segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Debate sobre lei para defender democracia já dura 30 anos no Congresso

-Adriana Ferraz / O Estado de S. Paulo

Desde 1991, um total de 23 projetos propõem revisar a redação da Lei de Segurança Nacional, ainda sem votação

O primeiro projeto apresentado na Câmara dos Deputados para debater a revisão da Lei de Segurança Nacional (LSN) vai completar 30 anos de tramitação em dezembro. Usada como base para prender o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) na semana passada, a lei promulgada ainda na ditadura militar tem sido amplamente aplicada desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu a Presidência – servindo de instrumento para investigar de jornalistas a advogados –, mas segue contestada e alvo de 23 propostas legislativas que preveem sua modificação ou revogação. 

O primeiro projeto neste sentido foi apresentado em 1991, três anos após o Brasil ganhar uma nova e democrática Constituição. A Carta de 1988, no entanto, não deixava claro – como ainda não deixa – se a LSN deveria continuar a ser aplicada com a mudança de regime. O Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu a respeito. 

Deputado pelo PT na época, o jurista Hélio Bicudo (morto em 2018) apresentou um projeto que definia o que eram crimes contra o Estado Democrático de Direito e o equilíbrio entre os Poderes. Ele se baseava em uma outra proposta, do governo de José Sarney, que revogava por completo a LSN. Desde então, outros 22 textos foram apensados ao projeto original. 

O último deles, de autoria dos deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e João Daniel (PT-SE), institui a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, em substituição à LSN. Desenvolvido em parceria com um grupo de juristas, que inclui nomes como Pedro Serrano, Lenio Streck, Juarez Tavares e Carol Proner, o texto é baseado em normas internacionais de países que, como o Brasil, já viveram ditaduras.

Teixeira acredita que a prisão de Silveira possa resgatar o debate no Legislativo. Na sexta, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a criação de um grupo para estudar leis que definam a relação entre os Poderes. “Nossa proposta pune, por exemplo, quem faz apologia a ditaduras, como foi o caso, e agrava a pena quando se trata de agente público civil ou militar”, diz o petista, que lista no projeto uma série de países que têm leis para defender a democracia, da Alemanha ao Chile. 

Segundo Teixeira, desde que Bolsonaro chegou ao poder há “exagero” no uso da legislação. Levantamento do Estadão no ano passado comprova a percepção: nos oito anos da gestão do ex-presidente Lula (2003-2010) foram abertos 29 inquéritos com base na LSN. Sob Bolsonaro, de janeiro de 2019 a junho de 2020, a Polícia Federal abriu 30. 

Vaga. A principal crítica feita pelos especialistas é que, além de ter sido formulada como instrumento de perseguição aos opositores da ditadura, a LSN tipifica crimes de forma vaga. No artigo 23, por exemplo, fala em subversão da ordem pública e social, mas sem definir o que isso significa. “A LSN traz tipos penais muito vagos. Tem sido usada para punir opinião, por meio do artigo 26, que considera crime como ‘fato ofensivo à reputação’ dos presidentes dos Poderes. O governo Bolsonaro tem recorrido a esse artigo para mandar investigar quem o critica. Foi o que fez o então ministro da Justiça, Sérgio Moro, em relação ao ex-presidente Lula, por exemplo, e é o que tem feito o atual ministro André Mendonça com jornalistas, cartunistas e advogado”, diz Serrano. 

advogado investigado com base na lei por um comentário sobre a atuação de Bolsonaro na pandemia é o criminalista Marcelo Feller. “Em janeiro, recebi intimação da PF para depor em inquérito solicitado pelo ministro Mendonça. Foi aí que tomei conhecimento do fato, já arquivado após pedido da procuradoria da República. O crime que queriam me imputar foi um comentário que fiz, com base em dados científicos, de que, por meio de seus atos e discursos, Bolsonaro é responsável por 10% dos casos e mortes de covid-19 no Brasil.” Feller fez a afirmação em programa da CNN com base estudo da Universidade de Cambridge e da Fundação Getúlio Vargas. 

Da lista de 22 projetos apensados à proposta de Bicudo, 12 visam definir o que é terrorismo. No outro grupo, há sugestões de alteração que vão desde o aumento das penas a novas tipificações de crimes. André Figueiredo (PDT-CE), por exemplo, propõe tratar como crime participação em atos considerados antidemocráticos para pedir a dissolução do Congresso, o retorno da ditadura ou o AI-5. Silveira se encaixaria nesses critérios. 

PROPOSTAS

1991 – Hélio Bicudo define como crime ato que promova o desequilíbrio entre os poderes.

2002 – Miguel Reale Júnior prevê crime de atentado à autoridade por “facciosismo político”

2003 – Alberto Fraga considera crime ato que prejudique o funcionamento das instituições do Estado

2015 – Moroni Torgan define como crime ato que incite a animosidade entre as Forças Armadas e instituições civis

2019 – L. P. de O. e Bragança prevê como crime “patrocínio de causas que atentem contra a ordem social”

Reginaldo Lopes define o STF como a Corte para julgar crimes contra a democracia

2020 – Gustavo Fruet define como crime contra a democracia atos de apologia da ditadura e da tortura.

Paulo Teixeira e João Daniel) Institui a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito

José Medeiros aumenta a pena prevista por crime de ameaça à vida de presidentes dos Três Poderes

André Figueiredo diz ser crime participar de ato a favor da dissolução do Congresso

Nenhum comentário:

Postar um comentário