segunda-feira, 15 de março de 2021

Irapuã Santana - Polarização e Teoria dos Jogos


- O Globo

Um país imaginário, dividido em duas castas rivais, conduz eleições para o seu novo líder. Três candidatos concorrem, um de cada casta e um terceiro, moderado. Os candidatos sectários fizeram da perseguição aos integrantes da casta rival sua plataforma de campanha. Caso um deles seja eleito, os membros da casta oposta sabem que seus direitos serão suprimidos, enquanto os da mesma casta receberão privilégios. O moderado não oferece risco, nem privilégios, a nenhum grupo.

Nas urnas há empate entre os dois candidatos ligados às castas, enquanto o moderado segue atrás com apenas um voto de diferença. Dois cidadãos, um de cada casta, são chamados a proferir os votos decisivos no certame eleitoral, em sigilo. Ambos prefeririam a eleição do candidato moderado em relação à vitória do concorrente de casta rival, já que sofreriam severas consequências adversas nesse último cenário. Entretanto aquele apenas será eleito se obtiver dois votos. Em caso de novo empate, haverá sorteio dentre os candidatos empatados com mais votos para eleger o vencedor.

Esse foi o cenário imaginado com Bruno Bodart, juiz de Direito e mestre pela Harvard Law School, onde buscamos o auxílio da Teoria dos Jogos, que estuda situações como essa (o exemplo mais famoso é o “dilema do prisioneiro”). Nenhum desses eleitores imaginários votaria no candidato da casta oposta, pois essa opção somente lhes geraria prejuízo. Apenas lhes resta votar no candidato da própria casta ou no moderado, mas a segunda alternativa traria o sério risco de que o outro eleitor votasse (e elegesse) o candidato da casta rival. Nessa conjuntura, cada um dos eleitores poderia racionalmente votar no candidato da própria casta, mesmo que a melhor estratégia, caso pudessem combinar entre si, fosse o voto de ambos no moderado.

Da mesma forma, no mundo real, um eleitor de centro que simpatize com um dos polos e abomine o extremo contrário pode racionalmente votar num radical, por puro receio de que outros moderados façam o mesmo — para o lado inverso.

Como impedir que esse “dilema” empurre certa sociedade para um ciclo interminável de alternância entre extremos? Em artigo recente sobre o Brasil, Bruce Ackerman sustenta que o presidencialismo brasileiro favorece a eleição de radicais e sugere uma reforma para a adoção do parlamentarismo, mais propício à formação de coalizões de centro. Importantes cientistas políticos corroboram essa visão, havendo evidência empírica no sentido de que países parlamentaristas tendem a ter democracias mais consolidadas e menos propensas a golpes de Estado, além de facilitarem a formação de maiorias políticas para a implementação de programas de governo de longo prazo.

Dessa maneira, a visão popular segundo a qual o brasileiro “vota mal” relega indevidamente ao segundo plano a discussão sobre como as regras do jogo influenciam a decisão do eleitor nas urnas. Um debate sereno sobre uma reforma constitucional e eleitoral é mais valioso para o futuro do país do que o maniqueísmo político hoje vivenciado.

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