Mais de 500 assinaturas endossam carta que pede políticas públicas capazes de deter fase explosiva de contágios e mortes
Leia a carta na íntegra, abaixo
Isabela Bolzani / Folha de S. Paul
SÃO PAULO - Mais de 500 economistas,
banqueiros e empresários do país assinaram e divulgaram, neste domingo (21),
uma carta aberta em que pedem medidas mais eficazes para o combate
à pandemia do novo coronavírus. Em um texto com vários dados, o
grupo chama a atenção para o atual momento crítico da pandemia e de seus
riscos para o país, e também detalha medidas que podem contribuir para aliviar
o que consideram um grave cenário.
A
carta é a primeira manifestação de peso de representantes da área econômica no
atual pico de contágios e mortes. Nos últimos meses, alguns economistas e
acadêmicos começaram a fazer críticas pontuais sobre o combate à Covid-19, mas
a maioria não havia se posicionado publicamente até então.
“Estamos no limiar de uma fase explosiva da
pandemia e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam
alicerçadas em dados, informações confiáveis e evidência científica. Não há
mais tempo para perder em debates estéreis e notícias falsas. Precisamos nos
guiar pelas experiências bem-sucedidas, por ações de baixo custo e alto
impacto, por iniciativas
que possam reverter de fato a situação sem precedentes que o
país vive”, afirmaram.
"O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração e o flerte com o movimento antivacina, caracterizou a liderança política maior no país", afirmam.
O texto diz ainda que a situação econômica e social
trazida pelo agravamento da pandemia é desoladora, e pode insurgir uma nova
contração da atividade no primeiro trimestre deste ano.
O documento aponta que é falso o dilema entre
salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável e que dados
preliminares de óbitos e desempenho econômico sugerem que os países com pior
desempenho econômico tiveram mais mortes de Covid-19, como
mostrou reportagem da Folha.
Entre as quatro medidas citadas na carta como
indispensáveis para o combate à pandemia, estão a aceleração do ritmo de
vacinação, o incentivo ao uso de máscaras –tanto com distribuição gratuita
quanto com orientação educativa–, a implementação de medidas de distanciamento
social e a criação de um mecanismo de coordenação do combate à pandemia em
âmbito nacional, orientado por uma comissão de cientistas e especialistas.
Segundo o economista Marco Bonomo, que participou
da redação do texto, há um senso de urgência em relação ao problema. A
expectativa era que a carta fosse encaminhada aos representantes dos três
Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) ainda neste domingo.
A mobilização chama a atenção não apenas pelo
grande número de adeptos, mas também pela diversidade dos apoiadores.
Entre os economistas, por exemplo, estão Edmar
Bacha, um dos pais do Plano Real, Laura Carvalho, professora da Faculdade de
Economia da USP, Sandra Rios, diretora no Cindes (Centro de Estudos de
Integração e Desenvolvimento), Felipe Salto, diretor-executivo da IFI
(Instituição Fiscal Independente) do Senado, e Elena Landau, economista,
advogada e presidente do Conselho Acadêmico do Livres.
"O comentário que eu mais ouvi das pessoas
hoje foi que a sociedade está se movendo. E isso precisa acontecer rápido. Não
é possível que você não possa avançar com proteção social. [Essa carta] vem
para enfatizar coisas que a ciência e os médicos de todo o mundo já falam há
algum tempo. Não há discurso entre salvar vidas e salvar a economia. E a carta
vem de economistas, exatamente para ficar claro que não existe esse
dilema", disse Elena Landau.
A carta tem também a chancela de Roberto Setubal e
Pedro Moreira Salles, co-presidentes do conselho de administração do Itaú
Unibanco, sinalizando que a mensagem tem eco em outros segmentos da economia.
Setubal e Moreira Salles estão entre as famílias
mais ricas do Brasil e detêm o controle de grandes companhias. Os Setubal, por
exemplo, têm participação acionária na Itaúsa, que controla empresas como
Duratex. Os Moreira Salles têm o fundo Cambuhy que, junto com Itáusa, está no
bloco de controle da Alpargatas, e também controlam empresas como a CBMM
(Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), a Revista Piauí e o
Instituto Moreira Salles.
Também há representantes diretamente ligados ao
setor produtivo, entre eles Pedro Parente, presidente do conselho de
administração da BRF, que detém as marcas Sadia e Perdigão, e Paulo Hartung,
ex-governador do Espírito Santo e hoje presidente-executivo da Ibá (entidade
que representa a cadeia produtiva de árvores, papel e celulose).
Entre os investidores que endossam a mensagem estão
Luis Stuhlberger, sócio da Verde Asset, que administra um dos fundos mais
rentáveis da história do Brasil, e Fersen Lambranho, presidente do conselho de
administração da GP Investments, que tem mais de US$ 5 bilhões (R$ 27,5
bilhões) aplicados em 17 setores.
Economistas ligados ao banco Credit Suisse são
outro destaque. Assinam a carta o presidente da instituição, José Olympio
Pereira, o presidente do conselho de administração e também ex-presidente do
Banco Central, Ilan Goldfajn, e a economista-chefe do banco, Solange Srour,
que é colunista da Folha.
Ainda prestam apoio à mensagem outros
ex-presidentes do Banco Central, como Armínio Fraga, Affonso Celso Pastore,
Gustavo Loyola, bem como ex-ministros da Fazenda, como Pedro Malan, Marcílio
Marques Moreira e Rubens Ricupero.
A ideia de criar a carta surgiu em um grupo de
WhatsApp no qual se reúnem mais de 200 economistas, criado em 2015. Diante do
agravamento da pandemia, os participantes começaram a pensar em uma
manifestação mais formal sobre quais os problemas a serem enfrentados. Para
redigir a carta foram escolhidos cinco relatores.
"A pandemia é um tema de primeira ordem na
discussão nacional, e a ideia [da carta] é ser uma contribuição propositiva,
com a nossa visão sobre o tema. Existem questões complexas que precisam ser
melhor atendidas. Nem tudo o que está no documento é do acordo de todos os
economistas do grupo, mas um número representativo assinou a carta que, agora,
também ganhou assinatura de economistas de outras esferas", afirmou
Flávio Ataliba, economista e secretário-executivo de Planejamento e Orçamento
da Seplag (Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará).
Além do ritmo lento e da insuficiência
das vacinas no país diante do risco de surgimento de novas
cepas do vírus, a carta também traz ponderações sobre a necessidade de
limitação da mobilidade e sobre o custo que a pandemia já teve para o Brasil.
"A falta de vacinas é o principal gargalo.
Impressiona a negligência com as aquisições, dado que, desde o início da
pandemia, foram desembolsados R$ 528,3 bilhões em medidas de combate à
pandemia", diz o documento.
O cálculo mostra que a consequente redução da
atividade pela demora em adotar políticas públicas mais adequadas custou uma
perda tributária de R$ 58 bilhões só no âmbito federal, enquanto o atraso da
vacinação irá custar R$ 131,4 bilhões aos cofres públicos em 2021 em termos de
produto ou renda não gerada e supondo uma recuperação retardatária em dois
trimestres.
CARTA ABERTA À SOCIEDADE REFERENTE A MEDIDAS DE COMBATE À
PANDEMIA
O Brasil é hoje o epicentro mundial da Covid-19,
com a maior média móvel de novos casos.
Enquanto caminhamos para atingir a marca tétrica de
3 mil mortes por dia e um total de mortes acumuladas de 300 mil ainda esse
mês, o quadro fica ainda mais alarmante com o esgotamento dos recursos de
saúde na grande maioria de estados, com insuficiente número de leitos de UTI,
respiradores e profissionais de saúde. Essa situação tem levado a mortes de
pacientes na espera pelo atendimento, contribuindo para uma maior letalidade
da doença.
A situação econômica e social é desoladora. O PIB
encolheu 4,1% em 2020 e provavelmente observaremos uma contração no nível de
atividade no primeiro trimestre deste ano. A taxa de desemprego, por volta de
14%, é a mais elevada da série histórica, e subestima o aumento do desemprego,
pois a pandemia fez com que muitos trabalhadores deixassem de procurar
emprego, levando a uma queda da força de trabalho entre fevereiro e dezembro
de 5,5 milhões de pessoas.
A contração da economia afetou desproporcionalmente
trabalhadores mais pobres e vulneráveis, com uma queda de 10,5% no número de
trabalhadores informais empregados, aproximadamente duas vezes a queda
proporcional no número de trabalhadores formais empregados.
Esta recessão, assim como suas consequências
sociais nefastas, foi causada pela pandemia e não será superada enquanto a
pandemia não for controlada por uma atuação competente do governo federal.
Este subutiliza ou utiliza mal os recursos de que dispõe, inclusive por ignorar
ou negligenciar a evidência científica no desenho das ações para lidar com a
pandemia. Sabemos que a saída definitiva da crise requer a vacinação em massa
da população. Infelizmente, estamos atrasados. Em torno de 5% da população
recebeu ao menos uma dose de vacina, o que nos coloca na 45ª posição no
ranking mundial de doses aplicadas por habitante.
O ritmo de vacinação no país é insuficiente para
vacinar os grupos prioritários do Plano Nacional de Imunização (PNI) no 1º
semestre de 2021, o que amplia o horizonte de vacinação para toda a população
para meados de 2022.
As consequências são inomináveis. No momento, o
Brasil passa por escassez de doses de vacina, com recorrentes atrasos no
calendário de entregas e revisões para baixo na previsão de disponibilidade de
doses a cada mês. Na semana iniciada em 8 de março foram aplicadas, em média,
apenas 177 mil doses por dia.
No ritmo atual, levaríamos mais de 3 anos para
vacinar toda a população. O surgimento de novas cepas no país (em especial a
P.1) comprovadamente mais transmissíveis e potencialmente mais agressivas,
torna a vacinação ainda mais urgente. A disseminação em larga escala do vírus,
além de magnificar o número de doentes e mortos, aumenta a probabilidade de
surgirem novas variantes com potencial de diminuir a eficácia das vacinas
atuais.
Vacinas são relativamente baratas face ao custo que
a pandemia impõe à sociedade. Os recursos federais para compra de vacinas
somam R$ 22 bilhões, uma pequena fração dos R$ 327 bilhões desembolsados nos
programas de auxílio emergencial e manutenção do emprego no ano de 2020.
Vacinas têm um benefício privado e social elevado,
e um custo total comparativamente baixo. Poderíamos estar em melhor situação,
o Brasil tem infraestrutura para isso. Em 1992, conseguimos vacinar 48 milhões
de crianças contra o sarampo em apenas um mês.
Na campanha contra a Covid-19, se estivéssemos
vacinando tão rápido quanto a Turquia, teríamos alcançado uma proporção da
população duas vezes maior, e se tanto quanto o Chile, dez vezes maior. A
falta de vacinas é o principal gargalo. Impressiona a negligência com as
aquisições, dado que, desde o início da pandemia, foram desembolsados R$ 528,3
bilhões em medidas de combate à pandemia,
incluindo os custos adicionais de saúde e gastos
para mitigação da deteriorada situação econômica. A redução do nível da atividade
nos custou uma perda de arrecadação tributária apenas no âmbito federal de
6,9%, aproximadamente R$ 58 bilhões, e o atraso na vacinação irá custar em
termos de produto ou renda não gerada nada menos do que estimados R$ 131,4
bilhões em 2021, supondo uma recuperação retardatária em 2 trimestres.
Nesta perspectiva, a relação benefício custo da
vacina é da ordem de seis vezes para cada real gasto na sua aquisição e
aplicação. A insuficiente oferta de vacinas no país não se deve ao seu elevado
custo, nem à falta de recursos orçamentários, mas à falta de prioridade
atribuída à vacinação.
O quadro atual ainda poderá deteriorar-se muito se
não houver esforços efetivos de coordenação nacional no apoio a governadores e
prefeitos para limitação de mobilidade. Enquanto se busca encurtar os tempos e
aumentar o número de doses de vacina disponíveis, é urgente o reforço de
medidas de distanciamento social. Da mesma forma é essencial a introdução de
incentivos e políticas públicas para uso de máscaras mais eficientes, em linha
com os esforços observados na União Europeia e nos Estados Unidos.
A controvérsia em torno dos impactos econômicos do
distanciamento social reflete o falso dilema entre salvar vidas e garantir o
sustento da população vulnerável. Na realidade, dados preliminares de óbitos e
desempenho econômico sugerem que os países
com pior desempenho econômico tiveram mais óbitos de Covid-19.
A experiência mostrou que mesmo países que optaram inicialmente por evitar o
lockdown terminaram por adotá-lo, em formas variadas, diante do agravamento da
pandemia – é o caso do Reino Unido, por exemplo. Estudos mostraram que diante
da aceleração de novos casos, a população responde ficando mais avessa ao
risco sanitário, aumentando o isolamento voluntário e levando à queda no
consumo das famílias mesmo antes ou sem que medidas restritivas formais sejam
adotadas.15 A recuperação econômica, por sua vez, é lenta e depende da
retomada de confiança e maior previsibilidade da situação de saúde no país.
Logo, não é razoável esperar a recuperação da
atividade econômica em uma epidemia descontrolada.
O efeito devastador da pandemia sobre a economia
tornou evidente a precariedade do nosso sistema de proteção social. Em
particular, os trabalhadores informais, que constituem mais de 40% da força de
trabalho, não têm proteção contra o desemprego. No ano passado, o auxílio
emergencial foi fundamental para assistir esses trabalhadores mais vulneráveis
que perderam seus empregos, e levou a uma redução da pobreza, evidenciando a
necessidade de melhoria do nosso sistema de proteção social. Enquanto a
pandemia perdurar, medidas que apoiem os mais vulneráveis, como o auxílio
emergencial, se fazem necessárias. Em paralelo, não devemos adiar mais o
encaminhamento de uma reforma no sistema de proteção social, visando aprimorar
a atual rede de assistência social e prover seguro aos informais. Uma proposta
nesses moldes é o programa de Responsabilidade Social, patrocinado pelo Centro
de Debate de Políticas Públicas, encaminhado para o Congresso no final do ano
passado.
Outras medidas de apoio às pequenas e médias
empresas também se fazem necessárias. A experiência internacional com
programas de aval público para financiamento privado voltado para pequenos
empreendedores durante um choque negativo foi bem-sucedida na manutenção de
emprego, gerando um benefício líquido positivo à sociedade.
O aumento em 34,7% do endividamento dos pequenos
negócios durante a pandemia amplifica essa necessidade. A retomada de linhas
avalizadas pelo Fundo Garantidor para Investimentos e Fundo de Garantia de
Operações é uma medida importante de transição entre a segunda onda e o
pós-crise.
Estamos no limiar de uma fase explosiva da pandemia
e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam alicerçadas
em dados, informações confiáveis e evidência científica. Não há mais tempo
para perder em debates estéreis e notícias falsas. Precisamos nos guiar pelas
experiências bem-sucedidas, por ações de baixo custo e alto impacto, por
iniciativas que possam reverter de fato a situação sem precedentes que o país
vive.
Medidas indispensáveis de combate à pandemia: a
vacinação em massa é condição sine qua non para a recuperação econômica e
redução dos óbitos.
1. Acelerar o ritmo da vacinação. O maior gargalo
para aumentar o ritmo da vacinação é a escassez de vacinas disponíveis.
Deve-se, portanto, aumentar a oferta de vacinas de forma urgente. A estratégia
de depender da capacidade de produção local limitou a disponibilidade de doses
ante a alternativa de pré-contratar doses prontas, como fez o Chile e outros
países. Perdeu-se um tempo precioso e a assinatura de novos contratos agora
não garante oferta de vacinas em prazo curto. É imperativo negociar com todos
os laboratórios que dispõem de vacinas já aprovadas por agências de vigilância
internacionais relevantes e buscar antecipação de entrega do maior número
possível de doses. Tendo em vista a escassez de oferta no mercado
internacional, é fundamental usar a política externa – desidratada de
ideologia ou alinhamentos automáticos – para apoiar a obtenção de vacinas,
seja nos grandes países produtores seja nos países que têm ou terão excedentes
em breve.
A vacinação é uma corrida contra o surgimento de
novas variantes que podem escapar da imunidade de infecções passadas e de
vacinas antigas. As novas variantes surgidas no Brasil tornam o controle da
pandemia mais desafiador, dada a maior transmissibilidade.
Com o descontrole da pandemia é questão de tempo
até emergirem novas variantes. O Brasil precisa ampliar suas capacidades de
sequenciamento genômico em tempo real, de compartilhar dados com a comunidade
internacional e de testar a eficácia das vacinas contra outras variantes com
máxima agilidade. Falhas e atrasos nesse processo podem colocar em risco toda
a população brasileira, e também de outros países.
2. Incentivar o uso de máscaras tanto com
distribuição gratuita quanto com orientação educativa. Economistas estimaram
que se os Estados Unidos tivessem adotado regras de uso de máscaras no início
da pandemia poderiam ter reduzido de forma expressiva o número de óbitos.
Mesmo se um usuário de máscara for infectado pelo vírus, a máscara pode
reduzir a gravidade dos sintomas, pois reduz a carga viral inicial que o
usuário é exposto. Países da União Europeia e os Estados Unidos passaram a
recomendar o uso de máscaras mais eficientes – máscaras cirúrgicas e padrão
PFF2/N95 – como resposta às novas variantes. O Brasil poderia fazer o mesmo,
distribuindo máscaras melhores à população de baixa renda, xplicando a
importância do seu uso na prevenção da transmissão da Covid.
Máscaras com filtragem adequada têm preços a partir
de R$ 3 a unidade. A distribuição gratuita direcionada para pessoas sem
condições de comprá-las, acompanhada de instrução correta de reuso, teria um
baixo custo frente aos benefícios de contenção da Covid-1923. Considerando o
público do auxílio emergencial, de 68 milhões de pessoas, por exemplo, e cinco
reusos da máscara, tal como recomenda o Center for Disease Control do EUA,
chegaríamos a um custo mensal de R$ 1 bilhão. Isto é, 2% do gasto estimado
mensal com o auxílio emergencial. Embora leis de uso de máscara ajudem, informar
corretamente a população e as lideranças darem o exemplo também é importante,
e tem impacto na trajetória da epidemia. Inversamente, estudos mostram que
mensagens contrárias às medidas de prevenção afetam a sua adoção pela
população, levando ao aumento do contágio.
3. Implementar medidas de distanciamento social no
âmbito local com coordenação nacional. O termo “distanciamento social” abriga
uma série de medidas distintas, que incluem a proibição de aglomeração em
locais públicos, o estímulo ao trabalho a distância, o fechamento de
estabelecimentos comerciais, esportivos, entre outros, e – no limite – escolas
e creches. Cada uma dessas medidas tem impactos sociais e setoriais distintos.
A melhor combinação é aquela que maximize os benefícios em termos de redução
da transmissão do vírus e minimize seus efeitos econômicos, e depende das
características da geografia e da economia de cada região ou cidade. Isso
sugere que as decisões quanto a essas medidas devem ser de responsabilidade
das autoridades locais.
Com o agravamento da pandemia e esgotamento dos
recursos de saúde, muitos estados não tiveram alternativa senão adotar medidas
mais drásticas, como fechamento de todas as atividades não-essenciais e o
toque de recolher à noite. Os gestores estaduais e municipais têm enfrentado
campanhas contrárias por parte do governo federal e dos seus apoiadores. Para
maximizar a efetividade das medidas tomadas, é indispensável que elas sejam
apoiadas, em especial pelos órgãos federais. Em particular, é imprescindível
uma coordenação em âmbito nacional que permita a adoção de medidas de caráter
nacional, regional ou estadual, caso se avalie que é necessário cercear a
mobilidade entre as cidades e/ou estados ou mesmo a entrada de estrangeiros no
país.
A necessidade de adotar um lockdown nacional ou
regional deveria ser avaliado. É urgente que os diferentes níveis de governo
estejam preparados para implementar um lockdown emergencial, definindo
critérios para a sua adoção em termos de escopo, abrangência das atividades cobertas,
cronograma de implementação e duração.
Ademais, é necessário levar em consideração que o
acréscimo de adesão ao distanciamento social entre os mais vulneráveis depende
crucialmente do auxílio emergencial. Há sólida evidência de que programas de
amparo socioeconômico durante a pandemia aumentaram o respeito às regras de
isolamento social dos beneficiários. É, portanto, não só mais justo como mais
eficiente focalizar a assistência nas populações de baixa renda, que são mais
expostas nas suas atividades de trabalho e mais vulneráveis financeiramente.
Dentre a combinação de medidas possíveis, a questão
do funcionamento das escolas merece atenção especial. Há estudos mostrando que
não há correlação entre aumento de casos de infecção e reabertura de escolas
no mundo26. Há também informações sobre o nível relativamente reduzido de
contágio nas escolas de São Paulo após sua abertura.
As funções da escola, principalmente nos anos do
ensino fundamental, vão além da transmissão do conhecimento, incluindo cuidados
e acesso à alimentação de crianças, liberando os pais – principalmente as mães
– para o trabalho. O fechamento de escolas no Brasil atingiu de forma mais
dura as crianças mais pobres e suas mães. A evidência mostra que alunos de
baixa renda, com menor acesso às ferramentas digitais, enfrentam maiores
dificuldade de completar as atividades educativas, ampliando a desigualdade da
formação de capital humano entre os estudantes28.
Portanto, as escolas devem ser as últimas a fechar
e as primeiras a reabrir em um esquema de distanciamento social. Há aqui um
papel fundamental para o Ministério da Educação em cooperação com o Ministério
da Saúde na definição e comunicação de procedimentos que contribuam para a
minimização dos riscos de contágio nas escolas, além do uso de ferramentas
comportamentais para retenção da evasão escolar, como o uso de mensagens de
celular como estímulo para motivar os estudantes, conforme adotado em São
Paulo e Goiás.
4. Criar mecanismo de coordenação do combate à
pandemia em âmbito nacional – preferencialmente pelo Ministério da Saúde e, na
sua ausência, por consórcio de governadores – orientada por uma comissão
de cientistas e especialistas, se tornou urgente. Diretrizes
nacionais são ainda mais necessárias com a escassez de vacinas e logo a
necessidade de definição de grupos prioritários; com as tentativas e erros no
distanciamento social; a limitada compreensão por muitos dos pilares da
prevenção, particularmente da importância do uso de máscara, e outras medidas
no âmbito do relacionamento social.
Na ausência de coordenação federal, é essencial a
concertação entre os entes subnacionais, consórcio para a compra de vacinas e
para a adoção de medidas de supressão.
O papel de liderança: Apesar do negacionismo de
alguns poucos, praticamente todos os líderes da comunidade internacional
tomaram a frente no combate ao Covid-19 desde março de 2020, quando a OMS
declarou o caráter pandêmico da crise sanitária. Informando, notando a
gravidade de uma crise sem precedentes em 100 anos, guiando a ação dos
indivíduos e influenciado o comportamento social.
Líderes políticos, com acesso à mídia e às redes,
recursos de Estado, e comandando atenção, fazem a diferença: para o bem e para
o mal. O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia,
o estímulo à aglomeração, e o flerte com o movimento antivacina, caracterizou
a liderança política maior no país. Essa postura reforça normas antissociais,
dificulta a adesão da população a comportamentos responsáveis, amplia o número
de infectados e de óbitos, aumenta custos que o país incorre.
O país pode se sair melhor se perseguimos uma
agenda responsável. O país tem pressa; o país quer seriedade com a coisa
pública; o país está cansado de ideias fora do lugar, palavras inconsequentes,
ações erradas ou tardias. O Brasil exige respeito.
VEJA QUEM ASSINA A CARTA
A última contagem de assinaturas foi feita até As
16h30 deste domingo (21).
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