sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O penoso caminho da vacina – Opinião | O Estado de S. Paulo

Enfim, o governo federal parece dar-se conta de que, para superar a pandemia do novo coronavírus, não há elixir mágico e é preciso vacinar a população.

Enfim, o governo federal parece dar-se conta de que, para superar a pandemia do novo coronavírus, não há elixir mágico e é preciso vacinar a população. Segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a vacinação contra a covid-19 deverá começar na próxima quarta-feira, dia 20. 

Talvez esse longo e tortuoso processo para o início da vacinação tivesse sido um pouco mais breve e retilíneo – gerando menos apreensão na população –, se o presidente Jair Bolsonaro e o intendente Eduardo Pazuello tivessem assimilado uma das habilidades previstas para o 7.º ano do Ensino Fundamental na Base Nacional Comum Curricular. Trata-se de documento de caráter normativo que define as aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica.

A décima habilidade prevista na área de ciências para alunos do 7.º ano (12 anos) é “argumentar sobre a importância da vacinação para a saúde pública, com base em informações sobre a maneira como a vacina atua no organismo e o papel histórico da vacinação para a manutenção da saúde individual e coletiva e para a erradicação de doenças”. A Base Nacional Comum Curricular, na parte referente ao Ensino Fundamental, foi aprovada em 2017.

De fato, parece que Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello tiveram dificuldades com a habilidade prevista para a garotada de 12 anos. Ao longo dos últimos meses, por exemplo, trabalharam como se não soubessem que a vacinação contra a covid-19 exige seringa e agulha. Agora, no entanto, parecem ter finalmente captado que a população quer a vacina. E desejam transformá-la em um grande palanque eleitoral.

Antes mesmo de ser divulgada a data de início da vacinação, o Ministério da Saúde informou que haverá na próxima terça-feira, dia 19, um evento no Palácio do Planalto para festejar a vacina. Não sabe se haverá seringa e agulha para todos – sete Estados não têm estoque suficiente de seringas e agulhas para vacinação contra a covid-19 –, mas o Ministério da Saúde já definiu qual será o slogan da cerimônia: “Brasil imunizado, somos uma só nação”.

Depois de tantas dificuldades colocadas pelo governo de Jair Bolsonaro para a vacinação contra a covid-19, a ideia de realizar um evento festivo-eleitoral no Palácio do Planalto soa a escárnio contra a população. Não há notícia de algum governo no mundo que tenha tido o descaramento de começar a vacinação contra a covid-19 com um evento em sua sede oficial. Em geral, como o bom senso e a saúde pública recomendam, os esforços estão voltados para vacinar os grupos prioritários. O evento do dia 19 é mais um sintoma das enormes dificuldades de Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello para “argumentar a importância da vacinação para a saúde pública”.

A corroborar que o Palácio do Planalto vê a vacina como questão político-eleitoral, o governo federal informou que proibirá a aquisição de vacinas por empresas para imunização de funcionários. A notícia foi dada no dia 13 por representantes dos Ministérios da Saúde, das Comunicações e da Casa Civil a empresários, em reunião organizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

A vacinação contra a covid-19 promovida por empresas para seus funcionários pode reduzir os gastos públicos e agilizar o processo de imunização da população, além de favorecer o retorno à normalidade da atividade econômica, com consequências positivas sobre o emprego e o ambiente de negócios. Fornecer ou não vacina para funcionários é uma decisão unicamente empresarial na qual governo algum deveria se meter. No entanto, o liberal governo de Jair Bolsonaro prefere declarar que a vacinação contra a covid-19 é monopólio estatal. 

É impressionante a capacidade do governo de Jair Bolsonaro de transformar até mesmo aquilo que seria uma boa notícia – a disponibilidade de vacinas contra a covid-19 para a população –, num grande imbróglio. O penoso quadro revela a importância de cuidar da educação de todas as crianças, para que todas elas, sem exceção, desenvolvam as habilidades previstas na idade correspondente. Com isso serão evitados muitos problemas no futuro.

Precedente perigoso – Opinião | O Estado de S. Paulo

Concessão de descontos a membros da PM na Ceagesp é medida de inspiração miliciana.

Semanas depois de ter feito um agressivo discurso na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), prometendo que não privatizará a empresa, informando que escolheu para dirigi-la um coronel reformado de sua confiança e elogiando a atuação da Polícia Militar (PM) de São Paulo no combate ao crime, o presidente Jair Bolsonaro voltou a cortejar os membros da corporação. Desta vez, ele os brindou com uma medida absurda e ilegal, anunciada no sábado passado, em mais uma de suas costumeiras falas no cercadinho do Palácio da Alvorada. Sob a alegação de que sempre privilegiou bandeiras corporativas nos tempos em que foi deputado, o presidente anunciou que a Ceagesp dará descontos aos “fardados” que fizerem compras em suas instalações. “O policial militar de São Paulo pode comprar agora, fardado ou com documento, o que quiser para sua mesa com desconto de 20%”, afirmou. Em São Paulo, o coronel reformado da Polícia Militar por ele nomeado para a Ceagesp, Ricardo Mello Araújo, confirmou a concessão do benefício. Em nota, também afirmou que o desconto passará a fazer parte da “política da companhia”. Disse, ainda, que esse tipo de “política” é adotado “em muitos países”, sem enumerá-los.

Nem o presidente nem o coronel reformado, contudo, formalizaram a decisão que anunciaram. Nem poderiam fazê-lo, por vários motivos jurídicos, dos quais três merecem destaque.

Em primeiro lugar, como o Brasil é definido pela Constituição como uma república federativa e a Polícia Militar pertence ao governo do Estado de São Paulo, o presidente da República não tem competência legal para agir em áreas e atividades que não são de sua jurisdição. Apesar de a Ceagesp ser uma estatal federal, a manutenção da ordem pública em São Paulo é de responsabilidade da Secretaria da Segurança.

Em segundo lugar, como os custos dos descontos não serão bancados por órgãos públicos, mas arcados pelos permissionários da Ceagesp, que terão uma redução no seu faturamento em um período de crise econômica, o presidente da República e o coronel reformado que colocou à frente da Ceagesp estão impondo uma obrigação ilegal à iniciativa privada. Eles não só estão interferindo de modo abusivo e inconstitucional na economia de mercado, como também revelaram seguir uma prática tipicamente miliciana, no pior sentido da palavra, quando afirmaram que o desconto é uma “forma de agradecimento” a quem os protege. A impressão fica ainda mais reforçada quando o presidente da Ceagesp afirma que, apesar de a “política de descontos não ser uma imposição a ninguém”, procurará cada comerciante para que ajude “a quem nos tem ajudado”. Em terceiro lugar, a Constituição é clara quando afirma que os serviços públicos devem ser prestados em caráter geral e impessoal. 

Como as Polícias Militares são, além de órgãos policiais, braços armados dos entes federados, seus membros recebem soldos arrecadados dos contribuintes. Portanto, não faz sentido, em termos jurídicos, institucionais e morais, esse tipo de “agradecimento”. O que poderá ocorrer com quem não quiser “ajudar”? O precedente é perigoso, pois, se a moda pegar, outras corporações do funcionalismo passarão a reivindicar “ajudinhas” para fazer o que é sua obrigação funcional, abrindo assim caminho para uma prática generalizada de chantagem e de perseguição a quem não quiser contribuir. 

Por isso, antes que esse tipo de prática miliciana ou mafiosa se expanda, os órgãos de fiscalização têm de agir imediatamente. Cabe aos Ministérios Públicos federal e estadual investigar o que o presidente Bolsonaro chama de cumprimento de uma de suas “bandeiras corporativistas”. O “desconto a fardados” é um fato grave num momento em que o presidente Bolsonaro, além das “ajudinhas” concebidas para aliciar soldados, insufla motins nas Polícias Militares e flerta com a quebra da autoridade dos governadores sobre essas corporações.

Sem obras para o crescimento – Opinião | O Estado de S. Paulo

Governo tem pouca verba para investir e parte deverá ser gasta com armamento

Estradas continuarão a esboroar-se em 2021, se a infraestrutura, já muito comprometida, depender de dinheiro federal para se recompor e, numa hipótese quase fantasiosa, voltar a se expandir e a se modernizar. A verba para obras e outros investimentos, estimada inicialmente em R$ 28,6 bilhões, ainda poderá encolher, por causa da expansão de gastos obrigatórios. Em 15 anos esse foi o menor valor previsto para a formação de capital fixo para uso público. Mais do que nunca, o Brasil depende do capital privado para projetos indispensáveis ao funcionamento do País – como rodovias, ferrovias, portos, estruturas de geração e distribuição de energia e sistemas de água e saneamento.

Investimentos em máquinas, equipamentos, instalações, habitação e obras de infraestrutura fortalecem a economia de duas formas. O efeito imediato ocorre pela mobilização de mão de obra, muito importante para o aumento do consumo, e pela demanda de equipamentos, como tratores e guindastes, e de materiais, como cimento, combustíveis, metais, vidros, plásticos e cerâmicas. O efeito mais duradouro ocorre pela expansão da capacidade produtiva e da eficiência geral. Com maior potencial, o País pode crescer mais velozmente, por vários anos, sem pressões inflacionárias e com menor risco de gargalos nas contas externas.

O baixo ritmo da economia brasileira, nos últimos dez anos, é em grande parte explicável pelo baixo investimento e pela baixa eficiência do capital aplicado pelo governo, com muito dinheiro desperdiçado em obras mal projetadas, mal fiscalizadas, superfaturadas e com frequência inacabadas. Além de investir mais que a administração pública, o setor privado tende a usar o dinheiro com eficiência muito maior, exceto, talvez, no caso de setores empresariais superprotegidos e favorecidos com grandes benefícios fiscais.

Mesmo com o esforço maior do setor privado, o valor total investido anualmente vem-se mantendo, em média, nos últimos 20 anos, na faixa de 17% a 18% do Produto Interno Bruto (PIB). Em outros países emergentes, incluídos vários latino-americanos, a razão investimento/PIB tem sido bem maior. Taxas iguais ou superiores a 24% do PIB foram encontradas com frequência, antes da pandemia, e indicadores ainda maiores têm sido observados nas economias mais dinâmicas da Ásia.

No Brasil, o custo do capital, a tributação disfuncional e a instabilidade de regras têm sido, tradicionalmente, importantes obstáculos ao investimento privado. Com a redução dos juros básicos, iniciada no fim de 2016, o capital ficou menos caro e pelo menos esse entrave foi reduzido. Outros fatores, no entanto, mantiveram a economia em marcha lenta a partir de 2014. O baixo ritmo de expansão e de modernização da indústria manufatureira foi uma das características desse período. O agronegócio, no entanto, continuou a investir, a modernizar-se e a ampliar sua presença no mercado internacional. Poucos segmentos da indústria – e o aeronáutico talvez seja o melhor exemplo – exibiram esforço semelhante de modernização e de busca de eficiência.

O setor público permaneceu amarrado e isso se agravou nos últimos dois anos. O Orçamento-Geral da União continua engessado, com despesas obrigatórias consumindo mais de 90% das verbas. Neste ano essa restrição deve aumentar. O aumento dos gastos com aposentadorias e outros benefícios previdenciários vai tornar mais comprimida a parcela de recursos para obras e outros gastos “discricionários”. O mais novo problema apontado pelos técnicos do governo é o aumento do salário mínimo. O reajuste para R$ 1.100, pouco maior que o previsto anteriormente, deve consumir R$ 11,6 bilhões a mais do que se previa na proposta orçamentária.

Além de escassa, a verba para investimento ainda estará parcialmente comprometida com gastos militares. Novos tanques e outros armamentos estão entre as prioridades, segundo orientação do presidente Jair Bolsonaro. Reformas e boa gestão poderão superar outros problemas. O problema Bolsonaro é mais complicado e muito mais grave.

Intervenção no BB é mais um ataque ao liberalismo – Opinião | O Globo

Barrar reforma no banco confirma que Bolsonaro só se preocupa com seus projetos político-eleitorais

A ameaça de demissão de André Beltrão da presidência do Banco do Brasil revela a essência antiliberal de Jair Bolsonaro, que trata empresas estatais, mesmo as com ações em bolsa dentro e fora do país, como se estivessem subordinadas ao Planalto, à sua disposição para interferências políticas. Ex-presidente do HSBC, Beltrão foi levado para o banco pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para fazer uma gestão profissional. Esbarrou no projeto político e na visão ideológica de Bolsonaro sobre as estatais.

Assumiu o cargo em julho para substituir Rubem Novaes, que saiu se dizendo frustrado por não conseguir fazer privatizações no BB. Não é difícil deduzir de onde partiam as resistências. Desta vez, Brandão anunciou um necessário plano de enxugamento do banco, cada vez menos competitivo num setor em rápida evolução. O plano envolvia um programa de demissão voluntária para afastar 5 mil funcionários, fechar agências, escritórios e postos de atendimento, 361 unidades ao todo, gerando economia de R$ 353 milhões ainda este ano. Não faz sentido mesmo manter guichês e balcões quando, também no BB, cresce o número de operações feitas pelos clientes de forma digital.

Mas o programa de reestruturação não é considerado conveniente em meio ao toma lá dá cá que transcorre em Brasília para Bolsonaro eleger Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara dos Deputados. “Quem manda sou eu” é um dos bordões mais usados por Bolsonaro quando não gosta de alguma decisão tomada em seu governo. Ele reclama que não foi informado sobre detalhes do plano, aprovado pelo ministro Paulo Guedes.

Na quarta-feira, Bolsonaro recebeu a visita de nove deputados e um senador, preocupados com os efeitos do plano de enxugamento em suas bases. Consta que Paulo Guedes, além de procurar demover Bolsonaro, tenta substituir Brandão por alguém do mesmo perfil. O plano de Brandão, diga-se, é até modesto perto da real necessidade para o país: privatizar a área comercial do BB — não faz sentido o Estado operar um banco de varejo — e, se necessário, criar uma nova instituição financeira para as operações de fomento e crédito agrícola operadas pelo banco, área com que o BB tem ligação tradicional.

Fundado na chegada da família real portuguesa ao país, em 1808, o BB tem uma longa história de uso pelos donos do poder. A começar pela primeira falência, em 1821, quando Dom João VI voltou a Lisboa levando nas arcas o dinheiro do banco. Bolsonaro repete uma tradição secular da manipulação de estatais, sem qualquer preocupação com os acionistas privados da instituição financeira.

Todos os bancos têm planos de enxugamento para se adaptar à digitalização do setor, acelerada pela chegada das fintechs. Mas Bolsonaro se preocupa apenas com seu projeto político-eleitoral e, no momento, em eleger Lira para controlar a pauta da Câmara. A queda de braço em torno do BB resulta em mais uma derrota a seu ministro da Economia, a cada vez menos visível face liberal do governo.

Governos precisam priorizar volta às aulas presenciais com segurança – Opinião | O Globo

Manter os alunos afastados da escola provoca prejuízos às crianças — e não só pedagógicos

Apesar do significativo aumento de casos de Covid-19 no país a partir de novembro, de modo geral as atividades não foram paralisadas. Restaurantes, bares, boates, academias, cinemas, shoppings continuam em funcionamento. Mas a reabertura das escolas, que permaneceram fechadas a maior parte de 2020, ainda é marcada por incertezas.

Muitas prefeituras já anunciaram para o inicio de fevereiro a volta às aulas. A menos de um mês do retorno, contudo, faltam planos para a retomada. Pais, alunos e professores não sabem se as aulas serão presenciais, se continuarão remotas ou se haverá um sistema híbrido. Por vezes, nem há definição sobre data. Como mostrou reportagem do GLOBO, de 12 municípios da Região Metropolitana do Rio, apenas três (Belford Roxo, Magé e Guapimirim) fixaram prazo para o retorno e, mesmo assim, de forma semipresencial.

Estudos mostram que manter os alunos afastados das salas de aula traz prejuízos às crianças, não só pedagógicos, mas também de ordem psicológica e de segurança — a violência doméstica aumentou na pandemia. Sem falar que amplia o abismo já existente no ensino do país. Segundo a Secretaria municipal de Educação do Rio, 77 mil alunos, que representam 12% do total, não puderam acessar as aulas remotas. O ano deles foi perdido. Mesmo entre os 88% que estudaram à distância, não se sabe o percentual daqueles que efetivamente conseguiram acompanhar as aulas.

Em carta enviada na semana passada aos prefeitos e prefeitas recém-eleitos no Brasil, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) pede que priorizem a educação e a reabertura segura dos estabelecimentos. “As escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a reabrir em qualquer emergência ou crise humanitária. É fundamental empreender todos os esforços necessários para que as escolas de educação básica reabram no início deste ano escolar, em segurança”, diz o documento. O movimento Todos pela Educação também deflagrou uma campanha com orientações às prefeituras para permitir um retorno seguro às salas de aula.

Governos devem aproveitar este início de ano para dar prioridade à educação — o que não aconteceu em nenhum momento dos 11 meses de pandemia. As crianças não estão entre os grupos mais vulneráveis ao novo coronavírus. Vários países que decretaram lockdown devido à segunda onda de Covid-19 mantiveram escolas abertas.

Os danos de fechá-las vão além do ano perdido. Teme-se que os estudantes que não conseguem acompanhar as aulas acabem deixando a escola. Desalentador para um país em que a educação deveria ser prioridade. Já é fato que a pandemia comprometeu seriamente o presente. Não se pode deixar que comprometa também o futuro.

STF moroso – Opinião | Folha de S. Paulo

Novo foro ainda não deu resultado; corte deve privilegiar papel constitucional

Mesmo quando não falha, a Justiça certamente pode tardar. Esse parece ser o caso do Supremo Tribunal Federal, ao menos em temas criminais. Levantamento da Folha mostrou que, a despeito da limitação do alcance do foro especial adotada em 2018, o trabalho da corte não se tornou mais célere.

Foi justamente para atender à demanda da sociedade por julgamentos mais tempestivos de autoridades que o foro especial —não raro associado de forma errônea à impunidade— passou a valer somente em investigações de crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao cargo do acusado.

Mas a redução de casos em análise no STF não resultou, ao menos até o momento, na superação de atrasos que se verificam em diferentes fases do processo penal.

Como mostrou este jornal, o tribunal leva, em alguns casos, mais de três anos para decidir se aceita ou não uma denúncia da Procuradoria-Geral da República.

Entre os 82 inquéritos públicos e em segredo de Justiça que tramitam na corte e miram 60 políticos, 12 aguardam decisão dos magistrados. Em 41 casos, as investigações estão em andamento.

A fila abarca um conjunto suprapartidário de nomes, que obviamente cresceu nos últimos anos em razão da Operação Lava Jato. Cumpre observar que os inocentes têm mais a perder com a delonga.

O Supremo peca por falta de transparência na administração do próprio tempo. Seu presidente tem o poder discricionário de pautar os casos a serem examinados no plenário do tribunal, que hoje incluem as ações penais.

Há empecilhos mais estruturais. Diferentemente da Suprema Corte dos EUA, o STF trata de um amplo leque além da constitucionalidade de leis. O resultado é um acúmulo exagerado de tarefas.

Como um tribunal de vocação constitucional, o Supremo não está equipado para levar adiante processos penais inteiros. Os incentivos institucionais à morosidade, ademais, são numerosos.

Aqui podem ser citados os pedidos de vista pelos ministros que extrapolam, sem punição direta, o prazo regimental, além de dificuldades burocráticas como lentidão em notificações judiciais.

Esta Folha defende reorientar o STF para o seu caráter constitucional, reduzindo por lei a sua competência originária em ações penais.

A morosidade impõe custo reputacional ao Supremo Tribunal e obstrui o provimento oportuno da Justiça, alimentando a percepção, correta ou não, de impunidade.

Miopia à francesa – Opinião | Folha de S. Paulo

Macron fala bobagem sobre soja, mas cerrado merece tanta atenção quanto Amazônia

Qualquer pessoa com conhecimento sobre commodities entende que o presidente da França, Emmanuel Macron, falava para seu público interno ao desfechar o ataque à soja brasileira, na terça-feira (12), numa rede social. Não é só no Brasil que políticos oportunistas alvejam desafetos estrangeiros para recauchutar sua imagem doméstica.

A ideia de que agricultores franceses possam plantar quantidade suficiente do grão para tornar aquele país autossuficiente é risível, para não falar da clara impossibilidade de competir em preços com o produto brasileiro.

A desculpa de que toda a soja exportada seja oriunda de desmatamento na Amazônia tampouco se sustenta, mas o vínculo entre esse cultivo e a perda de vegetação natural merece exame mais cauteloso.

O primeiro ponto a considerar é a existência de uma moratória para a comercialização de soja proveniente de áreas amazônicas devastadas recentemente.

Apesar dela, artigo de pesquisadores do Brasil, da Alemanha e dos EUA publicado há seis meses no periódico Science estimou que 500 mil toneladas do grão exportado daqui para a União Europeia podem estar contaminadas por desmatamento ilegal na Amazônia.

Isso corresponde a menos de 4% do total embarcado do Brasil para a UE, cerca de 14 milhões de toneladas. Além disso, só uma parte terá sido colhida em áreas desmatadas ilegalmente, pois mesmo propriedades com passivo ambiental possuem áreas de cultivo autorizado, e apenas uma pequena parcela terá seguido para a França.

De um ponto de vista quantitativo, o ataque de Macron parece insustentável. Dito isso, há que assinalar o fato de a maior parte da soja brasileira exportada para a Europa ser oriunda não da Amazônia, mas do bioma cerrado, de onde teria saído outro 1,4 milhão de toneladas sob suspeita.

A atenção de Macron e do público se volta para a floresta amazônica, por sua biodiversidade e pela aceleração das derrubadas no governo de Jair Bolsonaro, que não faz questão de disfarçar sua agenda antiambiental. Entretanto cumpre apontar que o cerrado —não menos importante do ponto de vista ecológico— sofre pressão maior.

A savana que cobre o Centro-Oeste perdeu 7.340 km² no último ano, ante 11.080 km² na Amazônia, cuja área é mais de 100% maior. A expansão da soja, assim como a da pecuária, do milho e do algodão, está na origem dessa devastação mais pujante e menos valorizada.

O avanço desordenado da fronteira agrícola pode bem tornar realidade, em alguns anos, a acusação lançada hoje sem conhecimento de causa por Emmanuel Macron.

Os sinais ruins que deixa a saída da Ford do Brasil – Opinião | Valor Econômico

A reestruturação da produção automobilística global e as dificuldades em lidar com ela têm um papel central na decisão da Ford

A decisão da Ford de encerrar a produção de veículos no Brasil despertou forte reação no país. As manifestações foram das mais sentimentais às mais ríspidas. Não faltaram nas redes sociais o desfile de fotos de modelos icônicos de automóveis, que marcaram os pouco mais de cem anos da marca no país, e a lembrança da Fordlândia, que a empresa projetou em plena Amazônia.

O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que a montadora ganhou bastante dinheiro no país e deveria ter ficado um pouco mais. O presidente Jair Bolsonaro, bem ao seu estilo, elevou o tom e disse que faltou à empresa falar a verdade: teria saído porque não conseguiu mais subsídio. A Ford justificou a decisão pela necessidade de cortar custos. Indústrias se queixam da elevada carga tributária brasileira e analistas falam dos desafios que o setor automobilístico enfrenta em um mundo que demanda cada vez mais máquinas eficientes e de energia limpa. A realidade tem um pouco de cada um desses elementos.

Primeira montadora a se instalar no Brasil, em 1919, a Ford já vinha dando sinais de mudança de planos no país. Há algum tempo não eram anunciados investimentos importantes, especialmente em cenário de mudança de paradigma, como a transição para o automóvel elétrico. A Ford teve bons resultados no início deste século, se recuperando da queda da produção na década de 1990. Em 2010, chegou a fabricar 353 mil veículos. Mas voltou a perder espaço no mercado, afetada pela recessão do segundo mandato do governo de Dilma Rousseff.

Cinco anos depois, a produção havia encolhido em quase um terço, patamar em que estacionou, enquanto os concorrentes ganhavam terreno, quando a economia permitia. Diminuiu ainda mais em 2019 quando anunciou o fechamento da fábrica de caminhões e do Fiesta, em São Bernardo do Campo (SP). No ano passado, fabricou 227,2 mil veículos. Ainda assim, e apesar da pandemia, ficou na quinta posição no mercado, com a significativa participação de 7,14%, à frente de outras grandes, como a Renault e a Toyota. Agora, vai encerrar ao longo do ano a produção de veículos em Camaçari (BA) e Horizonte (CE), além da fabricação de motores em Taubaté (SP).

No total, estima-se a perda de 5 mil empregos diretos. A conta não envolve os numerosos empregos indiretos em uma cadeia de produção longa, que inclui produtos químicos, borracha, metais e componentes eletrônicos.

Bolsonaro reagiu negativamente ao anúncio da Ford. Segundo ele, o verdadeiro motivo da saída da empresa do Brasil foi que o governo não aceitou dar mais subsídios. O presidente informou que a montadora recebeu R$ 20 bilhões em incentivos públicos. Os números podem não ser exatamente esses, mas as montadoras vêm recebendo, de fato, muito estímulo ao longo do tempo. Só neste ano o gasto tributário previsto com o setor automotivo é de R$ 5,9 bilhões. Dados da Receita Federal mostram que, em dez anos, incluindo este ano, o gasto tributário com o setor chegou a R$ 48,5 bilhões, em valores correntes, ou R$ 56,1 bilhões, a preços de dezembro de 2020 (Valor 14/1). Os valores se referem apenas aos subsídios federais. Há ainda incentivos regionais, além de não raros estímulos municipais.

Outras montadoras encerraram algumas linhas nos últimos dois anos. A Audi suspendeu a produção no Paraná; e a Mercedes-Benz a de automóveis de luxo. A fusão da Fiat com a Peugeot, que avançou neste início de ano, também deverá ter desdobramentos no país.

A reestruturação da produção automobilística global e as dificuldades da Ford em lidar com ela têm um papel central em sua decisão. A indefinição da, ou falta de, política brasileira para o setor - embarcar no carro elétrico, ou em um híbrido com fonte limpa, como o álcool - joga também um papel importante. O país está ficando fora do mapa das transformações produtivas que marcarão o futuro desse mercado. A proteção às montadoras e os subsídios claramente deixaram de produzir resultados relevantes - o modelo se esgotou.

As escolhas empresariais erradas da Ford produzirão um encolhimento geral da marca no mundo, o que já vinha ocorrendo no Brasil. Anos de recessão, seguidos de crescimento medíocre e, depois, por uma brutal pandemia foram uma soma de golpes difíceis de aparar. Seu problema é o mesmo das que ficam - modernização tecnológica e competitividade. É uma equação que se não for bem resolvida arruinará outras empresas do setor.

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