quinta-feira, 4 de março de 2021

Merval Pereira - O futuro não chega

- O Globo

A aposta parecia factível em 2003. Se o Brasil crescesse em média 3,6% ao ano, chegaria em 2050 a ser a quinta economia do mundo, ultrapassando a Itália em 2025, a França em 2031, Inglaterra e Alemanha em 2036. Ela constava de estudo da Goldman Sachs que lançou ao mundo a sigla Brics, países que eram vistos como o futuro da economia mundial: Brasil, Índia, Rússia e China.

Mas a projeção não levou em conta peculiaridades brasileiras, como o maior escândalo de corrupção já desvendado no país, quiçá no mundo, uma crise econômica provocada por uma presidente que acabou impedida pelo Congresso de continuar governando, a chegada ao governo de um capitão tresloucado, uma pandemia que mata mais de 1.800 pessoas por dia. Resultado: a economia brasileira teve um crescimento na última década de pífio 0,3% ao ano, com o resultado de 4,1% negativos anunciado ontem pelo IBGE.

Após crescer 4,7%, em média, durante o período de 2004 a 2007 e de se expandir em 5,2% em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, em 2009, caiu 0,3%. De 1990 a 2003, o crescimento médio foi de 1,8%; de 80 a 2003, 2%. Essa média cresceu um pouco com o resultado dos 8 anos do governo Lula, que teve um crescimento médio de 4% ao ano, mas voltou ao nível de 2% no governo Dilma.

O país já teve também períodos de crescimento sustentado de níveis asiáticos: de 1950 a 1980, média de 7,15%; de 1960 a 1969, média de 6,12%; de 1970 a 1979, de 8,78%. O problema é que já tivemos crescimento médio de 5,3% durante 50 anos, mas ele caiu nos últimos 40 anos, crescendo menos que o PIB mundial. Entre 1981 e 1990, o PIB brasileiro cresceu a mísero 1,55% ao ano. Daí até 2000, o crescimento médio foi de 2,65% ao ano, até 2010 chegou a 3,7%, retomando a performance prevista pela Goldman Sachs.

De um país que era visto como o futuro da economia mundial, junto com Rússia, Índia e China (Brics), o Brasil perdeu quase metade de sua participação no PIB do mundo nos últimos anos. Em 1980, representava 4,3% e, nesta década, passará a menos de 2,5%. O estudo da Goldman Sachs, coordenado pelo economista Jim O’Neill, lançado em 2003, mas com a medição a partir de 2000, mostra que o Brasil manteve-se no trilho da projeção até 2014, quando a crise do segundo governo Dilma jogou o número para baixo.

O economista Robinson Moraes, coordenador de pesquisa econômica do jornal “Valor”, fez uma projeção para o crescimento do Brasil nas duas últimas décadas, comparando com o previsto pelo estudo americano: deveríamos ter crescido 101,7% nos últimos 20 anos e crescemos apenas 43,6%. O Brasil, que no começo da década era a sétima economia do mundo, passou a cair de posição a partir de 2014, chegou a oitava economia em 2017, a nona até 2019 e hoje encontra-se na 12ª posição entre as maiores economias, ultrapassado por Canadá, Coreia do Sul e Rússia.

O ministro Paulo Guedes, numa espécie de recado metafórico, disse que, se o país tomar o rumo errado, dentro em pouco seremos uma Argentina, ou talvez até Venezuela. Isso na semana em que se debatia a intervenção do presidente Bolsonaro na Petrobras, para controlar o reajuste de preços da gasolina (“o cidadão tem que encher o tanque do carro”, disse o futuro presidente da Petrobras, general Joaquim Luna e Silva) e do diesel, por causa dos caminhoneiros.

A desmoralização que vem sofrendo com as seguidas intervenções do presidente na área econômica — também o Banco do Brasil vai trocar seu presidente, que pediu para sair depois que Bolsonaro estranhou o fechamento de agências — parece ter colocado Guedes em posição de aguardo. Está tentando a última cartada, apostando no compromisso do presidente da Câmara, Arthur Lira, de levar adiante as reformas.

Mas, se ficar aguardando essa boa vontade dos parlamentares e o engajamento de Bolsonaro, pode ficar sem tempo de reagir. A partir do segundo semestre, não haverá mais espaço para discussão de reformas, ainda mais as impopulares, como a administrativa, e as difíceis, como a tributária. Guedes também alertou que, se quisermos ser igual à França ou à Alemanha, teremos que fazer um esforço para o outro lado, durante bons 20 a 30 anos. Em 2050, onde estaremos?

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