sábado, 13 de março de 2021

Carlos Góes - Rejeitar ‘lockdown’ não vai reacender a economia

- O Globo

Em meio a novos recordes diários de mortos por Covid-19 e superlotação nas UTIs, autoridades estaduais e municipais têm adotado medidas para tentar conter a disseminação do vírus na população. Governadores e prefeitos decretaram recentemente o fechamento dos serviços não-essenciais em várias partes do país.

À esteira dessas medidas, críticos tentam enquadrar as escolhas numa falsa dicotomia entre saúde e economia.

À primeira vista, o argumento tem algum sentido. Segundo esta lógica, a deterioração econômica seria causada fundamentalmente por medidas de combate à pandemia, como lockdowns. Afinal, se o governo proíbe as empresas de funcionarem e os trabalhadores de trabalharem, a economia para, certo?

O que esse argumento ignora é que a economia não é algo independente da pandemia. Na verdade, a pandemia é um dos principais determinantes do comportamento econômico. Com ou sem ordem do governo, muitas pessoas têm medo de contaminação e preferem ficar em casa nos períodos mais graves da pandemia.

Quando isso acontece, a economia para, mesmo que o governador não tenha decretado a suspensão das atividades. Há, nas palavras do professor do Insper Thomas Conti, um lockdown endógeno.

Os seres humanos não são robôs. Nós ajustamos nosso comportamento conforme nossa percepção de risco sanitário. Por isso, durante o último ano, diversos economistas tentaram incorporar essa resposta comportamental das pessoas aos modelos matemáticos utilizados por epidemiologistas e entender o que muda nas previsões quando esse fato é considerado.

Duas conclusões se destacam. Por um lado, mesmo na ausência de lockdown oficial, as pessoas ajustam seu comportamento (por exemplo, com mais higiene e mais distanciamento social), de modo que a velocidade de infecções e mortes não é tão rápida como inicialmente prevista pelos modelos epidemiológicos simples.

 Por outro lado, isso significa que a ideia de tentar salvar a economia sem controlar a pandemia é uma quimera, pois as pessoas só voltam às suas atividades normais quando sua percepção de risco sanitário for reduzida.

Mesmo com dados incompletos sobre a economia da pandemia, há indicações de que essas previsões fazem sentido: descontrole sanitário e colapso econômico têm caminhado juntos. Internacionalmente, observa-se que países com maior queda inesperada no PIB em 2020 tendem a ser justamente aqueles que não controlaram a pandemia e tiveram mais mortes por Covid.

No Brasil, o último Boletim Regional do Banco Central traz dados sobre a atividade econômica no Amazonas que são reveladores. O grande pico de casos observado no Amazonas em janeiro, que não ocorreu em outros estados, coincidiu com uma queda grande na atividade econômica, que tampouco ocorreu em outros estados.

Tal queda não se restringiu a um só setor: ela se observa em atividades tão distintas quanto restaurantes, vestuário e postos de combustíveis e é refletida no uso total de cartões de débito. Essa queda é observada ainda no começo do mês — antes, portanto, de o governo do estado restringir a circulação de pessoas.

Parece ter havido, portanto, um lockdown endógeno.

Qual é a diferença entre uma parada da atividade econômica planejada pelo governo e uma que advém de um medo generalizado de contaminação? No primeiro caso, empresas e trabalhadores sabem que não vão estar operando, e o governo pode agir dando apoio para aqueles que precisam paralisar suas atividades temporariamente.

]No segundo, trabalhadores e empresas têm a expectativa de operar, mas não há demanda para suas atividades, e os prejuízos podem ser maiores do que se eles sequer abrissem. Não há, tampouco, um planejamento adequado de quando começar e terminar a redução na atividade econômica — o que significa que ela pode ocorrer quando seja tarde demais e o sistema de saúde já esteja sobrecarregado.

Ao insistir numa falsa escolha entre economia e saúde, os opositores das medidas de supressão ao vírus têm empurrado o país para contínuos lockdowns endógenos. Nesse cenário, não se salva nem a saúde nem a economia.

 

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