sábado, 13 de fevereiro de 2021

Beatriz Resende* - O feminismo necessário


- Folha de S. Paulo

Estamos diante de uma geração de pensadoras decisivas para nosso momento literário e de reflexão

Como se dá hoje a produção das mulheres na ficção, na teoria e crítica? Que importância tem nessas escritas o feminismo em suas múltiplas possibilidades?

Foi para colocar em pauta esses temas urgentes que organizamos no Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ um encontro que se ocupou da questão "Literatura e Feminismo".
Durante duas tardes, escritoras de ficção, reconhecidas e premiadas, debateram com teóricas e críticas as formas como usam linguagem, imaginação e conhecimento.

Maria Galindo, militante feminista da Bolívia, abriu o "evento sem corpos" e pautou as discussões afirmando que o ato de escrever é altamente feminino, e a criatividade, um instrumento de luta por mudanças sociais. Num mundo letrado branco e masculino, quem é a mulher que escreve?
A discussão, que se estendeu por várias mesas, enfatizou a quantidade de filtros hierárquicos que se impõem às falas subalternas, desde a academia até o mundo editorial.

Adriana Armony, Carla Rodrigues e Noemi Jaffe evidenciaram alta dose de poética na ficção e na reflexão filosófica. No encontro entre Adriana Azevedo, Natália Polesso e Cidinha da Silva, que se indentificou de forma feminista ao se apresentar como uma escritora sem amarras mas que constrói laços, o cruzamento necessário entre questões de gênero e raça se evidenciou.

Com a teórica baiana Carla Akotirene, junto a Heloisa Buarque de Hollanda, ficou claro que existe um compromisso ativista em pesquisadoras, dispostas sempre a interpelar a sociedade.

Em fórum reunindo escritoras fundamentais que usam formas narrativas diversas, Claudia Lage, Eliana Alves Cruz, Luísa Geisler, Ieda Magri e Paloma Vidal, mediadas por Cristiane Costa, tornou-se indiscutível o pressuposto inicial do encontro: estamos, hoje, diante de uma geração de escritoras e pensadoras decisivas para nosso momento literário e de reflexão. Essas criações, que têm como protagonistas mulheres, frequentemente falando de si, interessadas nas mudanças subjetivas e sociais ativadas pelo feminismo, se impõem, invertendo posições hegemônicas no mundo literário.

A questão da violência contra mulheres voltou ao debate, juntando-se à crítica à aplicação da Lei Maria da Penha que Carla Akotirene suscitara.

Tema importante no país, quando um deputado denunciado por agredir a ex-mulher é eleito presidente da Câmara.

Fica claro que o feminismo ainda tem muito trabalho pela frente, mas estejam certos, patriarcas, que se depender do elenco que se apresentou, o trabalho será feito.

*Beatriz Resende, Ensaísta e professora de literatura na UFRJ.

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