sábado, 20 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A intimidação é intolerável – Opinião / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro, seus familiares, seu governo e seus seguidores têm mostrado que desconhecem o Direito brasileiro

O presidente Jair Bolsonaro, seus familiares, seu governo e seus seguidores têm mostrado que desconhecem o Direito brasileiro. Estão descaradamente promovendo, por várias vias, uma campanha de intimidação contra adversários políticos, como se não existissem no País as liberdades de opinião e de expressão. 

No dia 15 de março, o youtuber Felipe Neto foi intimado a depor na Polícia Civil, em investigação relativa a crime de calúnia e a crimes contra a Segurança Nacional (Lei 7.170/83). O fato a ser apurado: Felipe Neto chamou o presidente Jair Bolsonaro de genocida, em razão de sua atuação na pandemia. Na semana anterior, Carlos Bolsonaro tinha anunciado, em rede social, que apresentara queixa-crime contra Felipe Neto e a atriz Bruna Marquezine, por supostos crimes contra seu pai, Jair Bolsonaro.

Não há dúvida de que as liberdades de opinião e expressão autorizam o exercício da crítica, especialmente em relação aos governantes. Essa intimação da Polícia Civil, que depois foi suspensa pela Justiça, foi claro uso do aparato estatal para perseguir quem se opõe à família Bolsonaro.

Nesse intento de intimidar, chama a atenção o descuido com o próprio Direito. A Lei de Segurança Nacional prevê que, “para apuração de fato que configure crime previsto nesta Lei, instaurar-se-á inquérito policial, pela Polícia Federal: de ofício, mediante requisição do Ministério Público, mediante requisição de autoridade militar responsável pela segurança interna, mediante requisição do ministro da Justiça”.

Cabe à Polícia Federal, e não à Polícia Civil, apurar o suposto crime. Além disso, ao que se sabe, Carlos Bolsonaro não é ministro da Justiça, tampouco representante legal de seu pai para apresentar queixa-crime relativa à suposta calúnia. Nessa história, é também muito estranha a conivência da Polícia Civil, permitindo-se ser usada para fins evidentemente ilegais. 

Outro órgão que tem permitido ser usado nessa empreitada de intimidação – às vezes, assumindo um lamentável protagonismo – é o Ministério da Justiça. Em vez de ser a voz que lembra o Direito no governo federal, o titular da pasta, André Mendonça, tem preferido esquecer a ordem jurídica e agradar ao presidente Jair Bolsonaro.

Além de desrespeitar liberdades fundamentais, os casos revelam uma obsessão doentia por perseguir quem se posiciona publicamente contra Jair Bolsonaro. Por exemplo, a pedido do ministro da Justiça, a Polícia Federal abriu investigação contra o sociólogo e professor Tiago Costa Rodrigues, por ter organizado a instalação de dois outdoors críticos ao governo Bolsonaro em Palmas, no Tocantins. Um dos outdoors trazia a frase “Cabra à toa, não vale um pequi roído. Palmas quer impeachment já”.

Inicialmente, o caso foi arquivado por recomendação da Corregedoria Regional da Polícia Federal e do Ministério Público Federal do Tocantins. No entanto, o Ministério da Justiça insistiu, determinando a abertura do inquérito contra o sociólogo.

Recentemente, o ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal e o pró-reitor de Extensão da universidade, Eraldo dos Santos Pinheiro, assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pela Corregedoria-Geral da União (CGU) se comprometendo a não criticar o governo Bolsonaro dentro de ambiente de repartição pública. Os dois atacaram a condução do combate à pandemia durante uma live realizada dentro da universidade.

Com essa ofensiva do governo federal de intimidar, há quem venha se sentindo à vontade para agir muito além do que a lei permite. No dia 15 de março, em Belo Horizonte e Salvador, dois jornalistas foram agredidos, enquanto trabalhavam na cobertura de manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro. Nos dois casos, bolsonaristas tentaram impedir que os profissionais filmassem e fotografassem as manifestações.

No dia 17 de março, por defender o distanciamento social, o jornal Folha da Região, em Olímpia (SP) teve sua sede atacada, o que provocou um incêndio.

Um governo que persegue opositores viola a essência da democracia e da liberdade. Pensando-se forte, expõe sua maior debilidade, a de caráter.

 

Bolsonaro, presidente de tudo – Opinião / O Estado de S. Paulo

Saída do presidente do BB completa mais uma desastrosa intervenção bolsonariana

Com a saída do presidente do Banco do Brasil (BB), André Brandão, o País contabiliza mais uma grave perda causada pela desastrosa interferência de Jair Bolsonaro. Ao formalizar sua renúncia, Brandão apenas se antecipou à demissão já decidida no Palácio do Planalto. Esse novo desmando comprova mais uma vez a condição singular do atual inquilino do Alvorada. Alguns chefes de governo são autoritários. Outros são incompetentes. Em Bolsonaro combinam-se as duas qualificações, harmonizadas em sua centralização de múltiplos papéis – chefão da Petrobrás, do Banco do Brasil, da Eletrobrás, do Tesouro Nacional, do Ministério da Saúde e de quantos órgãos públicos possam atrair seus interesses eleitorais e familiares. Presidir é mandar, segundo o presidente, e isso significa mandar em tudo.

André Brandão tentou administrar o BB de forma profissional e segundo critérios combinados com o ministro da Economia, responsável por sua indicação. Aumentar a eficiência, conter custos e elevar a lucratividade foram seus objetivos quando resolveu reduzir o número de agências, modernizar processos e iniciar um programa de demissões. Seriam ações compatíveis com sua conhecida e respeitada experiência no setor bancário. Além disso, seriam adequadas a uma instituição de capital aberto, com muitos acionistas privados. Mas a preocupação eleitoral prevaleceu.

O presidente da República reagiu mal. Em certas cidades haveria oposição política ao fechamento de agências, e, além disso, as demissões seriam inoportunas. Falou-se, na época, na exoneração do presidente do BB, mas o ministro da Economia conseguiu amainar o conflito. Além disso, André Brandão era apoiado também pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, figura ainda levada em conta no Palácio do Planalto. Mas o ato final foi apenas adiado.

A saída de mais um presidente do BB foi absorvida sem surpresa no mercado. Já se esperava sua demissão desde o afastamento do presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, outro profissional nomeado por indicação de Paulo Guedes. Também nesse caso o presidente da República agiu em ostensiva defesa de seus interesses eleitorais. O aumento dos combustíveis, especialmente do diesel, desagradou a caminhoneiros, aliados de Bolsonaro, e o assunto ganhou prioridade estratégica no Palácio do Planalto.

O aumento de preços dos combustíveis abriu as comportas para uma enxurrada de asnices sobre reajustes e tributação. Se fosse apenas ignorante, o presidente talvez fosse menos nocivo. Mas ele se julga capaz de dar palpites e ordens sobre quase tudo, ou mesmo sobre tudo, quando seus interesses são afetados. No caso da Petrobrás, a ameaça final foi pronunciada quando Castello Branco se mostrou pouco disposto a cuidar de interesses parciais, isto é, de caminhoneiros. A demissão foi o capítulo seguinte.

Limitações de competência e critérios administrativos nunca foram decisivos para Bolsonaro. Sua primeira intervenção no BB foi relacionada a uma campanha publicitária. Inclusão era o tema central do anúncio, condenado pelo presidente como incompatível com os valores familiares. O presidente do BB aceitou a crítica e suspendeu a campanha. Mas a intromissão foi incompatível com a gestão de uma empresa como o BB, como advertiu o ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz: “Não cabe à administração direta intervir na publicidade estritamente mercadológica das empresas estatais”.

Santos Cruz logo cairia. O presidente do BB, Rubem Novaes, saiu mais tarde. Era favorável à privatização do banco, rejeitada por Bolsonaro. Também nesse caso Paulo Guedes perdeu.

Um manda, outro obedece, disse o general Eduardo Pazuello, o mais disciplinado, em termos bolsonarianos, ministro da Saúde. Falta calcular quantas mortes teriam sido evitadas, se o governo federal tivesse agido, na pandemia, sem negacionismo e com respeito à vida. Mas Bolsonaro acertou em um detalhe: Pazuello, seu ministro ideal, era o modelo perfeito para Petrobrás, BB e todos os demais órgãos federais.

 

A Lava Jato e a política – Opinião / O Estado de S. Paulo

A finalidade da Lava Jato seria, acima de tudo, expurgar a política nacional

A Operação Lava Jato completou sete anos. Desde março de 2014, foram 80 fases, 179 ações penais, 559 pessoas denunciadas e 209 delações, segundo dados do Ministério Público Federal (MPF). A operação não produziu apenas números superlativos. Ao longo desse período, membros do Ministério Público, com a conivência da Justiça, deram à Lava Jato um objetivo de refundação da política nacional.

“Juízes e procuradores jovens, eu diria provincianos, assumiram o papel de salvadores do País”, disse ao Estado o cientista político Luiz Werneck Vianna, professor da PUC-Rio. Segundo a mentalidade que foi se tornando preponderante em torno da operação, não bastava investigar e punir os envolvidos nos esquemas de corrupção. A finalidade da Lava Jato seria, acima de tudo, expurgar a política nacional.

Sob essa ótica messiânica, a Lava Jato teria dois grandes inimigos, que precisavam ser combatidos: os partidos políticos e a legislação vigente, supostamente branda. Basta ver que procuradores, usando o nome do Ministério Público Federal e da própria Lava Jato, realizaram em todo o País uma chamativa campanha de apoio a um pacote de mudanças legislativas, intitulado de Dez Medidas Anticorrupção.

Com isso, os procuradores já não vinham defender e fazer cumprir a lei vigente, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Executivo. Eles queriam uma nova lei – uma lei que, ditada por eles, não estaria maculada pela ação dos políticos, sendo, portanto, capaz de gerar uma nova política.

Tal sistema diferencia-se bastante daquele estabelecido na Constituição de 1988, segundo o qual todo o poder emana do povo. Na proposta dos procuradores, os representantes do povo deviam ser escanteados, com a própria população tornando-se coadjuvante. Sua serventia se resumiria a assinar o que o Ministério Público redigisse.

Esse messianismo autoritário não podia dar certo. Em primeiro lugar, porque o Ministério Público tem de cumprir a lei. Não lhe cabe agir além dos limites legais, supondo que sua atuação extralegal será relevada ou, como alguns pretendiam, que uma nova lei autorizaria o que não estava autorizado.

Além disso, o objetivo político da Lava Jato não feria apenas os limites legais. Ele ignorava a própria política. “São duas dimensões: a política é uma coisa, a Justiça é outra. Houve essa combinação esdrúxula, e deu no que deu”, disse Luiz Werneck Vianna. “É necessário que se combata a corrupção de outra forma, não de uma forma que comprometa todo o tecido político, como se fez. Queriam salvar o País por mecanismos judiciários, pelo Código Penal. Não é por aí.”

A empreitada messiânica dos procuradores produziu um resultado muito diferente do que seus autores esperavam, mas não porque o Judiciário ou o Legislativo tenham promovido um boicote da operação. A rigor, muitas vezes, a Justiça – em especial, a primeira instância, mas não apenas ela – transigiu com o messianismo da Lava Jato.

“Desqualificou-se a política, os partidos, e ficamos em um deserto. O legado da ‘República da Lava Jato’ é a desertificação da política”, disse o professor da PUC-Rio. Além disso, “a política se judicializou no Brasil – por falta de política, falta de partido”.

Observada em várias fases da Lava Jato, a mistura de ação judiciária e ação política conduziu, assim, não apenas a um enfraquecimento da política, o que, entre outros efeitos, faz com que aumente a adesão de parte da população a soluções fora da política – fora do regime democrático. Nesse caminho, com a judicialização da política, deu-se também uma perigosa debilitação da separação dos Poderes, que assegura justamente que o poder político esteja nas mãos do povo, por meio de seus representantes eleitos.

Os equívocos da Lava Jato não devem produzir desalento, como se nada desse certo no País. É antes uma oportunidade para que se reafirme o que é fundamental num Estado Democrático de Direito: todos devem respeitar a lei e só o voto confere poder político. Não há vagas, seja por concurso ou nomeação, para salvadores da pátria.

Bolsonaro erra ao recorrer contra medidas de restrição – Opinião / O Globo

Em pouco mais de um ano, o presidente Jair Bolsonaro nada fez para combater a pandemia do novo coronavírus, a mais letal desde a terrível Gripe Espanhola, há cem anos. Ou melhor, fez tudo ao contrário do que preconizam a Ciência, o bom senso e as boas práticas sanitárias. Nas últimas semanas, parece ter acordado para a tragédia. Suavizou o discurso negacionista, apareceu de máscara em público e fez um aceno às vacinas, tratadas como “nossa arma” pelo filho Zero Um. Trocou até o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, pelo cardiologista Marcelo Queiroga, sugerindo uma bem-vinda mudança de rumo.

Mas Bolsonaro parece errar até quando tenta acertar. Um exemplo é a ideia de criar um comitê com os chefes dos três Poderes para acompanhar o enfrentamento da pandemia (além de Bolsonaro, integrariam o grupo os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux; da Câmara, Arthur Lira; e do Senado, Rodrigo Pacheco). Não faz sentido. Cada Poder tem seu papel. É certo que recursos sobre a ação errática do Executivo na pandemia desaguarão no Supremo, como já vem acontecendo em relação a medidas de restrição ou vacinas. O Tribunal precisa do devido distanciamento para julgar. Assim como o Legislativo, para legislar.

No Brasil, não faltam comitês, grupos de trabalho e comissões de acompanhamento da pandemia. Cada um dos 5.570 municípios do país tem o seu. Criar comitê para discutir um assunto — qualquer assunto — é a saída clássica de quem não sabe o que fazer. Ou de quem não quer fazer nada.

O que falta mesmo são leitos de UTI, sedativos para entubar pacientes — cada vez mais escassos —, oxigênio (a demanda subiu 56% em março) e vacinas. Não se imagina que diferença o encontro de cúpula do G-3 fará no combate à Covid-19, além, claro, de ajudar a propaganda do Planalto.

Num desatino ainda maior, Bolsonaro recorreu ao STF contra governadores que impõem medidas de restrição para conter o vírus. A ação, movida pela Advocacia-Geral da União, pede que o STF suspenda decretos dos governadores da Bahia, Rui Costa (PT); do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). O objetivo, diz Bolsonaro, é conter o “abuso” de governadores.

Na visão distorcida de Bolsonaro, toques de recolher equivalem a estado de sítio, e só quem poderia decretá-lo é o presidente. Nada mais equivocado. O que os estados têm feito é restringir a circulação à noite e de madrugada para evitar aglomeração em bares e restaurantes, onde raramente se usam máscaras ou se respeita distanciamento social. Poucas cidades impuseram limitações também durante o dia. Mas isso nada tem a ver com estado de sítio. Bolsonaro tenta minar as restrições também ampliando o leque de atividades essenciais, para tentar reduzir os efeitos do isolamento. Se tudo é essencial, então por que fechar?

Fux teve o cuidado de ouvir a Corte sobre a proposta do comitê. Os ministros disseram não ver problemas, desde que o STF não venha a referendar políticas sanitárias do governo que depois poderá vir ser obrigado a julgar. Mas é o caso da própria ação contra os governadores. Por tudo isso, nem Congresso nem STF deveriam chancelar as iniciativas de Bolsonaro. Elas são mais jogo de cena do que uma estratégia para frear a tragédia que faz do Brasil o epicentro da pandemia no planeta.

Troca no BB é mais uma derrota para ala liberal do governo – Opinião / O Globo

A saída de André Brandão do Banco do Brasil é mais um desfalque no grupo de liberais que, no início do governo Jair Bolsonaro, parecia convicto de que comandaria os destinos da economia. Em vez disso, a realidade não cessa de confirmar, nas decisões econômicas, o perfil corporativista do presidente Bolsonaro, preocupado apenas em atender os grupos que podem ajudá-lo a ser reeleito em 2022.

Alto executivo de banco multinacional, Brandão tentou aplicar ao BB a receita indicada para modernizar a instituição. Esbarrou no presidente da República. Em janeiro, anunciou um programa de fechamento de 360 agências e um plano de demissão voluntária, com o objetivo de reduzir custos e ampliar os serviços digitais. É o que têm feito os melhores agentes financeiros no mundo.

Foi demais para Bolsonaro, que estava às voltas com o toma lá dá cá da campanha pela eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara. Decidiu substituir Brandão ao ouvir queixas de prefeitos cujos municípios haviam perdido agências do BB, instrumento comum para agrados políticos em cidades menores. O antecessor de Brandão, Rubem Novaes, que defendia a privatização do banco, já saíra se queixando de pressões políticas.

Entre as várias promessas frustradas da campanha de 2018, a maior talvez esteja na economia. Bolsonaro assumiu nomeando Paulo Guedes, sinônimo de liberalismo, num Ministério da Economia robustecido com a união de vários outros. Aos poucos, foi ficando claro como era frágil a fantasia liberal que Bolsonaro vestiu para se eleger. Quem decide nas questões que lhe interessam é o mesmo Bolsonaro corporativista e nacionalista de sempre.

Foi assim na reforma da Previdência, que ajudou a desidratar em defesa do funcionalismo, em especial policiais e militares, cujo voto sempre cultivou em 28 anos na Câmara. Chegou a atrasar a tramitação do projeto de ajuda a estados e municípios, no ano passado, que previa a contrapartida do congelamento de salários do funcionalismo, para que o Congresso aprovasse um reajuste prometido aos servidores da Segurança de Brasília.

O modelo de banco estatal para Bolsonaro parece ser a Caixa Econômica de Pedro Guimarães. Ele se aproximou do presidente quando o pagamento do auxílio emergencial impulsionou a popularidade de Bolsonaro no ano passado. Volta a ter destaque com o novo auxílio e anunciou a abertura de 400 agências em cidades pequenas. Visto que a Caixa não tem acionistas no mercado como o BB, o risco recai integralmente no contribuinte. Também é sintomático que Brandão tenha sido substituído por Fausto de Andrade Ribeiro, nome interno à corporação do BB.

Não é de hoje o esvaziamento da ala liberal no governo. Brandão é o décimo indicado por Guedes a cair em meio às condições atmosféricas peculiares de Brasília. Antes dele, o último fora Roberto Castello Branco, demitido da Petrobras. A agenda de racionalidade econômica, abandonada por Bolsonaro, fica mais distante. E Guedes, a cada dia mais isolado. 

O palavrão – Opinião / Folha de S. Paulo

Lockdown é medida de difícil execução, ainda mais sendo satanizado por Bolsonaro

Uma palavra estrangeira, cujo significado nem sempre é entendido da mesma maneira por todos, tem sido satanizada para turvar o debate sobre as políticas de controle da pandemia. Trata-se do lockdown.

Ciente de que a campanha contra a vacinação mostrou-se danosa a sua popularidade, Jair Bolsonaro foca agora no ataque ao isolamento social. Chegou ao desplante de fazer o governo ir ao Supremo Tribunal Federal para tentar vetar toques de recolher Federação afora.

De tempos em tempos, ele e seus seguidores sacam o vocábulo obscuro para vociferar gritos de liberdade. Visam rivais políticos tentando lidar com a crise na ponta.

Tal atitude tem eco no espírito pouco cooperativo expresso por fatias minoritárias da população —a mais recente pesquisa Datafolha apontou que 71% dos ouvidos apoiam restrições ao comércio, acima dos 61% de dezembro.

O problema é o palavrão.

Lockdown como política nacional, quiçá estadual, é de difícil execução. Ele embute uma escolha de Sofia, já que efetivamente a fome baterá à porta de vulneráveis impedidos de circular e trabalhar.

Bolsonaristas, ademais, jogam na confusão contra adversários. Em nenhum momento o governo paulista, por exemplo, chegou perto de um lockdown —que embute a restrição física da mobilidade.

O que há até aqui no estado são limitações de abertura de comércio, serviços e lazer, além de um toque de recolher pouco respeitado.

No mais rico e populoso estado do país, os problemas práticos de um lockdown são óbvios: há mais de mil pontos de fronteira, e o risco de colapso de linhas de abastecimento e de cadeias produtivas enseja cenários de anomia.

Ainda que houvesse uma definição sobre o tema, para levar a cabo algo do gênero deveria haver o apoio federal, com emprego de tropas do Exército. Isso nunca ocorrerá, obviamente, sob Bolsonaro.

Trata-se, hoje, da receita prescrita por 9 entre 10 especialistas. Razões decerto não faltam, dados os números aterradores de mortes diárias, UTIs lotadas e escassez de equipamentos. Até que a vacinação avance e surta efeito, o momento será de alerta máximo.

Assim, emergem soluções locais, como os lockdowns de fato em cidades do interior paulista. Aplicadas pontualmente, funcionam, mas o vírus não respeita divisas, e combatê-lo demanda coordenação.

Nesse sentido, a iniciativa paulistana de instituir um feriadão sem consultar seus vizinhos demonstra que a barafunda federal contamina até as boas intenções.

Coragem e bom senso devem se combinar no objetivo maior de conter o vírus, em especial as suas novas cepas. Não será no Planalto que se verão tais atributos.

Líderes e párias – Opinião / Folha de S. Paulo

Biden cumpre meta vacinal antes do prazo, em contraste com tragédia brasileira

O presidente dos EUA, Joe Biden, prometeu aplicar 100 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 nos primeiros 100 dias de mandato. A meta foi cumprida 41 dias antes do prazo, nesta sexta (19).

Parece um milagre de eficiência, mas milagres não existem em políticas públicas —menos ainda diante da pandemia, que criou para governantes do mundo inteiro a maior emergência sanitária desde a Gripe de 1918. Existem, sim, líderes à altura do desafio, ainda que não por toda parte.

Biden designou o médico David Kessler para organizar o esforço. A aceleração imprimida ao programa atingiu um ritmo de 2,5 milhões de injeções em 24 horas, à média de 1,3 milhão de imunizações por dia desde meados de dezembro (contra menos de 200 mil vacinas diárias no Brasil após o início da campanha em 18 de janeiro).

O presidente democrata se credencia, assim, entre os políticos preparados para agir com responsabilidade e planejar a mobilização necessária para proteger a saúde dos governados. Seu trabalho foi facilitado pelo desastre resultante da administração destrambelhada e negacionista do antecessor republicano, Donald Trump.

A condução errática da reação à pandemia no governo anterior deu aos EUA, a maior potência do planeta, o posto vergonhoso de campeão absoluto em mortes e casos de Covid-19. Acumularam-se em um ano 540 mil óbitos, em meio a quase 30 milhões de infectados.

De picos de mais de 3.500 mortes diárias no início deste ano, o número de vítimas hoje se encontra em torno de 1.500. Mesmo após o recuo vertiginoso observado desde 8 de janeiro, quando se registraram 300 mil novos casos num único dia, o país ainda registra média de 55 mil diagnosticados.

Trata-se de um patamar alto, indicativo de que o coronavírus ainda circula sem grande dificuldade. Embora um quarto da população americana já tenha recebido ao menos uma dose, há temor de que temperaturas mais altas na primavera do hemisfério Norte estimulem aglomerações e relaxamento de restrições à mobilidade.

Mesmo que a epidemia de Covid-19 não possa ser considerada sob controle por lá, o contraste com a realidade brasileira é acachapante. Sob a recusa de Jair Bolsonaro a liderar o país, a vacinação demorou, faltam doses para quem precisa e caminhamos firmes para superar os piores registros da Covid-19 nos Estados Unidos.

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