sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

É preciso rapidez e rigor para punir Daniel Silveira – Opinião / O Globo

É ao mesmo tempo uma surpresa e um alento que, segundo relato do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao presidente Jair Bolsonaro, o plenário da Câmara pareça disposto a confirmar a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e possa até cassar seu mandato. Não é admissível nenhuma transigência com um parlamentar que profere injúrias e ameaças contra ministros do Supremo, além de agredir os fundamentos da democracia, atitude que não é protegida nem pelas prerrogativas do mandato parlamentar, nem pelo direito à liberdade de expressão. É preciso agilidade e rigor na punição de Silveira.

Até o momento, mantém-se o peso da decisão unânime do Supremo pela prisão. A reunião de custódia realizada ontem o manteve detido. Só falta a Câmara decidir seu destino. O plenário dos deputados deverá fazer isso hoje. Ou bem o tratará com o corporativismo e o compadrio contumazes no Parlamento ou, ao contrário, seguirá o voto da Corte, como aventou Lira.

A surpresa positiva na audiência de custódia sucedeu a especulação de que Silveira seria solto de tornozeleira eletrônica, em troca a Mesa da Câmara encaminharia o caso ao Conselho de Ética, desativado desde o início da pandemia. Na verdade, era uma manobra para garantir a impunidade, a julgar pela leniência e lentidão com que o Conselho atua nas duas Casas do Congresso. Para afastar o temor, foi encaminhado ontem pela Mesa ao presidente do Conselho, Juscelino Filho (DEM-MA), o pedido de cassação de Silveira, que será analisado terça-feira.

A gravidade dos ataques de Silveira impõe aos parlamentares uma guinada na forma como costumam julgar seus pares. Havia em dezembro 29 pedidos de punição contra deputados parados na Mesa da Câmara, à espera de uma decisão sobre o encaminhamento ao Conselho de Ética, onde já estão 10 processos também paralisados.

A suspensão dos trabalhos em comissões devido à pandemia pode até ser um atenuante, mas não justifica tamanha omissão. Pandemia não é desculpa para paralisia. Empurrar com a barriga as denúncias apresentadas à Mesa, e mesmo ao Conselho, é recurso frequente do corporativismo parlamentar na proteção de aliados. No final de 2019, o ministro Celso de Mello, do Supremo, suspendeu o mandato do deputado Wilson Santiago (PTB-PB), acusado de se beneficiar do superfaturamento em obras no interior do estado. A Câmara suspendeu a decisão de Celso e despachou o caso ao Conselho de Ética. Veio a Covid-19, e lá se foi o processo para o fundo duma gaveta.

Entre os 10 processos que dormem no Conselho, nem chegou o caso absurdo da deputada Flordelis (PSD-RJ), denunciada por envolvimento no assassinato do marido, em cumplicidade com parte da família. Não foi enviado pela Mesa. Flordelis é obrigada pela Justiça a usar tornozeleira eletrônica. No Senado, a situação não é muito diferente. Basta lembrar o caso do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com R$ 30 mil na cueca. Ele retomou ontem seu mandato, enquanto as acusações de desviar verbas de combate à pandemia (que nega) também repousam no Conselho da Casa.

É escandalosa a leniência dos parlamentares com os colegas. Todos os casos parados devem ser examinados, até para estabelecer inocência quando razoável. A começar pelo de Silveira, que precisa ser punido com rigor e rapidez. 

Perspectiva de volta da inflação nos países ricos é desastrosa para Brasil – Opinião / O Globo

Não bastasse o choque da pandemia, desenha-se uma perspectiva desalentadora para o Brasil nos próximos anos, em virtude do cenário global. Não se trata só do avanço do protecionismo que prejudica nossos negócios. O que hoje perturba a cabeça de dez entre dez economistas nos países ricos é a convicção crescente de que a inflação voltará por lá.

Seria uma inversão radical de tendência, já que a última década foi consumida pelo temor oposto, de deflação. Juros negativos se tornaram comuns. Desde 2008, os bancos centrais injetaram trilhões e trilhões nos mercados sem fazer cócegas nos preços. Agora, diversos indicadores sustentam a expectativa de alta inflacionária.

Na Zona do Euro, os preços subiram em janeiro mais que em qualquer outro mês nos últimos cinco anos. A alta do petróleo tem gerado reajustes em série nos combustíveis aqui também. O custo de transportar mercadorias pelo planeta quase triplicou no último ano. O reaquecimento da economia chinesa, menos afetada pela pandemia, tem aumentado a demanda por vários produtos.

Tudo isso tem contribuído para um debate nos Estados Unidos, dentro do Partido Democrata, sobre a ambição do estímulo fiscal do presidente Joe Biden. De um lado, o economista Paul Krugman defende que o US$ 1,9 trilhão (quase 9% do PIB), encaminhado por Biden ao Congresso, será mesmo necessário para tirar o país da depressão pandêmica. De outro, o economista Larry Summers vê um risco inflacionário quando a população estiver vacinada, e a poupança represada (em torno de 11% do PIB) começar a se transformar em consumo. Krugman argumenta que é melhor pecar por excesso. A economia precisa reengatar ladeira acima e, se a aceleração for exagerada, não será difícil reduzir a velocidade.

Deixando de lado a discussão acadêmica, é certo que a inflação voltará. No cenário benigno, uma pressão modesta da demanda faz parte da ambição dos BCs para estimular a retomada. A alta mais resiliente, porém, prevista pelos analistas e temida por Summers, significa que poderá ser inviável manter as taxas de juro nos patamares irrisórios que vêm sendo praticados desde a crise financeira de 2008. Para o Brasil, qualquer alta nos juros lá fora será nada menos que desastrosa.

Significará, ao mesmo tempo, maior valorização do dólar e mais dificuldade para vender títulos do governo e rolar a dívida pública (e também pressão inflacionária). O descalabro fiscal em que estamos exigirá, para atrair compradores, oferecer ao mercado juros mais altos, com as previsíveis consequências recessivas.

A única forma de mitigar o baque é fazer o possível para aprovar reformas que permitam conter a explosão do endividamento. Mesmo assim, no melhor cenário a dívida crescerá inexoravelmente pelo menos até 2026. Em nenhum momento, as condições externas exigiram tanta maturidade e coragem do Congresso brasileiro para fazer avançar a agenda reformista. E nunca maturidade e coragem estiveram tão em falta entre nossos parlamentares.

O desafio do deputado bolsonarista – Opinião / O Estado de S. Paulo

Não é hora de contemporizar. Há limites e eles precisam ser devidamente lembrados

As eleições de 2018 deviam ser, assim pediram os eleitores nas urnas, a renovação da política. Havia o clamor por um novo patamar moral e cívico dos governantes e parlamentares eleitos. De fato, houve uma renovação do Congresso em porcentual inédito. No entanto, fica cada vez mais evidente que o bolsonarismo não apenas aproveitou esse anseio de uma nova política, como de alguma forma o atraiçoou, ao trazer para a política gente que não apenas ignora os fundamentos básicos do Estado Democrático de Direito, como descumpre também o Código Penal.

Ao divulgar um vídeo em que profere ofensas e ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e faz pregação de caráter claramente golpista, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) descumpriu seu compromisso de respeitar a Constituição – não há lugar no Congresso para quem defende o Ato Institucional (AI) n.º 5 e intimida integrantes de qualquer dos Poderes –, além de ter cometido crimes previstos na legislação brasileira. Trata-se de escárnio com o regime constitucional. Por discordar das decisões do Supremo, o deputado bolsonarista pede, por exemplo, a destituição, cassação e prisão dos seus membros, além de instigar a violência contra eles.

A imunidade parlamentar – “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, diz o texto constitucional – não é sinônimo de impunidade. Tanto é assim que a Constituição prevê que parlamentares podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.

Por 11 votos a zero, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o deputado bolsonarista, ao instigar a adoção de medidas violentas contra a vida e a segurança dos ministros do Supremo, cometeu crime inafiançável, mantendo a prisão em flagrante decretada pelo ministro Alexandre de Moraes na terça-feira passada.

A manifestação contundente do Supremo recorda a todos que, apesar do caos que alguns querem impor, ainda existe lei no País. No início da sessão, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, lembrou o dever do STF de zelar pela higidez do funcionamento das instituições brasileiras. “Por esse motivo, o STF mantém-se vigilante contra qualquer forma de hostilidade à instituição. (...) Ofender autoridades, além dos limites permitidos pela liberdade de expressão, que tanto consagramos no STF, exige, necessariamente, uma pronta atuação da Corte”, disse.

O decano do Supremo, ministro Marco Aurélio, destacou a gravidade do comportamento do deputado Daniel Silveira. “Estou com 74 anos de idade, 42 em colegiados judicantes, e jamais imaginei presenciar ou vivenciar o que vivenciei, jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva, tão chula, no tocante às instituições”, disse.

Ao votar pela manutenção da prisão, Marco Aurélio lembrou que era imprescindível interromper a prática delituosa, não havendo qualquer dúvida sobre a periculosidade do preso e a necessidade de preservar a ordem pública. Alvo de dois inquéritos no Supremo, o deputado bolsonarista, em sua passagem pela Polícia Militar do Rio de Janeiro de 2013 a 2018, sofreu 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e 2 advertências, acumulando 54 dias de prisão e 54 de detenção. Trata-se de um histórico nada abonador, revelando quem o bolsonarismo alçou à vida pública.

Como dispõe a Constituição, compete à Câmara dos Deputados decidir sobre a prisão decretada pelo Supremo. “Os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”, diz o art. 53, § 2.º.

Com esse procedimento, a Constituição estabelece não apenas mais um meio de controle das garantias constitucionais, como atribui ao Poder Legislativo um papel decisivo na aplicação da lei. O Congresso tem o dever de proteger o Estado Democrático de Direito, sem criar espaços para a impunidade e, o que seria ainda pior, transigir com agressões ao regime republicano e às instituições democráticas.

Não é hora de contemporizar. A atuação do deputado bolsonarista não coloca em risco apenas o Supremo e seus ministros. Ao defender o AI n.º 5, Daniel Silveira também ameaça o Congresso. Há limites e eles precisam ser devidamente lembrados.

Paródia econômica do surrealismo – Opinião / O Estado de S. Paulo

Sem plano, o governo tenta achar dinheiro num Orçamento ainda inexistente

O ministro da Economia, Paulo Guedes, procura espaço para acomodar um gasto imprevisto de R$ 30 bilhões num orçamento inexistente. O orçamento é ainda imaginário, assim como o possível corte de gastos – fala-se em R$ 10 bilhões, talvez o dobro disso –, mas são reais as dezenas de milhões de pessoas atoladas na pobreza depois de extinto o auxílio emergencial. Reativar o auxílio, ou parte dele, é mais que uma questão de solidariedade. É um passo para reativar o consumo e animar a economia – e, para o presidente Bolsonaro, um gesto potencialmente importante para a reeleição, o foco principal de suas atividades.

Paródia do surrealismo, a atual política econômica brasileira dificilmente seria imaginada por André Breton, autor do Manifesto Surrealista, de 1924, ou por qualquer dos artistas e escritores ligados ao movimento. Quando o Orçamento deste ano for aprovado no Congresso, no fim de março ou começo de abril, a equipe do Ministério da Economia deverá ter avançado – se restar alguma prosaica normalidade – no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022.

Antes disso, em 22 de março, será preciso enviar ao Congresso o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, um acompanhamento regular da execução orçamentária e da evolução das condições fiscais. Esse documento mostra as condições fiscais e, quando se julga necessário, indica o bloqueio de despesas.

Esse bloqueio ocorre, com frequência, nos primeiros meses de cada ano. É medida de prudência, depois afrouxada, ou mesmo abandonada, quando as finanças do governo avançam de forma satisfatória. Mas esse é o procedimento rotineiro, quando a vida segue com normalidade e o governo também é normal.

Nenhuma das duas condições tem sido observada. Nem a vida é normal, afetada pelos danos sanitários e econômicos da pandemia, nem o governo segue padrões mínimos observados, tradicionalmente, na gestão pública.

O desvio dos padrões mínimos de normalidade foi visível desde o começo do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Formalizada a posse, em janeiro de 2019, o presidente ignorou as questões administrativas, desprezou a pauta de reformas e dedicou-se a facilitar o armamento da população civil, como se isso fosse tarefa urgente. Precisou dar alguma atenção à reforma da Previdência, prioridade herdada do governo anterior. Atrapalhou a tramitação, foi aconselhado a se calar e o empenho de parlamentares garantiu a aprovação do projeto.

A economia havia começado, nos dois anos anteriores, a recuperar-se da recessão de 2015-2016. Sem sustentar essa tendência, o governo fechou 2019 com crescimento econômico inferior ao de 2018. O Produto Interno Bruto (PIB) recuou no primeiro trimestre de 2020. A pandemia, com efeitos sensíveis a partir da segunda quinzena de março, atingiu um país economicamente já enfraquecido.

O Banco Central estimulou o crédito rapidamente. O presidente Bolsonaro e a equipe econômica reagiram em seguida, com medidas de apoio a empresas, de defesa do emprego e de socorro aos mais vulneráveis. Brasília tomou, enfim, o caminho aberto pelos governos das economias avançadas e seguido, com apoio do Fundo Monetário Internacional, por mais de 80 países.

Diferentes condições financeiras permitiram diferentes graus de reação à crise. No Brasil foi alto o comprometimento de recursos fiscais. A economia reagiu, mas sobraram uma dívida pública muito inflada e um enorme desarranjo nas contas públicas.

A equipe econômica preparou o projeto de Orçamento de 2021 como se o crescimento estivesse assegurado, a pandemia devesse recuar e os 67 milhões de beneficiários do auxílio emergencial pudessem, de repente, dispensar aquele dinheiro. O presidente manteve um ministro da Saúde disposto a distribuir cloroquina e incapaz de planejar a vacinação. Fevereiro logo vai terminar, o governo continua sem Orçamento, as tarefas se amontoam, mal programadas, e a média móvel de mortes supera mil por dia, num balé confuso, sinistro e jamais concebido pela mais desatada imaginação artística.

Horizonte sombrio para a educação – Opinião / O Estado de S. Paulo

Orçamento para a educação continuará aquém das necessidades do setor em 2021

Depois de dois anos de total paralisia na área educacional, dada a inépcia administrativa dos ministros que estiveram à frente do Ministério da Educação (MEC) nesse período, o governo do presidente Jair Bolsonaro inicia seu terceiro ano de mandato sinalizando que os problemas do setor se agravarão ainda mais. 

Entre 2019 e 2020, as sucessivas confusões em que o MEC se envolveu foram causadas pela incapacidade de seus dirigentes de articular as redes municipais e estaduais de ensino num período de pandemia, pela substituição de critérios técnicos por diretrizes ideológicas e religiosas na condução do sistema escolar e pelo contingenciamento de parte das verbas orçamentárias. Nesses dois anos, os investimentos do MEC também foram os menores desde 2015, deixando claro que a educação jamais foi prioritária para Bolsonaro. Outra prova disso é o fato de que, por razões políticas, o MEC teve uma retirada de R$ 1,4 bilhão de seu orçamento para financiar obras federais de responsabilidade de outros Ministérios. 

Em 2021, os problemas mais graves tendem a ser de natureza financeira. Como o orçamento proposto para o MEC neste ano, e que ainda não foi votado pelo Congresso, é quase o mesmo do orçamento de 2020, da ordem de R$ 144,5 bilhões, em termos práticos isso significa que a pasta não terá condições de repassar para as universidades e escolas técnicas mantidas pela União os recursos de que necessitam para comprar equipamentos, adquirir insumos para laboratórios, atualizar equipamentos de informática, construir salas e conservar instalações.

O impacto maior será na educação profissional, justamente num momento em que as vagas que serão abertas no mercado de trabalho após a pandemia exigirão mão de obra cada vez mais qualificada, por causa dos avanços nas tecnologias de produção. As estimativas são de que esse nível de ensino perderá em 2021 cerca de 21% do que recebeu em 2020. Para o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), muitos institutos federais não conseguirão implementar as atividades planejadas e outros não terão condições de consolidar sua infraestrutura, o que reduzirá a oferta de cursos e a criação de novas vagas. 

Além das dificuldades acarretadas para o ensino profissional, a insuficiência de recursos poderá gerar outro grave problema. Como em 2020 as escolas da rede pública de ensino básico ficaram fechadas após a eclosão da pandemia, a volta às aulas presenciais foi planejada para o início de 2021 sem, contudo, que as autoridades educacionais previssem um novo agravamento da pandemia de covid-19 e sem que as autoridades sanitárias dessem prioridade aos professores no calendário de vacinações. 

Esse fato novo ampliou os problemas que o sistema educacional público terá de enfrentar em um contexto de crise sanitária e de escassez de recursos. Entre outros desafios, os gestores escolares terão de trabalhar com as atividades planejadas para 2021 e, ao mesmo tempo, também terão de integrar as aprendizagens que não foram desenvolvidas em 2020, uma vez que o desempenho do sistema público de ensino ficou abaixo do esperado para os estudantes que assistiram a aulas virtuais, como reconhecem vários secretários estaduais de Educação. Serão “dois anos em um”, afirmam membros do Conselho Nacional de Educação e dirigentes de ONGs do setor educacional.

No fim do ano passado, gestores escolares, pedagogos e especialistas em ensino público profissional e ensino básico afirmaram que, se o orçamento da área da educação não fosse recomposto, por causa dos problemas fiscais enfrentados pelos diferentes níveis de governo, a educação brasileira estaria à beira de um colapso em 2021. Infelizmente, como o governo Bolsonaro nada fez nesse sentido e o ano de 2021 já está em seu segundo mês, isso significa que o Brasil continua perdendo a corrida educacional, sem superar deficiências de conhecimento das novas gerações e reduzir as desigualdades ampliadas pela pandemia. 

Folha, 100 – Opinião / Folha de S. Paulo

Jornal será relevante em novo século se respeitar direito do leitor à informação

Esta Folha completa nesta sexta (19) 100 anos de existência. Em qualquer atividade, são poucas as organizações, públicas ou privadas, que chegam à marca. Menos ainda as que têm como atividade o jornalismo profissional, em sua vertente crítica.

A celebração é espartana, conforme o momento e a praxe interna.

O jornal não é o mesmo de 1921, obviamente, quando surgiu como contraponto moderno e inquieto aos diários da elite de então. Esse traço viria a definir seu DNA e lhe daria o “espírito de imigrante”, numa feliz definição posterior.

Foi a partir do fim dos anos 1970 e na década seguinte que a Folha ganhou relevo nacional, primeiro com a abertura de suas páginas para o debate público, depois com a campanha pelas eleições diretas. São dessa época as diretrizes que até hoje balizam sua conduta e sua relação com o público.

Seu compromisso basilar, como saberão os leitores mais assíduos, é com o jornalismo apartidário, crítico e pluralista. Não se trata de um conjunto estanque de princípios; ao contrário, a busca desses objetivos sempre impõe reflexões e reorienta as práticas cotidianas.

O apartidarismo implica distanciamento em relação às forças políticas, o que permite escrutinar com independência o poder em todas as suas formas e instâncias. Dificilmente um veículo de imprensa movido a preferências políticas e ideológicas seria capaz de trazer à tona fatos impactantes que governos tão diferentes quanto os de PSDB, PT e do atual presidente gostariam de manter ocultos.

Ao expressar seus pontos de vista, o que faz apenas nesta seção de editoriais, o jornal abraça a defesa de ideias, nunca a de candidatos ou agremiações. Essas opiniões sujeitam-se a ser reforçadas periodicamente com novos dados e argumentos, ou mesmo reformadas com a transparência obrigatória.

O jornal se sabe falho e não pretende impor certezas —eis o que move o seu pluralismo. Suas páginas continuarão abertas a manifestações de todos os setores representativos da sociedade e a diferentes versões e interpretações dos fatos, sem que se abandone a tarefa de buscar o relato mais fidedigno possível, apresentado de maneira atraente em qualquer plataforma.

A atmosfera crítica e a premência temporal que envolvem a produção do noticiário exigem contrapartidas para que excessos, injustiças e erros não evitados sejam corrigidos. A Folha é o único dos grandes veículos brasileiros a manter um profissional encarregado de fiscalizar a si própria. A retificação de informações é diária, explícita e mandatória.

Em microcosmo, o jornal reflete os mecanismos da governança mais exitosa jamais concebida pela humanidade, o Estado democrático de Direito. Porque os indivíduos são movidos em parte pelas paixões e os interesses, há que constituir instituições harmônicas e independentes, que pelo seu entrechoque previnam a tirania e facilitem o progresso inclusivo de toda a comunidade nacional.

A Folha não acredita que seja possível o desenvolvimento material e espiritual da sociedade brasileira fora dos marcos da democracia representativa. A pobreza e a desigualdade serão reduzidas à medida que mais parcelas da população tiverem acesso a oportunidades, seja na economia, seja na política.

Cumpre desconcentrar o poder e diluir as oligarquias, algo que não será realizado sem a fiscalização dos Poderes instituídos sobre o Executivo, no setor público, nem a vigilância do jornalismo profissional, na sociedade civil.

O jornal milita, igualmente, pelo consenso iluminista, a defesa das liberdades individuais e das minorias, a diversidade em sua feição mais abrangente e a soberania da ciência sobre o obscurantismo.

Pela primeira vez sob a Constituição de 1988 os veículos como a Folha se defrontam com um adversário do regime, adorador de autocratas e torturadores, na Presidência da República.

Os desejos de destruição da imprensa independente que com frequência escapam da boca do mandatário são manifestações de uma contrariedade mais profunda, contra as amarras que o impedem de portar o cetro e a coroa ou a farda.

A vantagem de um jornal centenário neste momento é vislumbrar a perspectiva da História. A energia despendida agora para preservar as liberdades duramente conquistadas não terá sido em vão. As angústias serão superadas, e a marcha das conquistas civilizatórias, cedo ou tarde, retomada.

Os próceres do despotismo ficarão pelo caminho, apagados pela névoa do tempo. A causa da Folha é maior e mais forte. O jornal seguirá dando sua contribuição à aventura do desenvolvimento justo, democrático e solidário do Brasil nos próximos cem anos, desde que mantenha o compromisso com o direito à informação de Sua Excelência, o leitor.

Câmara deveria retirar o mandato de Daniel Silveira – Opinião / Valor Econômico

Abomináveis baixarias do deputado não podem ficar impunes

As abomináveis baixarias do deputado bolsonarista Daniel Silveira contra o Supremo Tribunal Federal e a democracia, que lhe renderam a prisão na terça-feira à noite, tornou novamente visíveis as disfunções da República. Com a imunidade parlamentar levada aos extremos, a defesa das instituições perde força. A entrada em cena do arruaceiro Silveira, antecedida pela do ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Boas, mostrou que não é só o presidente Jair Bolsonaro que ameaça o regime democrático - os ataques agora vêm de vários lados. A provocação estúpida do deputado põe à prova o casamento de conveniência de Bolsonaro com o Centrão. E, não menos importante, o episódio macula ainda mais a imagem do Legislativo, que não se incomoda de ter entre seus membros inimigos do voto e da representação popular.

O deputado Daniel Silveira precisa ser afastado de seu mandato - a rigor, sequer deveria tê-lo, não fossem as mazelas de um sistema eleitoral em que a oferta de péssimos candidatos é infinitamente maior do que a dos bons, sérios e propositivos. A onda bolsonarista nas urnas, em 2018, tornou o inexistente PSL na segunda maior bancada do Congresso, e com ela vieram em grande quantidade aproveitadores de toda a espécie, que sequer têm ideia da responsabilidade do cargo que ocupam - algo que não é restrito a esse partido, mas quase geral.

Há muitas peças fora do lugar no arranjo institucional que, quando colocado à prova, como agora, parece sempre estar em busca de uma solução improvisada, não segue um caminho consolidado, traçado por sólidas interpretações legais. Não há entendimento sobre o complexo tema dos limites da imunidade parlamentar. Bolsonaro, como deputado, passou 28 anos na Câmara defendendo a ditadura, elogiando torturadores, sem que fosse incomodado por quem quer que fosse. Como demonstrado pela defesa de Silveira, é como se ocupantes de cargos eletivos não fossem responsáveis por suas palavras e atos.

Um dos motivos para isso é que a imunidade não é coadjuvada pelo controle que o Congresso deveria exercer sobre seus membros e normas éticas que os partidos deveriam impor a seus deputados e senadores. A Comissão de Ética da Câmara é uma ação entre amigos. Não julgou dois processos contra Eduardo Bolsonaro, outro contra Flordelis, acusada de assassinato, e de deputados envolvidos em corrupção durante a pandemia. Foi agora convocada às pressas para trabalhar, o que raramente faz.

A legislação dá as garantias ao exercício do mandato e estabelece que a prisão de um membro do Legislativo tem de ser aprovada por maioria absoluta da Casa. A prisão só poderá ser decretada em flagrante de crime inafiançável. Juristas respeitáveis disseram que era o caso agora, e outros, o contrário. Ademais, Silveira, defensor da ditadura, teve-lhe atirada sobre a cabeça o peso da Lei de Segurança Nacional do regime militar, que exclui da imunidade ataques ao estado de direito e atentados contra a democracia - ambas inexistentes quando se elaborou a peça legal. Essa lei não foi extinta até hoje.

Agindo como colegiado, o Supremo traçou uma régua sobre a questão da imunidade, de forma a suspendê-la quando se tratar de ameaça a instituições democráticas - algo que a chuva de impropérios de Silveira inegavelmente é. Resta saber se a decisão do STF não terá o mesmo signo da provisoriedade, surgido das circunstâncias, como ocorreu em outras oportunidades.

As provocações do bolsonarista Silveira e a reação rápida e contundente do Supremo deixam desconfortável o presidente, que já atacou as instituições e o STF, até surgir o caso Flávio Bolsonaro-Fabrício Queiroz. Para não criar uma crise entre poderes, Bolsonaro tem de se calar sobre o assunto. Andando sobre brasas está o presidente da Câmara, Arthur Lira. Sua primeira linha de ação, a acomodação, com a retirada da prisão pelo Supremo e a convocação da Comissão de Ética parece não ter dado certo.

Lira tem dois processos contra si no STF e a perspectiva de permitir prisão de parlamentares é-lhe pessoalmente indigesta, tanto quanto a de indispor-se com os togados que irão julgá-lo mais à frente. Ele decidiu, com a Mesa Diretora, recomendar à Comissão de Ética a perda do mandato. O plenário da Câmara precisa decidir se aceita ou não a prisão do deputado.

A Câmara precisa retirar-lhe o mandato, até como advertência aos parlamentares que defendem a ditadura, que fechou o Congresso.

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