segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

146 anos de coerência – Opinião | O Estado de S. Paulo

A coerência do jornal confere um profundo sentido à sua história, aos 146 anos que hoje são celebrados. Mas é também o que dá sentido ao presente e ao futuro do 'Estado'

O jornal O Estado de S. Paulo completa hoje 146 anos. Desde sua primeira edição, em 4 de janeiro de 1875, o jornal foi testemunha de profundas mudanças sociais e econômicas, guerras mundiais, revoluções e variadas crises. Ao longo desse tempo, o próprio Estado passou – e continua a passar – por diversas mudanças de formato e de plataforma, acompanhando não apenas os avanços tecnológicos de cada época, mas os hábitos, as preferências e as necessidades de seus leitores.

Ao olhar as muitas mudanças ocorridas no mundo e no Brasil desde aquele 4 de janeiro de 1875, é motivo de orgulho constatar a continuidade do Estado ao longo de todo esse tempo. Esse orgulho reflete, e não poderia ser de outra forma, um profundo senso de comunhão com as gerações passadas que conduziram este jornal em circunstâncias muitas vezes difíceis, às vezes claramente heroicas.

Mas na história deste jornal o que mais se destaca não é tanto a passagem do tempo, tampouco as adversidades superadas. O que salta aos olhos é a defesa intransigente, desde sua fundação – quando se chamava A Província de São Paulo –, dos valores e princípios republicanos que são cultivados até hoje e que nos apontam os rumos do porvir. Fundado para defender a abolição da escravatura e a proclamação da República, este jornal nunca aceitou promover ou manter-se omisso diante de ideias ou práticas liberticidas, por maiores que fossem as pressões, por mais que determinados setores da opinião pública exigissem, em alguma circunstância, transigir com o arbítrio.

O compromisso do Estado com os mesmos valores pode ser observado ao longo de toda sua história. Por exemplo, este jornal não pactuou em 1968 com o Ato Institucional n.º 5 que, revogando direitos e garantias fundamentais, representou o mais forte endurecimento da ditadura militar. A recusa a fazer autocensura, prática corrente em outros periódicos, foi importante ato de resistência contra um regime que não admitia vozes contrárias.

Em razão da história do jornal, o leitor sabe o que irá encontrar no Estado – seja lendo no papel ou na tela do computador, do tablet ou do celular, no e-mail por meio de uma newsletter ou num dos aplicativos do jornal, ou até mesmo ouvindo um podcast. Neste jornal, a liberdade não é mero slogan, tampouco uma bandeira que se levanta apenas nas épocas em que os ventos lhe são propícios. Na edição inaugural, em 4 de janeiro de 1875, o jornal se comprometeu a dizer o que precisava ser dito e a defender o que acreditava ser o certo. E é o que tem feito até hoje – e continuará fazendo.

Aquela edição explicava que a prometida imparcialidade não seria “a imparcialidade do silêncio”. Ciente de seu papel, o jornal teria sempre a “independência de uma opinião séria” diante do governo e da sociedade, razão pela qual suas páginas são mais do que um testemunho preciso dos principais acontecimentos – são a consciência crítica de seu tempo.

O compromisso fundacional do jornal requer da corporação que mantém intactos seus valores há 146 anos visceral honestidade de propósitos. A defesa dos valores republicanos exige não apenas autonomia em relação aos governantes e poderosos de cada época, mas também independência em relação aos diversos modismos, por mais aplausos que recebam em determinado momento. Só assim o jornal tem podido fazer-se ouvir e respeitar quando se manifesta contra o populismo, a demagogia e os extremismos.

Se a coerência na defesa intransigente dos mesmos valores ao longo do tempo causa admiração, deve-se reconhecer que, em vários momentos, ela é ocasião de incompreensões, por parte de variados grupos ideológicos. Não há dúvida de que para o jornal seria muito mais fácil aderir à posição majoritária do momento, em vez de buscar ser a consciência crítica de seu tempo. Mas isso significaria abdicar de sua missão fundacional, trair a memória e a herança dos que nos precederam – e isso simplesmente não ocorrerá.

A coerência do jornal confere um profundo sentido à sua história, aos 146 anos que hoje são celebrados. Mas essa coerência é também o que dá sentido ao presente e ao futuro do Estado. Todas suas inovações estão voltadas para isto: a fazer todos os dias um jornalismo sério e independente, capaz de contribuir para a construção de um país livre e justo, dentro do mais absoluto respeito ao Estado Democrático de Direito.

Filantropia na pandemia – Opinião | O Estado de S. Paulo

Crise despertou surtos de solidariedade que deveriam alicerçar uma reconstrução cívica

A pandemia expôs cruelmente as mazelas sociais brasileiras. Os pobres sofrem desproporcionalmente com os choques sanitário e econômico. Assim como as moradias precárias os expõem mais ao contágio, as agruras do sistema de saúde os vulneram mais na doença. Suas perdas de renda e empregos são maiores e seus déficits educacionais aumentam com o ensino remoto. Enquanto isso, segundo a ONG internacional Oxfam, a fortuna dos bilionários brasileiros aumentou em US$ 34 bilhões na pandemia.

Sem dúvida essas constatações devem alavancar reformas radicais no contrato social brasileiro rumo a um sistema mais distributivo. Mas, sem prejuízo desta reconstrução política, a crise também despertou surtos de solidariedade que deveriam alicerçar uma reconstrução cívica. Como mostrou reportagem do Estado sobre a atuação das elites na pandemia, os valores arrecadados por entidades e culturas filantrópicas têm batido recordes. Em 2018, por exemplo, o total de doações foi de R$ 3,25 bilhões. Em 2020, só as doações para o combate à covid-19 já atingiram mais de R$ 6 bilhões.

O desafio será transformar estes surtos numa epidemia de solidariedade cada vez mais contagiante e permanente. A cultura filantrópica no País é comparativamente pobre. Segundo o índice da Charities Aid Foundation (CAF), entre 126 países o Brasil está na 67.ª posição na categoria “doação de dinheiro”, na 84.ª em “tempo de voluntariado” e na 63.ª na “ajuda a estranhos”. No índice agregado, o País está na 74.ª posição.

Muitos dos filantropos brasileiros citam o paradigma norte-americano. Com efeito, os EUA estão no topo do índice da CAF e também estão quebrando recordes de doações na pandemia. Isso resulta de uma tradição cívica de séculos combinada com incentivos institucionalizados que habituam suas lideranças a doar seus recursos, tempo e imagem às boas causas.

O Brasil tem mecanismos de incentivo fiscal para pessoas físicas e jurídicas. Mas enquanto aqui o teto de dedução é de 6%, nos EUA os abatimentos podem chegar a 50%. O sistema americano impõe tributos expressivos sobre heranças, mas oferece como alternativa as doações a instituições filantrópicas. Isso estimula muitos milionários a criar e gerenciar suas próprias fundações. Já no Brasil, há disfunções que desestimulam a filantropia. Além dos marcos legais serem confusos e inseguros, são dos poucos no mundo que tributam as doações, de maneira que parte delas acaba indo não diretamente para as ações sociais, mas para a burocracia estatal.

Além de ser disseminada por meio de bons exemplos e institucionalizada por bons dispositivos legais, a cultura filantrópica no Brasil também precisa ser qualificada pela conscientização por parte dos milionários de sua posição singular no ecossistema da caridade. Ao contrário das doações de governos e empresas, condicionadas à satisfação de curto prazo a eleitores e acionistas, os doadores privados têm liberdade para financiar causas complexas de longo prazo e alto risco.

O exemplo seminal na atual crise é o desenvolvimento de vacinas e tratamentos. Este tipo de pesquisa envolve a congruência de grupos heterogêneos, como universidades, laboratórios e centros de saúde, e o retorno para as companhias farmacêuticas é extremamente incerto. Isso gera uma lacuna de investimentos, que, na pandemia, está sendo em boa medida coberta por doações bilionárias e bem coordenadas. O modelo proeminente é a Fundação Bill & Melinda Gates.

Ainda que, tecnicamente, o conceito do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda tenha uma conotação moral ambivalente, o estereótipo idealizado do brasileiro solidário, acolhedor e generoso diz muito sobre os anseios mais genuínos e valiosos da cultura nacional, e não deveria ser simplesmente dispensado com cinismo. É verdade que, enquanto permanecer um ideal, pode ser um expediente hipócrita para mascarar toda a indiferença e egoísmo que esgarçam o tecido cívico brasileiro. Mas não haverá maior legado para a pandemia nem maior homenagem às suas vítimas que a materialização desse ideal.

Selva de notícias – Opinião | O Estado de S. Paulo

Pew Research Center mostra que público das redes sociais está mais exposto à desinformação

As redes sociais produziram um aumento quantitativo formidável de fontes de informação. Mas isso não implica uma melhora qualitativa para o leitor. Na verdade, as evidências sugerem o contrário. Uma pesquisa do Pew Research Center revela que o público que utiliza as redes sociais como principal fonte de notícias é menos engajado e menos informado em comparação com o público de outras fontes, como mídia impressa, TV, rádio ou sites de notícias. Para agravar este quadro, o público das redes sociais está mais exposto à desinformação e mostra menos capacidade de discernimento.

A pesquisa se restringiu à população norte-americana, mas, dada a mecânica comum das redes sociais, seus resultados podem ser generalizados. Os pesquisadores mensuraram aspectos subjetivos do público (o seu interesse e engajamento) e objetivos (o seu domínio dos fatos e compreensão das narrativas).

Demograficamente, o público que utiliza primordialmente as mídias sociais como fonte de notícias é mais jovem e menos escolarizado. De um modo geral, este grupo tende a prestar menos atenção às notícias. Por exemplo, apenas 8% daqueles que formam a sua opinião a partir das redes sociais estão acompanhando “muito de perto” as eleições presidenciais norte-americanas de 2020. Para aqueles que se informam principalmente pela TV a cabo ou mídia impressa, esse contingente é quatro vezes maior (35% em média). A disparidade foi similar em relação aos protestos antirracistas desencadeados pelo assassinato de George Floyd.

Essa desproporção não está circunscrita à política, e vale mesmo para a maior notícia do ano – a pandemia. Apenas um quarto dos adultos que têm nas redes sociais sua fonte principal de informação está acompanhando “muito de perto” as notícias sobre a covid-19, enquanto para os usuários de outras fontes o contingente dos muito atentos sobe para a metade.

Consequentemente, o público das redes sociais está mais mal informado. Isso foi mensurado a partir de 29 perguntas sobre uma variedade de fatos relacionados às notícias, da economia ao processo de impeachment do presidente norte-americano até a covid-19. Em média, quatro em dez dos informados pelas redes sociais deram as respostas corretas, enquanto nos outros grupos foram seis em dez. Se entre os usuários das redes sociais apenas 17% foram considerados “muito bem informados” na esfera política, entre os usuários de fontes tradicionais foram cerca de 42%.

Os usuários das redes sociais também têm uma probabilidade muito maior de ouvir alegações falsas ou infundadas, como as teorias da conspiração sobre uma origem dolosa da covid-19. Apesar disso, este público se mostra menos preocupado com o impacto das notícias falsas. Apenas 37% mostraram esta preocupação, enquanto para aqueles que se baseiam em outras plataformas o contingente foi de quase 60%.

A pesquisa mostra ainda que aqueles que se nutrem prioritariamente das mídias sociais não só estão menos inteirados dos fatos, mas mostraram menor compreensão das narrativas do noticiário. Assim, além de estarem menos atentos e engajados, e mais desinformados e expostos à desinformação, os usuários das mídias sociais mostram ainda uma tendência maior a não compreender certas histórias-chave da esfera pública.

Desta forma, a pesquisa mostra que, ao contrário do que prega uma opinião bastante popularizada, a multiplicação de notícias e de fontes de informação proporcionada pelas redes sociais tornou o jornalismo mais, não menos importante para garantir um debate público de qualidade. De resto, o fato de que aqueles que se informam pelas redes sociais são mais jovens e têm índices menores de escolaridade revela a importância de políticas públicas para promover o letramento digital das camadas sociais menos favorecidas e das futuras gerações. A verdade é que o recurso à apuração profissional é hoje ainda mais decisivo do que no passado, não apenas para os cidadãos que quiserem exercer sua participação democrática, mas até mesmo – como mostram as métricas sobre a covid-19 – para questões de vida ou morte.

Disputa na Câmara terá eco em 2022 – Opinião | O Globo

Acordos para derrotar Arthur Lira, candidato de Bolsonaro, esboçam alianças para eleição presidencial

Seria prematuro ver as movimentações em curso na disputa para a presidência da Câmara como prévia fiel de acordos para as eleições de 2022. Mas é também impossível ignorar que a tentativa de aproximação entre partidos de centro-direita, centro e esquerda poderá esboçar uma aliança para impedir a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

É verdade que entram ingredientes na disputa pela Mesa da Casa que inexistem numa eleição geral. Legendas e parlamentares podem dar ou retirar apoio a depender de espaços que venham a ocupar em comissões. Há ainda o previsível rol de promessas de verbas e cargos em troca de apoio ao candidato governista. As condições específicas que regem o jogo do poder no Parlamento sempre costumam prevalecer sobre afinidades ideológicas. O certo é que a figura insólita e singular do presidente Jair Bolsonaro é o sujeito oculto da corrida entre Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP), cujo desfecho será decidido no dia 1º de fevereiro.

A candidatura de Lira tem aparentemente apoio garantido dos partidos do Centrão, bloco de legendas que lidera. As nove formalmente com ele — PP, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, PSC, PROS, Avante e Patriota — somam 193 deputados. Rossi, lançado pelo grupo comandado até o momento pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), leva vantagem inicial: é apoiado por 11 partidos, que somam 281 deputados.

Para alguém ser eleito em primeiro turno, precisa reunir 257 votos. Se o número não for alcançado, os dois mais votados disputam um segundo turno. Os números que parecem favorecer Rossi são enganosos. O voto é secreto e, como demonstra a história de incontáveis eleições na Câmara, um convite à traição.

Há resistências no PT a Rossi, que vem do MDB de Michel Temer e votou pelo impeachment de Dilma Rousseff. Parte do PSB já se comprometeu com Lira. O PSOL poderá lançar candidatura própria no primeiro turno. O PSL, incluído nos 11 partidos que dizem apoiá-lo, tem uma ala bolsonarista que votará em Lira.

“O que nos une, neste momento, é a defesa intransigente da nossa democracia”, disse Rossi ao lançar candidatura. “Do nosso estado democrático de direito, das liberdades, do respeito às minorias.” É um discurso sob medida para seduzir a oposição. Foi reforçado por Rodrigo Maia, que afirmou estar em jogo, na escolha do seu sucessor, a independência da Casa, para que o governo não ponha a “pata” nela.

O cenário para o governo Bolsonaro muda dependendo de quem vencer. Se for Lira, o presidente enfrentará menor resistência a seus interesses no Parlamento, que vão de inúmeros pedidos de impeachment à pauta de costumes, passando por legislação em benefício de sua família nos processos judiciais.

Se for Rossi, o clima será outro. Nesse cenário, o desafio recorrente de Bolsonaro a princípios republicanos poderá no fim ajudar a desobstruir os canais de diálogo entre esquerda, centro e centro-direita — e a arrefecer a polarização em que ele aposta para se reeleger.

Pandemia impõe planejamento realista do próximo carnaval – Opinião | O Globo

Hipótese de desfiles só em 2022 deve ser considerada, e turismo não pode depender apenas da folia

A pandemia feriu de morte o réveillon e o carnaval, vitais para o turismo no Rio. Ambos são sinônimos de aglomeração e, no caso da folia, não poderia haver mais contraindicação. Milhares de pessoas juntas cantando em voz alta é o cenário ideal para o coronavírus causar uma catástrofe. Blocos e escolas de samba não têm a menor condição de se adequar aos cuidados que o setor de turismo vem adotando para permitir uma retomada gradual com segurança.

Adiar o desfile na Sapucaí foi obrigatório, mas marcá-lo para o início de julho, “se tiver vacina”, é retórica vazia. Vacina haverá, mas dificilmente o país conseguirá imunizar parcela da população suficiente para permitir carnaval em julho. Até agora são quase 200 mil mortos e 7,5 milhões de infectados, número que crescerá ainda mais este ano.

É certo que a indústria do carnaval precisa de planejamento como qualquer outra — e que o desfile da Sapucaí não se faz de improviso como um bloco de sujos. Trabalhadores do carnaval se juntaram aos milhões que perderam renda. Mas não é com um calendário sem chance de ser cumprido que seu drama será amenizado. É preciso buscar alternativas realistas.

O golpe no turismo do Rio deveria servir para a cidade levar a sério a antiga advertência de que não pode concentrar suas expectativas no réveillon e no carnaval. Hotéis, bares e restaurantes precisam de visitantes de janeiro a dezembro. É necessário haver um calendário de eventos para o ano inteiro, incluindo aqueles que não oferecem o mesmo risco que um desfile e podem ser realizados à medida que a pandemia der um alívio. A vocação do Rio para o turismo é evidente. Explorá-la é urgente em tempos de recessão. No caso de competições esportivas, a estrutura da cidade que sediou a última Olimpíada não pode ser desperdiçada.

O próprio carnaval é produto que não se limita a quatro dias. A Cidade do Samba, onde são montadas as alegorias, tem área para shows subutilizada. Os ensaios técnicos na Sapucaí, que chegaram a ser cancelados no governo Crivella, lotam a arquibancada, mas a organização é pífia. Houve ocasiões em que o metrô fechou antes de o público ir embora. Pena, porque poderiam receber turistas de dezembro a fevereiro.

É preciso pensar seriamente na hipótese de adiar os desfiles para 2022. Vale a pena esperar pela segurança sanitária para botar o bloco na rua e fazer uma festa tão inesquecível como a de 1919. Após ser assolada pela Gripe Espanhola, a cidade brincou o “carnaval do século”, que foi eternizado em livro de Ruy Castro e será o enredo da Unidos do Viradouro para o próximo desfile. Que dia será? Impossível marcar data agora, porque ninguém sabe quando não haverá mais risco de o coronavírus transformar a alegria em tragédia.

Filme antigo – Opinião | Folha de S. Paulo

Eleição na Câmara dá ao PT chance de deixar sectarismo que marca sua conduta

O eu em questão é o PT de Luiz Inácio Lula da Silva, ainda o principal partido do campo no Brasil, apesar do encolhimento de sua relevância demonstrado pelo minguado resultado eleitoral em 2020.

A sigla orbita a figura de Lula, flertando perigosamente com um ocaso personalista de sua maior liderança, que parece ter perdido o norte político após deixar a cadeia.

O sectarismo e o anacronismo pautam a vida partidária, com a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann, servindo de advogada de defesa da indesculpável ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela sempre que a oportunidade se coloca.

A dirigente chegou a criticar o futuro presidente americano, Joe Biden, dizendo que Barack Obama havia acobertado casos de corrupção dele nos tempos de vice.

O motivo? Em livro, o ex-presidente afirmara ter ouvido falar das suspeitas de corrupção de Lula.

Quando o cacique petista foi condenado e preso, impedido legalmente como ainda está de participar de eleições, a sigla preferiu insistir no embuste de apresentá-lo na disputa ao Planalto em 2018.

Fernando Haddad assumiu o papel de poste e a chapa surfou nos votos que Lula ainda era capaz de amealhar, sendo derrotada por Jair Bolsonaro no segundo turno sem conseguir apoios expressivos.

Talvez esperançoso por uma nova chance, Haddad lançou no fim do ano passado a candidatura do ex-chefe em 2022, algo que depende de um complexo arranjo legal.

Preterido pelo PT, o terceiro colocado em 2018, Ciro Gomes (PDT), responsabiliza corretamente o partido pela desunião da esquerda. Esse é um filme antigo para todos os que negociaram alianças com Lula.

Assim, desponta como oportunidade a disputa pela presidência da Câmara, que oporá uma aliança de centro-direita —apoiada pelo atual ocupante da cadeira, Rodrigo Maia (DEM-RJ)— e o candidato de Bolsonaro, o prócer do centrão Arthur Lira (PP-AL).

O nome de Maia, Baleia Rossi (MDB), busca unir toda a oposição ao Planalto. Como disse o deputado demista, o movimento pode ser visto como um ensaio geral para o pleito do ano que vem.

O PT, claro, protestou. Gleisi disse que uma coisa não tem nada a ver com a outra, e a agremiação postergou sua decisão para este mês.

É óbvio que o petismo não irá apoiar em 2022 um candidato do grupo de Maia, como João Doria (PSDB-SP). Mas conceder a Bolsonaro a possibilidade de comandar a agenda legislativa nos dois últimos anos de seu mandato, com um apoio tácito a Lira, apenas confirmará a miopia política da legenda.

Covas, 2ª parte – Opinião | Folha de S. Paulo

Tucano inicia novo mandato ainda sem indicar rumo claro para gestão de São Paulo

Teve início na sexta-feira (1º) o segundo mandato de Bruno Covas como prefeito de São Paulo. Agora consagrado pelas urnas, o tucano dará seguimento à gestão iniciada em 2018, quando assumiu o comando da maior cidade do país no lugar de seu correligionário João Doria, que deixara o cargo para se candidatar ao governo do estado.

Embora tenha conquistado a confiança de larga parcela dos paulistanos para um novo termo à frente da capital, Covas reassume o governo sombreado por promessas não realizadas nos últimos anos.

Levantamento da agência Lupa mostra que o alcaide paulistano cumpriu apenas 29 das 71 metas firmadas para 2019 e 2020. Há ainda 12 itens que, por falta de informações, não puderam ser avaliados.

As áreas de mobilidade urbana e habitação estão entre as de pior desempenho. Quanto à primeira, o prefeito não atingiu 4 dos 6 objetivos traçados —como implantar 9,4 km de corredores de ônibus e construir 173 km de ciclovias.

Com relação à habitação, 3 das 5 metas não foram alcançadas. Covas entregou cerca de metade das 21 mil unidades habitacionais prometidas; sua gestão realizou só 9 das 14 retiradas de ocupações previstas. Tampouco houve a desocupação de 17 edifícios a fim de transformá-los em moradias populares.

As deficiências atingiram ainda a zeladoria, o atendimento à população de rua e a criação de parques, bem como saúde e educação.

Tais problemas passaram ao largo do discurso de posse do prefeito. Na companhia do novo vice, Ricardo Nunes, motivo de controvérsia na campanha, Covas optou por uma fala mais genérica que a de dois anos atrás, quando chegou a detalhar como pretendia estruturar a rede de saúde da família.

Sem embargo, merece ser louvado, em tempos de polarização extremada, o tom conciliatório de sua manifestação. Corretamente, condenou o ódio e a intolerância na política e lembrou o caráter frágil e transitório da democracia.

Mencionou também o câncer que o aflige. A postura transparente e aberta com relação a um drama compartilhado por milhões de brasileiros não por acaso suscitou a simpatia da população.

Faltou a Covas, entretanto, apontar um rumo claro para a sua gestão, capaz de fazer frente aos desafios de uma cidade complexa e ciclópica como São Paulo. É o que se espera dele a partir de agora.

Onda de aumentos salariais ilegais marcam fim de ano – Opinião | Valor Econômico

As autorizações de reajuste terão consequências não apenas fiscais, como também jurídicas

Foi a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro que inaugurou uma nova moda, ao aprovar, em abril do ano passado, uma generosa gratificação aos servidores da prefeitura para valer somente a partir de janeiro de 2022. Como já estava em plena pandemia da covid-19, com as dificuldades financeiras dela decorrentes para o município, os vereadores aceitaram adiar a entrada em vigor da medida.

Verifica-se agora, para espanto geral, que a moda pegou. Outros municípios aprovaram, no apagar das luzes de 2020, reajustes salariais para os seus prefeitos, secretários, vereadores e servidores, que entrarão em vigor em 2022. O caso mais emblemático foi o da Câmara municipal de São Paulo, que autorizou um aumento de 46% no salário do prefeito Bruno Covas, que é o teto remuneratório dos servidores municipais. Ou seja, o reajuste para o prefeito gera aumento automático para outros funcionários municipais.

A Câmara Municipal de Manaus aprovou aumentos que variam de 25% a 52% para os salários de prefeito, vice-prefeito, secretários, vereadores e servidores. Tudo para vigorar a partir de janeiro de 2022. Já a Câmara municipal de João Pessoa não quis seguir a nova moda e aprovou reajustes escalonados, com a primeira parcela a ser paga já em 2021.

Não foram apenas os vereadores de capitais que aprovaram aumentos salariais. A Câmara do pequeno município de Serra Preta, na Bahia, autorizou aumento de mais de 66% para o salário do prefeito e do vice-prefeito, também de forma escalonada, com a primeira parcela a ser paga já a partir deste mês. Serra Preta está localizada em uma das regiões mais pobres do Brasil, com 65% de seus habitantes em situação de pobreza ou extrema pobreza.

Ainda não se sabe quantos municípios concederam aumento de salários para os seus prefeitos, vereadores e servidores. Esse levantamento terá que ser feito com urgência pelos Tribunais de Contas estaduais. Mesmo porque as autorizações de reajuste terão consequências não apenas fiscais, pois resultarão em mais despesas para as prefeituras, como também jurídicas.

Em recente artigo para o jornal “O Estado de S. Paulo”, o economista Pedro Nery afirmou que o aumento do teto remuneratório paulistano é ilegal e inconstitucional. E disse que o caso da cidade de São Paulo é mais um em “uma onda de aumentos ilegais de fim de ano”.

Em primeiro lugar, Nery lembrou que a lei complementar 173, em seu artigo 8º, proíbe que os Estados e os municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da covid-19 concedam, até 31 de dezembro de 2021, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares.

A nova onda, que os municípios estão surfando, tenta dar um jeitinho de burlar o texto da lei, ao estabelecer que o reajuste será válido a partir de janeiro de 2022. A intenção do legislador, como observou Nery, foi a de proibir a concessão de aumentos até o fim de 2021. Mesmo porque a não concessão de reajuste salarial para membros do Poder Executivo e para servidores foi uma das condições impostas pelo governo federal para a bilionária compensação, dada pela União aos Estados e municípios pela queda de suas receitas em virtude da pandemia. A preocupação do governo, com a LC 173, era evitar a elevação de gastos com pessoal, que se transforma em uma despesa permanente.

Foram bilhões e bilhões de reais que saíram dos cofres do Tesouro Nacional para os governos estaduais e para as prefeituras. Sabe-se hoje, e os dados estão disponíveis para quem quiser acessar, que a ajuda da União superou em muito as perdas de receitas de Estados e municípios neste ano por causa da crise sanitária. Apenas uma parcela desses recursos foi destinada a ações em serviços públicos de saúde. A maior parte entrou nos caixas estaduais e municipais para destinação livre por parte de governadores e prefeitos.

No caso de São Paulo, o economista Pedro Nery mostra que a sanção do prefeito Bruno Covas à lei que reajustou o teto remuneratório paulistano viola também a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que impede aumentos salariais nos últimos 180 dias do mandato. Além disso, a proposta votada pela Câmara não possuía estimativa de impacto para os cofres da prefeitura da cidade, como determina a LRF.

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