sexta-feira, 19 de março de 2021

Nelson Motta - O amor nos tempos do ódio

- O Globo

Não quero falar daquela pessoa maligna onipresente no pesadelo brasileiro, porque todos falam dele, parece não haver outro assunto, pior que tudo acaba sendo ligado a ele “na ponta da linha”. Já tentei o humor algumas vezes, o deboche, a ironia, a indignação, a fúria, não sei mais o que fazer para divertir o leitor e livrá-lo por alguns momentos deste circo dos horrores diário. Tentemos a poesia:

Meu passado me condena

não à culpa, à vergonha ou ao arrependimento,

nem ao remorso, à mentira ou ao esquecimento,

mas a ser quem sou agora,

feito dos erros e acertos das palavras e dos gestos,

dos ganhos e perdas, sentimentos e razões,

de encontros e desencontros, de tantas ilusões.

Melhor disse Octavio Paz, o poeta,

“Pureza é aquilo que fica

depois de todas somas e restos”.

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Certos dias

não quero dormir nem ficar acordado,

não quero andar e nem ficar parado,

não quero sentar e nem ficar deitado,

não quero falar e nem ficar calado.

Mas quando estás ao meu lado,

mesmo dormindo em silêncio,

o tempo para, ou dispara, num momento,

e o pensamento vira puro sentimento.

Cada dia sem você,

é como Ipanema sem sol,

como uma festa sem som,

como um domingo sem futebol.

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Meu espirito é forte,

mas minha carne é fraca,

e quando o espírito fraqueja

dissolve-se a fortaleza,

cedo à sede, ao pote, à beleza,

entrego-me ao desejo

que antecede a escolha.

O caçador na verdade é a presa,

prisioneiro do desejo e da incerteza,

é dependente da vontade alheia,

escravo do instinto e da fraqueza.

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Viver um amor

não é só um sentimento,

é uma política, uma economia, uma diplomacia,

uma filosofia, uma permanente sessão de terapia,

e, às vezes, uma literatura e uma

poesia.

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Vendo tuas fotos nua,

teu olhar brilhando de desejo,

tenho inveja de mim mesmo,

do homem que te possua,

de corpo e alma, inteira,

como se cada vez fosse

a última e a primeira.

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Às vezes, na distância,

ela parece não ter existência real,

ser só fotos, vídeos, imagens,

miragens diante dos meus olhos

misturam sonhos e memórias

com planos de novas histórias

sem certeza do amanhã.

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Mas chega de saudade,

a realidade é que só há paz e be-

leza

quando estou ao lado dela,

em cima, embaixo, abraçado,

falando e ouvindo, emocionado,

que felicidade é beijar a sua boca

e por ela inteiro ser beijado.

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