terça-feira, 23 de março de 2021

Aylê-Salassié F. Quintão / Alexandre Q.F Quintão* - O apagão: uma fábula

A nossa velha República não tem como dar resposta a este desafio que, no Japão,  pertence ao mundo dos mangás, animes  e otakus, porque não os leva a sério.  

Para os brasileiros, tecnologicamente ainda no cueiro, são perturbadoras, entretanto, as virtudes e as competências das tecnologias  dessa quinta geração (5G) que está vindo por aí,  propondo a troca de softs, conexões digitais inovadoras e a instalação de novas redes digitais.

O modelo é comandado pela mega fabricante chinesa Huawei que,  por aqui, já detém o controle da Nextel e da Sercomtel, está presente em 65% da rede Vivo, 60% da OI, 55% da Claro e 45% da TIM (Wiziack,2021). Os Estados Unidos questionam o papel da empresa chinesa, e o Brasil, seguindo ainda a linha de Trump, transita refratário pelo ambiente, mas já cogitando de uma concorrência internacional para atualização e instalação de novas redes. Briga de “cachorro grande”: a China é o maior parceiro comercial do Brasil.

Em uma partida de Shogi, um jogo de xadrez japonês, entre um aluno e seu professor, o mestre pergunta: Shikamaru, se esse jogo fosse como a nossa vida, nossa vila, e acontecesse no contexto que vivemos, quem seria o Rei?   Shikamaru é considerado um dos ninjas mais inteligentes do país do Fogo. Com o menor esforço,  busca resolver problemas da maneira lógica, e ser o mais objetivo possível, responde: Ora, é o Hokage (o “presidente”).

O professor contesta: Numa primeira vista, parece mesmo o Hokage. Se por algum motivo, o Hokage é deposto do cargo ou se o rei morre, outro ‘’Hokage’’ entra no trono e o jogo recomeça. Então, é preciso proteger o rei pois, se for capturado o jogo acaba. Mas, quem é o rei, então?

Do lado de cá do Japão, na nossa República, o  chefe maior é o Presidente que, ao ter a pretensão de ser a resposta de Asuma, ele se torna um plutocrata, um ditador, ou reinará como  o Reizinho (The Little King,  de Otto Soglow), um dos mais hilariantes personagens dos quadrinhos do século passado, que gostava de se comunicar com gestos pantomímicos. Reinou por quarenta anos amparado pelos jornais e revistas conservadores. Imaginação fértil, desafiava o protocolo e a realidade ao seu redor. Tinha família, conselho de ministros, exército, corte e súditos. A única figura que ali destoava era ele mesmo, o rei, pouco afeito às convenções e às liturgias. Vivia criando situações embaraçosas.

São fábulas que ajudam hoje a compreender a realidade brasileira. O cidadão se aborrece diante de tantos reizinhos e visionários contando diferentes versões. A História mostra que o socialismo não deu certo por eleger como virtuosa a classe operária, ignorando os problemas ainda maiores que ela gera. O capitalismo se  perdeu ao  produzir uma enorme exclusão social.  O diálogo democrático entre os dois tende a não vingar porque são confrontos recheados de vícios retóricos, estigmas, fetiches e maldades com sentidos pré-determinados, cujos ônus caem sempre sobre a sociedade, sem que alguém seja responsabilizado criminalmente.

Restam os reformistas conciliadores, temerosos das soluções violentas, propondo reformas  políticas,  ajustes nos sistemas de saúde, de educação, de humanização da cadeia produtiva, da propriedade da terra, etc. Tudo tende, entretanto, a  ser apenas representado, como se fora mesmo um mangá capitaneado pelo jogo dos três poderes. Eles parecem um cemitério, onde toda a história se encerra e se enterra. Deve ser por isso que a maioria veste-se de preto. 

A história brasileira teve tempo e algumas oportunidades para passar por rupturas definitivas. Nada vingou, porque o sistema se ampara em uma estrutura social e mental canonificada por falsos profetas e  enganosas interpretações. Foram tão bem configuradas ao longo da História que a tecnologia as disseca com rapidez e as deglute com facilidade. Na Austrália, o Google já controla 95% das buscas. O mundo atual, em processo distópico, está começando a ficar mesmo sob o controle das grandes plataformas digitais, modelos e ferramentas conectados dentro de um ambiente e que  interagem entre si, buscando, criando valores e encripitando-os. Nossos arquivos pessoais, de empresas e governos vão sendo codificados, ininteligivelmente, por essas  plataformas inclinadas a  retomar o caminho do mundo   em direção a paradigmas culturais novos.  

A tecnologia,  sucedendo a si mesmo constantemente (1G, 2G, 3G, 4G, 5G), começa aos poucos a controlar o espetáculo social. Uma empresa estrangeira controla no Serviço de Processamento (Serpro) do Ministério da Fazenda o auxílio emergencial e as  contas públicas. Agora chega aí, também de mansinho, uma tentação tão indigna quanto as atitudes do reizinho, que é o controle da inteligência nos centros de pesquisa e nas salas de aula digitais.

O impaciente Shikamaru vê o mestre Assuma mal no leito de morte, e não resiste: “Quem é afinal o rei? Fala, quem é?”. O mestre responde: “Ele não nasceu ainda”. As virtudes desta geração estão se apagando à espera da próxima.

*Aylê-Salassié F. Quintão, Jornalista e professor e Alexandre Q.F Quintão, Fisioterapeuta, pós-graduado em gerenciamento estratégico de projetos

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