sábado, 13 de março de 2021

George Gurgel de Oliveira* - Brasil Insustentável: no auge da pandemia as eleições pautam a agenda nacional

Nesta semana, no auge da pandemia, fomos surpreendidos com a pauta da Lava Jato tomando conta dos meios de comunicação e da opinião pública brasileira.  O Supremo Tribunal Federal - STF, através de uma decisão monocrática do ministro Edson Fachin, decidiu que as ações contra o ex-presidente Lula deveriam ter transcorrido em Brasília, anulando as decisões da Lava Jato em relação às condenações sentenciadas pelo ex-juiz Sérgio Moro, nos últimos cinco anos, e confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse julgamento, os atos processuais sem carga decisória poderão ser aproveitados pelo novo juiz que assumir o caso.

Ato continuo, no julgamento da Segunda Turma do STF, em andamento, os votos dos ministros Gilmar Mendes, relator, e Ricardo Lewandowski foram pela suspeição de Sergio Moro.  Se vencedor esse entendimento, obrigará que os processos contra o ex-presidente Lula recomecem da estaca zero.

Diante dessas posições conflitantes estabeleceu-se o impasse nos julgamentos em andamento no STF que tratam das condenações do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. O julgamento foi suspenso por pedido de vistas do ministro Kássio Nunes Marques e o colegiado do Supremo discute estratégias para superação desta inusitada situação.  

O episódio em questão reflete uma disputa interna no próprio Supremo envolvendo os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin. As medidas e as consequências deste e de outros julgamentos e desta disputa entre visões jurídicas distintas e seus reflexos na sociedade brasileira, deveriam ser melhor  avaliados pelos contendores e todos os membros da mais Alta Corte brasileira:  a beligerância visível existente no próprio Supremo, entre os poderes da República e a polarização política vivida na sociedade brasileira nos últimos anos e atualmente, em plena pandemia, são situações que deveriam preocupar a cidadania e toda a sociedade brasileira.

Como entender esta realidade?

Como a cidadania pode fazer a leitura destes episódios?

Nesta conjuntura de tragédias sem fim, a disputa presidencial de 2022 é antecipada nos meios de comunicação e na opinião pública em geral, tirando o foco dos reais problemas econômicos, sociais e de saúde pública que a sociedade brasileira enfrenta no seu dia a dia.

As narrativas construídas na conveniência de cada discurso político traz embates cotidianos sem nenhum foco na questão principal: o combate efetivo à pandemia que deveria unir toda a sociedade. As pautas dos meios de comunicação e a maneira de funcionamento dos entes federativos não ajudam a entender e superar esta difícil realidade.

O que mais poderia acontecer?

O que se pode esperar dos governantes e da sociedade em geral frente a esta realidade?

Quais são as nossas urgências?

Na vida real, longe dos palácios, uma boa parte da população continua abandonada à própria sorte no seu trágico cotidiano de falta de leitos e de assistência médica, na maioria dos municípios brasileiros, com cenas dantescas que acompanhamos como normalidade no nosso dia a dia, no auge da pandemia.

Apesar desta trágica realidade, ainda não temos um Programa Nacional de Vacinação com metas e cronogramas estabelecidos que tranquilize e passe confiança à sociedade brasileira, demonstrando a incapacidade governamental de planejar ações básicas de combate à pandemia. 

 O ritmo de vacinação no Brasil continua lento por falta de vacinas, as metas anunciadas pelo Governo Federal estão sendo adiadas, diferente da situação de muitos países, cuja população já avança no processo de vacinação. As evidências apontam que até o final do ano não teremos a população brasileira vacinada, pela simples razão de que não há vacinas na quantidade devida para o Brasil, no mercado internacional.

A ideologização da pandemia e a falta de planejamento para enfrentá-la caminharam e continuam a caminhar juntas, com consequências graves para a sociedade brasileira.  Embora a maior responsabilidade seja do Governo Federal, que minimizou e minimiza a gravidade da situação vivida pela população, a sociedade deve exigir posicionamentos adequados dos outros entes da Federação, caso concreto do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional, dos governadores e prefeitos: como eles estão contribuindo para o enfrentamento da pandemia? O que se pode e o que está sendo feito? Exige-se dos entes federados foco e uma resposta urgente frente à tragédia vivida pela cidadania brasileira.

 Em plena pandemia, a crise econômica e de saúde pública que vive o Brasil traz para o cotidiano da sociedade cenas de horror, de mortes por falta de leitos hospitalares e de oxigênio, da falta de assistência médica em geral, inclusive na área privada, colocando, após um ano de pandemia, a dimensão real da nossa realidade: a incapacidade da área federal, dos estados e dos municípios de construir um programa mínimo, em diálogo com a sociedade e o mercado, para o enfrentamento dos problemas urgentes provocados pela pandemia no Brasil.

A insegurança continua. Os dados em relação à contaminação e às mortes são assustadores. São milhões de contaminados e milhares de mortos – colocando o Brasil na liderança em relação a contaminados e mortos pela Covid 19 no cenário internacional.  Já não existem leitos disponíveis na área pública, nem privada, na maioria das capitais brasileiras.

No pior momento da pandemia, os milhões de brasileiros continuam abandonados à própria sorte frente ao desemprego, à falta de uma renda emergencial que lhes assegurem o mínimo de dignidade para atravessar a crise. O Governo Federal, como principal responsável pela Política Nacional de Combate à Pandemia, com sua política negacionista e plena de contradições, só faz agravar a situação com  falas que agridem ao bom senso.  

O esforço dos governos e de toda a sociedade, das lideranças políticas em particular, é criar as condições de focar no que é principal: o combate e a superação da pandemia, vacinando com a urgência devida toda a população. Pautar e antecipar a disputa política-eleitoral de 2022, nesse momento trágico, no auge da pandemia, desqualifica qualquer proposta política, mesmo a melhor intencionada. Vive-se  um sentimento de impotência na sociedade, angustiando uma parte considerável da população que não encontra  caminhos e respostas à difícil realidade brasileira.

Urge medidas governamentais para o enfrentamento real dos problemas do cotidiano já existentes, ampliados com a pandemia. A sociedade está desafiada a se unir a favor de um Programa Nacional de Vacinação: vacinar com a urgência devida toda a população é a única maneira de retornar a vida social com segurança.

As polarizações das narrativas hoje existentes na sociedade, o proselitismo político e os salvadores da pátria, assim como a antecipação da campanha presidencial não resolvem, neste novo ano de pandemia, as dificuldades reais da sociedade brasileira.

Desde o mensalão até à Lava Jato, a sociedade brasileira ficou com a sensação que mudanças positivas estavam acontecendo no Brasil: políticos no seu amplo espectro ideológico e empresários corruptos foram indiciados, julgados e presos. Muitos com confissões que abalaram a cena política e empresarial, causando perplexidade à sociedade brasileira – o PT foi o partido que teve o maior número de lideranças indiciadas, julgadas e presas: de José Dirceu a Lula, incluindo presidentes, tesoureiros, ministros de Estado, diretores da PETROBRAS e parlamentares. O PSDB, o principal partido de oposição ao PT, também teve governadores, senadores, deputados, prefeitos denunciados, processados e presos, atingindo uma das suas principais lideranças - na época da denuncia, presidente nacional da agremiação e senador da república e ex- candidato a presidência da República, Aécio Neves. Nos processos transitados e julgados foram devolvidos centenas de milhões de reais aos cofres públicos. Os processos e as investigações continuam.

Por outro lado, deve-se combater a instrumentalização das instituições de direito a favor de um determinado partido, empresa ou lideranças políticas e empresariais, devendo ser fruto de preocupação e vigilância permanente da cidadania e de toda a sociedade brasileira.

Então, a expectativa da cidadania e da sociedade brasileira é que este seja um caminho sem volta – uma conquista efetiva de toda a sociedade no combate à corrupção. Naturalmente, aperfeiçoando e combatendo comportamentos judiciais que afrontam o Estado de Direito e a Constituição brasileira.

Assim, a construção e a afirmação da democracia não comportam ou não deveriam comportar mais visões simplistas, binárias, do “nós contra eles”, como maneira de realizar a política e enfrentar os complexos desafios da sociedade brasileira.

Portanto, podemos e devemos enfrentar a pandemia abrindo o diálogo necessário entre as forças democráticas, no caminho de uma agenda que leve a um efetivo enfrentamento dos reais e urgentes problemas econômicos, sociais e de saúde, trazendo para o exercício da política a voz dos excluídos da sociedade, pressionando os que governam a República para pautar os problemas  reais da população, buscando a melhoria da qualidade de vida de milhões de brasileiros que vivem em condições precárias de moradia, sem segurança, educação, saúde,  saneamento e  mobilidade urbana no Brasil.

São estas as questões e os desafios a serem enfrentados por cada um e por todos nós se quisermos efetivamente superar a trágica realidade vivida atualmente, em plena pandemia, por toda a sociedade brasileira.

*George Gurgel de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia


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