quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A alternativa a Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo

O mais inepto presidente da história só se segura porque não foram reunidas condições políticas para afastamento constitucional.

Está claro para um número cada vez maior de cidadãos que Jair Bolsonaro não reúne mais condições de continuar na Presidência e que sua permanência no poder põe em risco a vida de incontáveis brasileiros em meio à pandemia de covid-19, em razão de sua ignominiosa condução da crise. O mais inepto presidente da história pátria só se segura no cargo, do qual jamais esteve à altura, porque ainda não foram reunidas as condições políticas para seu afastamento constitucional.

Essas condições políticas dependem majoritariamente de um entendimento não em relação aos muitos crimes de responsabilidade que Bolsonaro já cometeu, hoje mais que suficientes para um robusto processo de impeachment, e sim em relação ao projeto de país que se pretende articular para substituir o populismo raivoso do bolsonarismo.

Nunca é demais lembrar que o bolsonarismo só triunfou na campanha presidencial de 2018 porque as forças de centro não foram capazes de apresentar uma alternativa eleitoralmente poderosa ao PT, enquanto Jair Bolsonaro falava abertamente em “fuzilar” petistas. Depois de tantos anos de empulhação lulopetista, marcados por corrupção, arrogância e incompetência, o eleitorado se deixou seduzir pela “autenticidade” de Bolsonaro, que espertamente se apresentou como o único capaz de derrotar Lula da Silva e impedir a volta do PT ao poder.

Faltou aos partidos tradicionais compreender as aflições de milhões de brasileiros frustrados com a falta de perspectiva de crescimento pessoal e indignados com tantas promessas descumpridas pelos políticos, em especial depois da passagem pelo poder dos mercadores de ilusão liderados pelo demiurgo de Garanhuns. Historicamente, esses cidadãos formam a clientela preferencial dos populistas, com suas soluções fáceis e radicais – muitas vezes em detrimento dos pilares institucionais que sustentam a democracia.

Assim, a tarefa dos partidos genuinamente interessados na manutenção da democracia e na criação de condições para o crescimento sustentado do País é muito mais complexa: a política tradicional deve ser capaz de convencer os eleitores de que é preciso fazer sacrifícios para que haja desenvolvimento e, sobretudo, de que não se alcançam soluções reais para os problemas, dos mais comezinhos aos mais graves, fora da concertação política proporcionada pelo debate público legitimado pelas instituições democráticas. Ou seja, a negação do bolsonarismo.

Não será nada fácil – especialmente tendo em vista a qualidade sofrível de muitas das atuais lideranças políticas –, mas a crise brasileira não admite acomodação ou discursos vazios. Não basta ir às redes sociais para atacar Bolsonaro e cobrar o impeachment; é preciso construir um discurso político forte o bastante para reduzir a clientela do presidente e oferecer uma alternativa concreta aos desencantados que ele cooptou.

Como disse em entrevista ao Estado o cientista político alemão Jan-Werner Müller, autor do livro O que é populismo?, “não é suficiente dizer ‘não somos Trump’ ou algum outro autoritário”, em referência ao ex-presidente norte-americano Donald Trump e seus discípulos, como Jair Bolsonaro. “É preciso oferecer uma visão positiva que responda aos problemas reais das pessoas.”

Além disso, enfatizou Müller, as elites “precisam ter a coragem de romper com os populistas”. As elites a que se refere o estudioso alemão são aquelas que, voltadas exclusivamente para seus interesses privados, emprestam seu peso socioeconômico a um governo que, a título de salvar o Brasil do comunismo e do lulopetismo, se notabiliza pela indecência e pela irresponsabilidade.

Ao mesmo tempo, é preciso reformar o que Müller chama de “infraestrutura crítica da democracia”, especialmente o sistema político, para torná-lo mais representativo do conjunto dos cidadãos, e valorizar a informação de qualidade contra a usina de patranhas disseminadas por redes sociais. Sem isso, eleitores continuarão a se encantar com a mendacidade patológica de Bolsonaro, dando sobrevida política a quem já deveria ter sido banido da vida pública há muito tempo.

O renascimento de uma nação – Opinião | O Estado de S. Paulo

O mundo pode respirar aliviado com a saída de Donald Trump do cargo mais poderoso do planeta.

Como culminação de 244 anos ininterruptos de democracia nos Estados Unidos, a posse do seu 46.º presidente, Joe Biden, foi insolitamente austera. Sem as multidões eufóricas, assistida apenas pelas autoridades com suas máscaras na escadaria do Capitólio e um punhado de convidados na esplanada, tanto maior é o contraste quando se pensa nas mesmas escadarias tomadas por turbas enfurecidas há apenas duas semanas.

O contraste só não é maior do que em relação à despedida melancólica de Donald Trump, que se recusou a participar da cerimônia. Enquanto Biden, acompanhado de uma comissão bipartidária, ia à missa antes da posse, Trump desfiava um discurso eivado de distorções triunfalistas sobre sua administração, antes de embarcar para seu resort na Flórida. Nada – a não ser talvez os perdões judiciais concedidos a familiares, amigos e sequazes – poderia ser mais emblemático: sua administração nunca tratou de nada além dele mesmo. Após quatro anos, não resta dúvida que o lema “America First” foi apenas um mal disfarçado “Trump First”.

“Este é o dia da democracia. Um dia da história e esperança, de renovação e resolução. Através do crisol das eras, a América foi reiteradamente testada e a América se ergueu diante do desafio. Hoje celebramos o triunfo não de um candidato, mas de uma causa, a causa da democracia.” Essas foram as primeiras palavras do presidente após o juramento. “Nós aprendemos de novo que a democracia é preciosa, a democracia é frágil e, nesta hora meus amigos, a democracia prevaleceu.”

É um admirável paradoxo que, num dos momentos em que os Estados Unidos mais precisam um herói, Biden é tudo menos um “salvador da pátria”. Aos 78 anos, ele é notório pela aversão a ideias grandiloquentes e gestos hiperbólicos. Quando os democratas o escolheram como candidato contra Bernie Sanders, optaram pelo pragmatismo. E o mesmo fez o povo americano.

Com uma carreira marcada por uma mistura de moderação, competência e empatia, seu discurso inaugural refletiu os grandes temas da campanha: superar a pandemia e a divisão nacional. “Toda a minha alma está nisso. Reunir a América, unir o nosso povo, unir a nossa nação.” Nenhuma palavra repercutiu mais em seu discurso do que “unidade”. “A história, a fé e a razão mostram o caminho – o caminho da unidade.” “Sem unidade não há paz, só amargor e fúria.” “Devemos enfrentar esse momento como os Estados Unidos da América.”

Os ventos são favoráveis. A vacinação está em franca aceleração. A economia está pronta para retomar a tração. Biden terá maioria nas duas Casas e quase toda a mídia e a elite cultural a seu favor. O primeiro desafio será controlar os rancores dos radicais de seu próprio partido. Mas o maior será alcançar os 74 milhões de americanos que votaram em Trump. “Devemos pôr fim a essa guerra não civil... Podemos fazer isso se abrirmos nossas almas ao invés de endurecer nossos corações.”

Com meio século de vida pública, Biden não é ingênuo. “Eu sei que falar em unidade pode soar a alguns como uma fantasia tola nesses dias. Eu sei que as forças que nos dividem são profundas e são muito reais. Mas também sei que não são novas. Nossa história foi uma constante luta entre o ideal americano, de que somos todos criados iguais, e a dura e feia realidade do racismo, nativismo e medo que nos dilacera. A batalha é perene e a vitória nunca é certa.”

A vitória nunca é certa. Os autocratas e extremistas de todo o mundo cuidarão de lembrá-lo disso. Desde que, no fim da 2.ª Guerra, Harry Truman sentiu o peso da “lua, das estrelas e todos os planetas”, é possível que nunca um presidente americano carregue tanto sobre seus ombros. O fracasso de Biden pode significar o fracasso da democracia liberal e a retaliação furiosa da hidra populista. Mas, neste instante, o mundo pode respirar aliviado, porque um homem que demonstrou um inegável compromisso com a vida pública assume o cargo mais poderoso do planeta em lugar de um egomaníaco insaciável.

A ameaça do procurador-geral – Opinião | O Estado de S. Paulo

É inexplicável que a Procuradoria-Geral da República venha agora evocar o estado de defesa.

Publicada no dia 19 de janeiro, a nota da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, durante a pandemia de covid-19 é estarrecedora. Além de revelar desconhecimento sobre os deveres do Ministério Público (MP), faz uma grave e descabida ameaça contra a Nação, ao evocar completamente fora de hora e fora de propósito o estado de defesa.

Em tempos normais, já seria impensável que a instituição cuja razão de ser é a defesa da ordem jurídica e do regime democrático se prestasse a esse funesto papel. Com o País sofrendo as agruras de uma pandemia e tendo um presidente da República que não perde ocasião de flertar com modos autoritários, a atitude da PGR é clara afronta à normalidade institucional do País, a merecer cabal reprovação. É intolerável que o mais alto órgão do Ministério Público proceda com tamanha irresponsabilidade.

Em tese, a nota da PGR seria uma tentativa de mostrar que Aras não está sendo omisso durante a pandemia de covid-19. “PGR cumpre com seus deveres constitucionais em meio à pandemia”, lê-se no título. Por si só, a situação é inusitada. Quando o procurador-geral da República cumpre suas funções, sua atuação é sobejamente notada, não havendo motivo para mais explicações.

A nota menciona algumas medidas adotadas por Aras nos últimos meses, como fiscalização de verbas públicas destinadas ao enfrentamento da pandemia. Quanto ao tema que de fato tem motivado cobranças, o procurador-geral da República diz: “Eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo”.

Segundo a Constituição, cabe ao Legislativo julgar os atos do presidente da República que configurem crime de responsabilidade. Mas isso não significa que o MP deva ser indiferente aos atos do chefe do Executivo federal. Uma das mais importantes atribuições da PGR é a apresentação de denúncia contra o presidente da República por crimes cometidos durante o exercício do mandato.

A nota da PGR é, pois, evasiva quanto ao aspecto que vinha esclarecer. Pelo texto, não se sabe se o Ministério Público acompanha ou não as ações e omissões do presidente da República que eventualmente possam infringir a ordem jurídica.

O mais grave, no entanto, é a ameaça contida na nota da PGR, relacionando indevida e inoportunamente o estado de calamidade pública com o estado de defesa. Após mencionar o estado de calamidade pública decretado pelo Congresso em 2020 em função da pandemia, a nota diz: “O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa”.

A afirmação é incorreta. A decretação de estado de calamidade pública não tem relação com o estado de defesa. São duas realidades jurídicas completamente diferentes.

Prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, a medida relativa ao estado de calamidade pública suspende restrições e exigências orçamentárias, visando a permitir a atuação do poder público numa situação emergencial. Já o estado de defesa é uma medida de exceção prevista na Constituição, com o objetivo de preservar ou restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública e a paz social. Ele é destinado exclusivamente à defesa do Estado e das instituições democráticas.

O Estado brasileiro não sofre nenhuma forma de ataque, seja interno ou externo, que justifique a invocação do estado de defesa, medida que traz sérias restrições de direitos, como limitações ao direito de reunião e a quebra de sigilo de correspondência e de comunicação telefônica. Ou o procurador considera as provocações de Bolsonaro contra o regime representativo e democrático ameaças suficientes para impedir o presidente da República? Se for assim, a nota, além de inútil, é pueril. A menos que, ao contrário da hipótese anterior, o procurador-geral queira dar ao presidente da República um instrumento de exceção.

Em 2020, quando o estado de calamidade pública foi decretado, a radical diferença entre as duas medidas foi lembrada. É inexplicável que a PGR venha agora evocar o estado de defesa. Os tempos atuais são sabidamente estranhos, mas é inconcebível que seja o procurador-geral da República a ameaçar a normalidade institucional do País.

Congresso deveria voltar a fazer votação presencial – Opinião | O Globo

Respeitados os protocolos sanitários, eleições na Câmara e no Senado se tornariam marco da volta ao Parlamento

Na disputa entre Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP) pela presidência da Câmara, é inexorável que qualquer definição sobre as regras da eleição seja interpretada pelo ângulo dos interesses políticos. Foi acertada, em que pese isso, a decisão tomada pela Mesa da Casa, por quatro votos a três, que tornou presencial a sessão que escolherá o substituto de Rodrigo Maia (DEM-RJ). A votação para a escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado deveria ser o marco da volta dos parlamentares ao Congresso.

É compreensível que a pandemia tenha transformado as sessões plenárias em virtuais. O susto foi mundial, e os Legislativos tiveram que se adaptar. Por sorte, a tecnologia permitiu votações à distância. Mas o convívio com o novo coronavírus trouxe um aprendizado sobre medidas sanitárias, que permitiu a vários países retomar a presença dos parlamentares. Não é difícil entender o motivo. Como o próprio nome sugere, o trabalho de um Parlamento é parlamentar, quer dizer, promover discussões, atividade que perde força e agilidade se feita à distância.

A Assembleia Nacional da França mantém sessões presenciais, cumprindo os protocolos sanitários. Em Londres, a Câmara dos Comuns funciona com a presença dos parlamentares, embora o recrudescimento da pandemia tenha levado o Parlamento a estudar limitações à circulação e a estabelecer sessões virtuais nas comissões. Nos Estados Unidos, cada estado tem uma regra. No Congresso, Câmara e Senado não estão fechados. Os mais de 500 congressistas que tomaram posse em janeiro realizaram intensos debates presenciais sobre o novo impeachment de Trump. Será assim nas discussões sobre as primeiras propostas de Joe Biden. Não há, nos Estados Unidos, base legal para o voto à distância.

Derrotado na decisão da Mesa sobre o voto presencial, Maia defendeu em entrevista à GloboNews o sistema brasileiro: votações remotas, com exceção das comissões, a depender da pauta. Seu argumento é o risco criado pelos 3 mil a 4 mil servidores circulando pelo Congresso. Ora, é um argumento frágil. Afinal, para que tanto assessor? A alternativa óbvia é deixá-los em home office e abrir espaço para a circulação em segurança de deputados e senadores. A Assembleia francesa e o Parlamento holandês pedem aos parlamentares que mobilizem apenas assessores imprescindíveis. Os demais trabalham de casa. Outro argumento de Maia, a dificuldade de circulação de ar, poderia ser facilmente contornado numa cidade com tanto espaço aberto quanto Brasília.

Não que seja impossível combinar sessões virtuais e presenciais, como tentam fazer britânicos ou argentinos. Mas o critério mais razoável é manter a presença nas votações decisivas, não nas comissões. O Congresso deveria aproveitar as eleições à presidência das duas Casas para retomar o trabalho parlamentar como ele deve ser: cara a cara. Desde que, obviamente, todos usem máscaras, mantenham a distância protocolar e um tom de voz moderado.

Enem com abstenção recorde de 52% não pode ser considerado ‘sucesso’ – Opinião | O Globo

Governo ignora falhas na organização e se preocupa em patrulhar conteúdo da prova

Era previsível que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem ) 2020 enfrentasse problemas em meio a uma pandemia que já matou mais de 210 mil brasileiros e infectou mais de 8,5 milhões. Não deu outra. Apesar de o ministro da Educação, Milton Ribeiro, ter considerado “um sucesso”, os números mostram o contrário. Na primeira prova, aplicada no domingo, diante de um aumento significativo de casos de Covid-19 no país, a abstenção foi de 51,5%, um recorde — até então, a maior tinha sido de 37,7% em 2009.

A organização do exame, que deveria ter sido realizado em novembro, mas foi adiado devido à pandemia, deixou a desejar. Em vários locais, alunos tiveram de voltar para casa sem fazer a prova, porque as salas já estavam com lotação acima do permitido pelos protocolos de prevenção da Covid-19. Uma falha evidente de planejamento. Muitos alunos deixaram de comparecer devido ao medo de enfrentar aglomerações no transporte público. E pelo menos 8 mil ausentes alegaram sintomas de doenças contagiosas.

Além de prejudicar os alunos, a desorganização cobrou seu preço. Como mostrou reportagem do GLOBO, a abstenção de 2,8 milhões de candidatos causou um desperdício de R$ 332,5 milhões aos cofres públicos, considerando o custo de R$ 117 por prova. A título de comparação, o valor corresponde a quase o dobro do que foi gasto em 2020 com a Bolsa Permanência, auxílio a alunos de baixa renda em universidades públicas (R$ 180 milhões).

Um novo adiamento da prova tinha sido pedido por 47 entidades científicas, entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Era um desejo também dos estudantes, segundo enquete realizada pelo Inep no ano passado. O Ministério da Educação preferiu manter o exame. Agora, espera-se que os estudantes que perderam a primeira prova tenham ao menos a chance de fazê-la noutra data.

Em vez de cuidar das falhas de organização, o governo parece mais empenhado em patrulhar o conteúdo do exame. O presidente Jair Bolsonaro, que já criticara uma questão sobre a temática LGBT em 2018 e ameaçara excluir temas que considerasse inadequados, desta vez se incomodou com uma questão sobre a diferença entre os salários de Marta e Neymar, que considerou “ridícula”. A questão pode até ter sido mal formulada, mas Bolsonaro deveria ter mais com que se preocupar.

A pandemia, por exemplo. Não deixa de ser curioso que o novo coronavírus, que causou a maior crise sanitária dos últimos cem anos, tenha passado ao largo da primeira prova do Enem. É como se o exame estivesse alheio à realidade. Só que ela é teimosa e sempre bate à porta, como demonstram os altos índices de abstenção.

Biden no governo – Opinião | Folha de S. Paulo

Presidente ganha força para tocar agendas econômica e externa, que afeta Brasil

A acidentada transição de governo nos Estados Unidos terminou com nova exibição de soberania das instituições democráticas. Como ocorre a cada quatro anos desde 1789, o presidente eleito foi investido dos poderes de chefe de Estado e habilitado a tentar cumprir a sua agenda administrativa.

Joseph Robinette Biden Jr., que aos 78 anos tornou-se o mais velho a ser empossado para um primeiro mandato, fez o juramento mais forte do que parecia quando ganhou a eleição, no início de novembro.

Com a vitória de dois senadores democratas na Geórgia, há 15 dias, o partido do presidente assegurou maioria nas duas câmaras do Congresso norte-americano.

Dissolveu-se a perspectiva inicial, que era uma gestão manietada pelo impasse legislativo, num sistema já atravessado por múltiplos obstáculos ao poder da Casa Branca.

Embora os republicanos permaneçam numerosos o bastante para retardar o trâmite das propostas presidenciais, dificilmente poderão barrá-las, a começar do megapacote de estímulo contra a crise provocada pela pandemia, orçado em US$ 1,9 trilhão (9,5% do PIB).

emergência sanitária, que já matou mais de 400 mil pessoas nos EUA, ocupará grande parte das preocupações iniciais do democrata. Ele promete vacinar 100 milhões de pessoas —30% da população— até o 100º dia da gestão.

Num país que prescinde de um sistema universal de saúde, cujos estados têm grande autonomia e onde parcela significativa da população recusa vacinas, será um desafio gigantesco para o presidente.

Por outro lado, uma queda acentuada dos casos de Covid-19, associada ao empurrão econômico, tenderia a conferir um forte impulso de largada ao mandatário.

Menos dificultosa será a tarefa de reverter as idiossincrasias odiosas e isolacionistas legadas por Donald Trump. Está ao alcance de atos presidenciais interromper a construção do muro na fronteira mexicana, relaxar a repressão a imigrantes e retomar a orientação cooperativa nas relações internacionais.

Esse último aspecto concerne diretamente ao Brasil, cujo presidente, Jair Bolsonaro, isola-se ainda mais no concerto global e expõe sua população a graves prejuízos. Persistir na vertente desajustada e abilolada não resultará apenas em falta de vacinas para os brasileiros.

A agenda do novo governante norte-americano para questões climáticas, a cargo de John Kerry, vai fechar o cerco aos párias desmatadores. No caso do Brasil, a mudança ameaça diretamente o agronegócio, um dínamo da economia.

O mundo ocidental volta a padrões de normalidade com Joe Biden na Casa Branca, o que recomenda fortemente ao governo brasileiro repensar as suas escolhas.

Araújo, o estorvo – Opinião | Folha de S. Paulo

Com pandemia e sem Trump, saída do chanceler é necessária, embora não suficiente

O chanceler Ernesto Araújo parece ter sido agraciado com o dom da profecia. Em outubro, ao discursar numa cerimônia de formatura de diplomatas no Instituto Rio Branco, o ministro das Relações Exteriores admitiu que o Brasil poderia se tornar um “pária internacional”.

No tortuoso raciocínio do chanceler, isso seria positivo, pois ocorreria como resultado da defesa intransigente que o país faz da liberdade contra o globalismo.

No mundo real, o Brasil de fato virou pária, mas por causa da incompetência do governo, notadamente a do Itamaraty, que, contrariando uma longa tradição de diplomacia profissional e voltada para objetivos estratégicos, virou uma caixa de ressonância dos piores desvarios ideológicos do presidente Jair Bolsonaro e de sua família.

Essa decadência poderia ter sido apenas lamentável, mas agora é também trágica, porque, em meio à pandemia e à intensa competição de países por recursos médicos escassos, a diplomacia se converte em peça-chave para que se obtenham vacinas e outros insumos. Basicamente, não poderia haver momento pior para ser um pária.

Não bastasse o erro estratégico do isolamento, o Itamaraty segue falhando nas decisões pontuais.

Quando se fala em insumos médicos, dois países são os mais relevantes —China e Índia. É dessas duas nações que o Brasil agora depende para conseguir os imunizantes e outros produtos que nos permitirão superar a epidemia.

Temos contratos de fornecimento já firmados, mas que dependem de uma certa boa vontade das autoridades locais para que as remessas sejam despachadas sem delongas.

A família Bolsonaro passou os últimos meses antagonizando Pequim e responsabilizando os chineses pelo novo coronavírus. O ministro Araújo, em vez de tentar relativizar declarações inconsequentes de políticos, fez coro a elas. Obviamente, tornou-se carta fora do baralho na relação com o principal parceiro comercial do Brasil.

Existem canais de comunicação alternativos, que passam pela Vice-Presidência, pelo Ministério da Agricultura e até pelo estado de São Paulo. Mas não poder contar com o Itamaraty significa que o chanceler se tornou um ônus.

Essa condição de estorvo se faz ainda mais evidente com a saída de Donald Trump da Casa Branca. Nesse cenário, remover Araújo decerto não basta para reposicionar a diplomacia do país; trata-se, porém, de medida imprescindível.

Economia pode ter contração no primeiro trimestre – Opinião | Valor Econômico

Maior disponibilidade de vacinas e competência em sua distribuição e aplicação podem mudar este quadro

A vacinação contra a covid-19 vai ditar o grau de recuperação da economia, assim como a duração e extensão da segunda onda da pandemia, que afeta mais de uma dezena de Estados nos quais o contágio está em progressão acelerada. As vacinas irão atrasar devido a problemas na entrega dos insumos ativos para sua confecção - no caso da Fiocruz, que produzirá o imunizante das AstraZeneca -Oxford, elas só estarão disponíveis a partir de março. Esses são mais alguns indícios de que o primeiro trimestre poderá terminar com um recuo na economia, que deverá ser compensado por uma aceleração a partir daí, se a aplicação das vacinas deslanchar.

Os índices de desempenho divulgados até novembro refletem uma perda de fôlego do ritmo de recuperação, até certo ponto previsível. A recuperação tem um formato de V, mas minúsculo, já que apenas em 2022 a economia voltará ao nível de crescimento que apresentava antes da pandemia. Os dados confirmam este arrefecimento. O mais recente deles, o IBC-Br, uma prévia do PIB, teve desaceleração, para 0,59%. No ano, há queda de 4,63%. Com a expansão esperada em dezembro, o país terminará com um recuo entre 4% e 4,5%. Foi o país latino-americano com as menores perdas causadas pelo coronavírus.

Apesar disso, mesmo retornar ao nível indigente de crescimento de antes da pandemia pode demandar esforço. O recrudescimento da pandemia, um novo cerco (moderado) à mobilidade, o fim do auxílio emergencial, que despejou R$ 361 bilhões na economia em 2020 e aumento do desemprego devem conter a recuperação no primeiro trimestre.

A redução do auxílio, de R$ 600 para R$ 300, teve alguma influência. As vendas no varejo apontaram estabilidade em novembro (-0,1%), após seis altas mensais consecutivas. A média móvel trimestral avançou 1,2%, mas também mostrou perda de fôlego.

O consumo impulsionado pelo auxílio de R$ 600 parece dar sinais de esgotamento. Menos dinheiro e mais inflação diminuíram as vendas de hipermercados, supermercados, alimentos e bebidas (-2,2%), setor que concentra boa fatia dos gastos das pessoas contempladas com o benefício. Chama a atenção ainda, no caso do varejo ampliado, a contração do setor de material de construção (-0,8%). Ainda assim, a expansão no ano foi de 10%.

O varejo é um segmento de peso no setor de serviços, que compõem mais de dois terços do PIB. Ele foi o mais duramente atingido pelo distanciamento e as restrições à mobilidade impostas pelo combate à pandemia. Apesar da expansão de 2,6% em novembro e de 19,2% em seis meses, continuará oscilando ao sabor da covid-19, e pode interromper a recuperação em breve. Com a reação, o acumulado do ano ainda apresenta uma queda de 8,2% e o resultado em 12 meses findos em novembro é um recuo de 7,4%, o maior desde dezembro de 2012.

A parte dos serviços movidos à renda dificilmente terá uma performance brilhante nos próximos meses, ou capaz pelo menos de fechar a distância do nível alcançado antes da covid-19 chegar ao país. Falta um avanço de 5,4% para que os serviços de transportes cheguem lá. O hiato para os serviços às famílias é muito maior, de 34,2%. Apenas os serviços de informação e comunicação e o de outros serviços (com destaque para serviços financeiros auxiliares) deixaram para trás o forte baque dos primeiros meses de pandemia.

A conjunção de fim do auxílio e alta dos contágios na segunda onda levou a uma gradual revisão suave para baixo das expectativas de crescimento do PIB em 2021. Entretanto, superam em pouco a expansão esperada decorrente do carregamento estatístico, de 3% a 3,5%. A consultoria Oxford Economics, por exemplo, prevê avanço de 1,7% do PIB no quarto trimestre, e uma contração da economia neste primeiro trimestre do ano. Mesmo assim, projeta um PIB 3,8% maior em 2021, perspectiva mais otimista que a mediana de 3,45% agregada pelo boletim Focus, do Banco Central.

Sem um claro alívio no front econômico, e no sufoco no campo sanitário, haverá pressões políticas pela renovação do auxílio emergencial, assunto que parece ter entrado de vez na disputa pelo comando da Câmara e do Senado. E, com aumento do desemprego e a economia fraca, o BC terá motivos para retardar a elevação dos juros. Maior disponibilidade de vacinas e competência em sua distribuição e aplicação - ambas em falta - poderão mudar bastante este quadro, para melhor.

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