sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Míriam Leitão - Mundo paralelo da equipe econômica

- O Globo

No ano passado o mercado de trabalho encolheu, fortemente. É até óbvio. Aqui e no mundo a pandemia foi devastadora para o emprego. A equipe econômica de Jair Bolsonaro quer fazer crer que houve criação de emprego e que ao fim do ano o país tinha 142.690 de vagas a mais com carteira assinada do que em 2019. No mesmo dia, no mesmo governo, a informação do IBGE é que no trimestre terminado em novembro havia 3,5 milhões de trabalhadores a menos com carteira assinada em relação a 2019. No mercado como um todo, a queda é de 8,8 milhões de pessoas ocupadas.

O Caged, divulgado pelo Ministério da Economia, registra as demissões e contratações do mercado formal. O IBGE faz a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Eles medem coisas diferentes, mas quando o IBGE diz que são empregados com carteira está, teoricamente, medindo a mesma parcela do mercado de trabalho que o Caged. Em algum momento, deveriam convergir, mas estão discrepantes.

O ministro Paulo Guedes anunciou o número do Caged, que registrava perda de emprego, 67 mil em dezembro, mas que terminava o ano com o saldo positivo. E o fez repetindo discurso político com comparações com o pior período petista. 

Uma perda de tempo, porque ele poderia até contar uma boa história comparando esse ano singular que foi 2020 com o que poderia ter sido. As medidas do governo de fato atenuaram as demissões e a recessão. O PIB deve ter uma queda em torno de 4,5%. As previsões iniciais eram bem piores. Mas não há como negar que foi um ano terrível para o mercado de trabalho.

O economista Daniel Duque, do Ibre/FGV, que foi um dos primeiros a alertar para a diferença que estava acontecendo entre o Caged e o IBGE, tinha no começo duas hipóteses para a discrepância: subnotificação e metodologia.

— A subnotificacão aconteceu mais no meio da pandemia, lá para abril a junho — explicou.

O Caged é feito a partir da informação das empresas. Muitas fecharam as portas e nada informaram. Houve dificuldade de registro também por causa de mudança na metodologia que houve em janeiro do ano passado. Emprego intermitente antes não era obrigado a informar. Agora no novo Caged é. Há outras alterações que parecem confusas até para os especialistas.

— A questão toda é que quando a gente tem uma série é preciso ter referência sobre como ela se comporta. O Caged sempre teve correspondência boa com o PIB e nível de atividade. Quando acelera, tem emprego e vice-versa. O novo Caged a gente não sabe mais a referência. Num ano de queda do PIB, há geração líquida de 142 mil vagas — diz Daniel Duque.

E o IBGE, o que disse ontem? A Pnad mostra dados trimestrais. De setembro a novembro o Brasil chegou a uma taxa de 14,1% de desocupação, ligeiramente menor do que no trimestre anterior terminado em agosto. Mas representando 14 milhões de pessoas desempregadas, ou seja, procuraram emprego e não encontraram. Com a pandemia, a necessidade de distanciamento social, as medidas restritivas mais severas, muita gente nem procura emprego. Então não entra na estatística. Os desalentados, que nem pensam em procurar, são 5,7 milhões. Há uma grande tragédia no mercado de trabalho. Não adianta agarrar-se a um dado que deu positivo para elogiar-se e atacar o adversário político. Ademais, Ministério da Economia deveria ser técnico, e não ficar todo o dia atravessando a rua para brigar do outro lado.

Daniel Duque ajuda a entender essa complexidade que está sendo medir o que acontece no mercado de trabalho no meio da pandemia:

— Pnad e Caged contam histórias muito diferentes. Desde o início da pandemia, o Caged mostrava uma queda muito menor do emprego, e depois passou a mostrar uma recuperação mais forte do que o dado da Pnad para o emprego formal. O IBGE, quando mostra a recuperação do emprego, é principalmente do informal. Eu tendo a acreditar mais na Pnad Contínua por vários motivos. Um deles é que tem maior correspondência com a atividade econômica.

Equipe econômica que se agarra a um número parcial positivo e não vê o todo não ajuda muito a enfrentar a crise. Até porque nós estamos em novo agravamento do número de mortes e contágios, e há muita incerteza na economia. O país tem um outro ano duro pela frente em que a capacidade de formulação de políticas para atenuar os problemas será novamente exigida.

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