quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Ribamar Oliveira - O novo marco fiscal da PEC 186

- Valor Econômico

Governo vai perseguir uma trajetória para a dívida pública

Se o substitutivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186, apresentado pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), for aprovado, o teto de gastos da União, instituído pela emenda 95/2016, terá função complementar e poderá, no futuro, ser suavizado. Na verdade, a proposta institui um novo marco fiscal para a União, no qual o governo federal irá perseguir uma trajetória de convergência do montante da dívida pública para um limite definido em lei.

Um modelo semelhante é utilizado pela Suécia. Lá, o governo adota uma política fiscal que tem um limite para a dívida pública bruta, uma meta de resultado nominal e um teto para gastos de base móvel, que pode ser ajustado depois de um determinado período. Tanto o teto como a meta fiscal são fixados para manter a dívida bruta na trajetória pré-definida. Há uma série de outros detalhes que não cabe aqui especificar.

O fato é que os elementos básicos desse modelo estão presentes na PEC 186. O inciso VIII do artigo 163, que está sendo acrescentado na Constituição pela PEC, estabelece que uma lei complementar definirá a trajetória de convergência do montante da dívida com limites especificados em legislação. Não esclarece, no entanto, se o conceito a ser utilizado é o da dívida bruta ou líquida.

É importante observar que o modelo não propõe a fixação de um limite para a dívida da União. Um limite está previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (lei complementar 101/2000), mas nunca foi definido pelo Senado, pois o governo federal sempre foi contrário à ideia. Só há limites para Estados e municípios.

A PEC 186 estabelece que o governo vai propor uma trajetória para a dívida pública a ser alcançada durante um certo período de tempo. A trajetória terá que ser aprovada pelo Congresso Nacional. Acreditava-se, na área técnica, antes da pandemia da covid-19, que a dívida bruta do setor público brasileiro deveria convergir para 50% do Produto Interno Bruto (PIB). Naquela época, ela estava próxima de 74% do PIB. No pós-pandemia, a meta pode ser, por exemplo, 60% do PIB, que seria alcançada em um determinado período de tempo.

O Brasil poderá adotar um sistema de bandas de flutuação para a dívida, com um limite superior e outro inferior, semelhante ao adotado no regime de metas de inflação utilizado pelo Banco Central. Na Suécia, se a dívida se desviar, para cima ou para baixo da trajetória definida, mais de cinco pontos percentuais do PIB, o governo é obrigado a apresentar uma comunicação ao Parlamento, explicando a causa do desvio e apresentando um plano de como pretende retornar a dívida para o patamar determinado.

A meta de resultado primário das contas públicas terá que ser compatível com a trajetória para a dívida, prevê a PEC 186. Talvez o resultado possa ser fixado para vários anos, como ocorre na Suécia. Assim, o Brasil poderia fazer um planejamento de médio prazo de suas contas.

A lei complementar que vai regulamentar esta questão poderá definir medidas de ajuste fiscal, suspensões e vedações para que a trajetória da dívida seja alcançada. A PEC diz que a União, os Estados e os municípios devem conduzir suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis que assegurem sua sustentabilidade. E que a elaboração e execução de planos e orçamentos devem refletir a compatibilidade dos indicadores fiscais com a sustentabilidade da dívida.

Para a União, a PEC cria dois gatilhos que disparam as medidas de ajuste fiscal, com o objetivo de preservar o teto de gastos. Em situação normal, o governo pode adotar medidas de contenção toda vez que a despesa obrigatória primária, submetida ao teto de gastos, superar 95% da despesa primária total. Em situação de calamidade pública, reconhecida pelo Congresso, o ajuste deve ser realizado para compensar os gastos extras do período.

Se a PEC 186 for aprovada e o novo marco fiscal for colocado em prática, ficará mais fácil para o próximo governo adotar um teto de gasto mais flexível. A Suécia, por exemplo, define um teto para um período de quatro anos, sendo que o valor fixado para o terceiro ano é considerado impositivo. Para o quarto ano, o valor é apenas indicativo. Os novos cenários econômicos são anualmente analisados e, com base neles, o governo define o teto de gastos para outro período de quatro anos.

Outro ponto da PEC está relacionado com a sustentabilidade da dívida. Pela primeira vez será inscrito no texto constitucional que, na promoção e na efetivação dos direitos sociais, deve ser observado “o equilíbrio fiscal intergeracional”. A preocupação aqui, ao que parece, está relacionada com as decisões do Poder Judiciário, quando julga questões relativas a direitos individuais e coletivos.

Questionamentos
A PEC determina que o presidente da República encaminhe, em até seis meses após a promulgação da emenda constitucional, um plano de redução gradual e linear de incentivos e benefícios de natureza tributária. Há, pelo menos, três questionamentos que precisam ser feitos.

O primeiro é saber por que o senador Bittar manteve este comando na PEC 186, uma vez que, neste momento, o Congresso discute a reforma tributária. Existe, inclusive, uma proposta do governo de unificação do PIS e da Cofins, com a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). Até aqui a estratégia do governo era deixar a redução dos incentivos para depois da reforma, mesmo porque a mudança dos tributos iria permitir a eliminação de vários deles. A manutenção deste artigo na PEC pode indicar que o governo tenha desistido da reforma.

A segunda questão é que o substitutivo de Bittar fala em “redução linear” dos incentivos e benefícios. É difícil imaginar como isso poderá ser feito. O terceiro questionamento é a PEC excluir da redução os incentivos à Zona Franca de Manaus, a desoneração da cesta básica e os benefícios tributários às micro e pequenas empresas, por meio do Simples Nacional, que é responsável pelo maior volume do gasto tributário. Não dá para reduzir o gasto de 4% para 2% do PIB com o que sobra, como dispõe a PEC.

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