sábado, 30 de janeiro de 2021

Oscar Vilhena Vieira - A troca da guarda

- Folha de S. Paulo

País ameaça dar mais um passo atrás com eleição no Congresso

Caso se confirme a eleição dos candidatos apoiados pelo governo para a presidência das duas casas do Congresso Nacional, o Brasil estará dando mais um perigoso passo no processo de regressão democrática em que ingressou com as eleições de 2018.

Conforme a elegante formulação do ex-ministro Carlos Ayres Britto: “impedir que um governante subjetivamente autoritário possa emplacar um governo objetivamente autoritário” é uma das funções fundamentais de um regime democrático e, portanto, uma tarefa essencial de instituições como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

Com a ascensão de populistas autoritários em diversas partes do mundo, inúmeros regimes democráticos têm sido submetidos a um dramático teste de resiliência. Muitos, como demonstram as experiências da Venezuela, da Rússia, da Hungria, da Índia ou da Turquia, não têm sobrevivido aos ataques de populistas e autoritários que, por meio da erosão e do vandalismo institucional, pavimentam o processo de subversão da democracia liberal.

A incapacidade de Bolsonaro de estabelecer uma coalizão ampla e sólida no Congresso Nacional nos dois primeiros anos de mandato impôs ao seu governo a maior taxa de insucesso legislativo desde Fernando Collor. O fato é que as bancadas da bala, da bíblia e do boi não conseguiram passar a boiada, como propugnado pelo ministro do Meio Ambiente.

Em face desse insucesso, o presidente tem se servido mais do que todos os seus antecessores —nesse período democrático— de diversas prerrogativas conferidas ao Executivo para frustrar determinações e políticas estabelecidas pela Constituição e pela legislação ordinária. Isso fica especialmente claro nas áreas do meio ambiente, nas políticas indígenas, de segurança pública, de armas, e, sobretudo, na área de saúde, onde o efeito destrutivo do posicionamento parainstitucional do presidente é mais evidente.

O Supremo Tribunal Federal, que passou o ano de 2019 basicamente silente, assumiu, com todas suas idiossincrasias, uma postura mais responsiva a partir de 2020, como uma clara reação aos seguidos ataques sofridos pela corte, assim como em consequência do negacionismo obscurantista do Executivo em face da pandemia. Foram inúmeras derrotas importantes impostas ao governo.

As garantias de que estados e municípios também têm competência para atuar no combate à pandemia e que critérios científicos não podem ser simplesmente abandonados pelo governo certamente contribuíram para que o número de mortes não fosse ainda maior. O Supremo também tomou decisões importantes na proteção das terras indígenas, da liberdade de expressão ou no controle de órgãos de segurança e inteligência.

O fato, porém, é que, com maior proximidade entre Bolsonaro e o centrão e a eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado, a democracia brasileira, assim como os direitos de grupos vulneráveis —que se contrapõem aos interesses da base de apoio do governo— ficarão ainda mais vulneráveis.

Nesse contexto, ampliam-se as responsabilidades do Supremo Tribunal Federal em estabelecer limites às investidas diárias contra os elementos constitutivos de nosso Estado democrático de Direito. Mais do que nunca, o tribunal precisará reforçar sua colegialidade, buscar maior transparência e consistência em seu processo decisório, de forma a não deixar espaço para que sua autoridade possa ser contestada pelos verdadeiros inimigos da corte e da democracia.

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