria e Luiz Henrique Mandetta, com uma qualificação acerca do primeiro: do ponto de vista da sua atuação profissional, a melhor estratégia é prorrogar a decisão ao máximo, até o final de 2021. Porém é possível que o tempo da política demande dele decisões prévias, sob pena de o espaço de centro ficar paralisado à espera da sua decisão, com prejuízos eleitorais para os parceiros. Se esse raciocínio for correto, talvez ele tenha de se decidir antes do que gostaria.

Quando se adicionam os votos dos candidatos de centro nas pesquisas atuais, a soma permitiria a um beneficiário dessa canalização de votos um excelente desempenho em 2022. O desafio para o centro será convergir num único nome que receba algo próximo à totalidade dos votos de quem, nas pesquisas atuais, diz votar em cada um desses nomes, de modo a que tais votos se somem.

Para isso, esse nome terá de acender as esperanças de um eleitorado ressabiado e se apresentar com uma mensagem que não seja apenas “não ser isto nem aquilo”, e sim a de mostrar à sociedade o que pretende fazer e como conseguirá governar no quadro político complexo que caracteriza o País.

Minha impressão é que teremos duas lutas surdas nos próximos 20 meses: de um lado, Ciro tentando ultrapassar o PT nas pesquisas; do outro, a construção de centro tentando ultrapassar Bolsonaro. O campo que trouxer um terceiro candidato poderá ficar fora da disputa – como aconteceu no Rio, onde a fragmentação entre o PDT, o PT, a Rede e o PSOL tirou a esquerda do segundo turno. Esse é o dilema de Guilherme Boulos: não sendo mais nanico, se for candidato poderá crescer e tirar a esquerda do segundo turno.

Começa um jogo que exigirá muita habilidade e estratégia dos participantes. Goste-se ou não, é a política – uma arte para poucos.

*Economista

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