quarta-feira, 10 de março de 2021

Bernardo Mello Franco - Eleição sem tapetão

- O Globo

A anulação das sentenças de Sergio Moro recoloca Lula no centro da corrida ao Planalto. É um lugar que ele ocupa desde 1989, quando os brasileiros recuperaram o direito de votar para presidente.

Lula perdeu três eleições, venceu outras duas e foi impedido de concorrer pela sexta vez em 2018. A um mês e meio das urnas, ele liderava a disputa com 39% das intenções de voto. O segundo colocado, Jair Bolsonaro, aparecia com 19% no Datafolha.

Nove dias depois, o Tribunal Superior Eleitoral barrou a candidatura do petista com base na Lei da Ficha Limpa. Bolsonaro assumiu a ponta e se elegeu com o pé nas costas, sem ir a debates e sem apresentar um plano de governo.

Nesta segunda-feira, o Supremo reconheceu que a condenação que afastou Lula das urnas foi irregular. O ex-presidente saiu do jogo pela caneta de um juiz que não tinha competência legal para julgá-lo.

Assim que a eleição terminou, o doutor abandonou a toga e se juntou à equipe do candidato vencedor. Sua adesão ao governo escancarou a utilização da Justiça como instrumento de um projeto de poder.

Ontem o ministro Gilmar Mendes perguntou qual país democrático aceitaria como ministro da Justiça o ex-juiz que afastou o principal adversário do presidente eleito. O Brasil aceitou.

A anulação das sentenças de Moro não repara o que ocorreu em 2018, mas abre caminho para uma eleição com menos interferência judicial em 2022. É uma boa notícia para uma democracia ameaçada por surtos autoritários.

A volta de Lula ao palanque ainda inspira muitas dúvidas. A primeira é se o ex-presidente vai endurecer o discurso ou retomar o figurino conciliador que o levou ao poder. A segunda é se ainda haverá espaço para uma candidatura competitiva na geleia geral que se intitula como “centro”.

Por enquanto, o único fato concreto é que Bolsonaro ganhou um adversário forte. Pesquisa divulgada no domingo pelo Ipec mostrou que o ex-presidente é, neste momento, o único político a superar o capitão em potencial de votos para 2022.

Quem embarcar na tese de que a candidatura Lula ajuda Bolsonaro arrisca comprar gato por lebre — ou pagar por vacina e levar cloroquina.

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