quarta-feira, 31 de março de 2021

Aylê-Salassié F. Quintão* - Panteão: jurisprudências desqualificam a Constituição

- Você não confia no seu Supremo? - indagou o ministro a um jornalista que o interpelava em um programa de televisão. Esperava ele, certamente, uma resposta contemporizadora, ao estilo mineiro. Mas o jornalista não escorregou na “casca de banana”, e respondeu:

- Não. Não confio.

Em que pese o Supremo Tribunal Federal pretender ser o pai da justiça e da moral pública, mandando punir, vez por outra, quem o crítica, depois do esvaziamento sistemático da Lava Jato e do episódio Moro, não parece restar dúvida de que se está diante de uma militância política, e não do exercício da hermenêutica jurídica.

O regime republicano nos moldes adotado é um campo propício para aventuras de todos os gêneros e modalidades. A escravidão, a discriminação, o capitalismo, o fascismo ou a etérea presença do comunismo não construíram sozinhos esse estado de confusão mental no brasileiro. Isto é fruto da corrupção histórica e da imoralidade na esfera pública que, de impensáveis e múltiplas formas insiste em permanecer. Não poupam nenhuma instância política, civil ou jurídica. São aceleradores distopicos da do desenvolvimento e da soberania nacional.

Oligarquicamente, banqueteia-se no Poder, e cospe-se fácil no prato, depois de locupletar-se de salários e privilégios. Há pouco tempo, ministros do STF, citados nominalmente, foram chamados de “frouxos”. Não reagiram.   Outro liberou um traficante amplamente conhecido por atividades criminais. Um terceiro contrariando os próprios tribunais liberou um empresário que financiava autoridades. Manteve-se o foro privilegiado para parlamentares e juízes e agora abrigam também informações obtidas e transmitidas por hackers, inclusive estrangeiros. Lembra a “deduragem”, os julgamentos sumários, subornos e influências familiares no circuito do Estado.

Há poucos dias, um dos ministros reconheceu que havia dentro do Supremo uma articulação para desqualificar a Operação Lava Jato, essa corajosa e pioneira iniciativa por meio da qual esperava-se interromper o fluxo de imoralidades que conduz a História do Brasil, confundindo o público com o privado, e impedindo o desenvolvimento do País. Agora a retórica vazia quer fazer acreditar que foi a Lava Jato que fez surgir Bolsonaro. Não acredite nisso: foi o silêncio dos inocentes, a “espiral do silêncio da opinião pública” (Noelle-Neuman,1995). Preste-se atenção: para esse povo, Bolsonaro representaria bem mais do que se vê.

Os deuses estão aí.  Os do Panteão nacional não surgiram do fundo do mar ou da imensidão do universo, nem de vitórias sobre fantasmas e monstros, de contribuições revolucionárias da superação pessoal de desafios públicos - a pobreza, a fome, a injustiça, a discriminação - ou ainda de contribuições acadêmicas relevantes. Não lutaram e não lutam em lugar algum, jogam. Atuam nos tapetões, com ar condicionado, conchavos e conveniências, degustando, se possível, lagosta fresca,

“Nunca antes neste País”. O bordão está aí para ser usado convenientemente pela polaridade artificializada nos porões da Política e da Justiça , com qualquer sentido. Move-se a história de um lado para o outro, em nome das tais jurisprudências, meras interpretações pessoais, flexíveis, sobre rigorosas disposições constitucionais. Mudam-se votos e opiniões a todo momento, beneficiando claramente transgressões e transgressores. O quadro real revela uma quantidade – não tudo, R$ 5 bilhões – de dinheiro desviado dos cofres públicos do Brasil e devolvidos pelos bancos internacionais. Que vergonha para o País!.

A Policia Federal, a Receita Federal e a Procuradoria Geral da República, identificaram atos criminosos grassando por toda a máquina do Estado, agora desqualificados por esse universo de deuses, sacralizado nos bastidores, destruidor das virtudes nacionais.

Agora vem as desqualificações do juiz Moro e do procurador Dalagnoll, ambos instrumentos em instâncias protetivas dos superiores da justiça brasileira. Os procedimentos processuais - pelo que se acompanhou -  seguiram ritos, métodos e os trâmites recomendados e partilhados pelo STF e o STJ. No STF era acompanhado por um severo ministro - Teori Zavascki – morto, sem explicações convincentes, e que foi substituído por um imaginário sábio do Direito, Edson Faccin, cujas interpretações flutuam entre o bem e o mal. Lá atrás, Joaquim Barbosa já denunciara: “É muito mais profundo do que se imagina”.

Pretende-se lembrar que todos os processos que transitaram por Curitiba e no Rio, pela Procuradoria Geral subiram para instâncias e tribunais superiores, chegando ao próprio Supremo, onde cada um dos 11 ministros tem uma penca de advogados, juízes e até oficiais militares, excelentemente remunerados, assessorando-os juridicamente. 

A Nação vai se ver agora diante da procrastinação, para o esgotamento dos prazos,  e para a criminalização da própria Justiça. Ninguém pergunta, nem quer responder, pelos bilhões em dinheiro público que desapareceram dos cofres da Nação e, muito menos, sobre os pedidos de indenização que podem ainda vir com o reconhecimento da inocência no mundo de transgressões confessas A teia, conduzida por brasileiros, chegou a levar ao impeachment de presidentes e autoridades em outros países.

 Cabe ao abestalhado cidadão o silêncio e à História apagar tudo. Não se consegue penetrar nesse algo misterioso entranhado no sistema.  Entre os criminosos que conduziram o País até aqui só tem heróis. Para o brasileiro não resta sequer recorrer aos deuses do Olimpo. Precisa trabalhar para pagar a conta, cujo déficit histórico vai fazendo desaparecer também o respeito pela soberania do País.

*Jornalista e professor

 

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