sexta-feira, 26 de março de 2021

Próxima eleição deve ter caráter plebiscitário

Para cientista político, candidatos identificados como de “centro” deverão ter pouco ou quase nenhum espaço

Por Rodrigo Carro / Valor Econômico

RIO - A possibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disputar as eleições presidenciais de 2022 cria uma polarização que está longe de ser política e deve transformar o próximo pleito numa votação plebiscitária com quase nenhum espaço para os candidatos identificados como de “centro”, sustenta o cientista político Carlos Melo. Para ele, as próximas eleições devem ser marcadas pelo antibolsonarismo e terá mais chance de êxito quem se mostrar como esta opção.

Ao fazer uma “inflexão ao centro”, no seu primeiro discurso após a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou as condenações na Lava-Jato, Lula transformou a “enorme avenida” que poderia ser percorrida por candidatos que se apresentam como centro do espectro político numa “picada no mato”, diz o professor do Insper.

“Quando você pensa em polarização, pode até pensar numa polarização de nomes, entre Lula e [o presidente Jair] Bolsonaro, mas não numa polarização política”, argumenta Melo. “O Lula tem sinalizado que aquele sujeito que deixou a cadeia, ressentido, falando mal de todo mundo, desapareceu. Desapareceu por passe de mágica a partir da decisão do Fachin.”

Na análise do cientista político, depois de dois anos de governo Bolsonaro, o centro ideológico (“democrático e não fisiológico”, diferencia o professor) não conseguiu se decidir minimamente sobre um nome possível e quanto a um programa político. “Ele se estabeleceu apenas como um ‘espírito’ de centro. É muito pouco”, afirma Melo.

O pleito de 2022, ao que tudo indica, será marcado pelo antibolsonarismo, diz Melo, assim como o de 2018 teve como mote o antipetismo. Dentro desse contexto, terão mais chances de serem bem-sucedidos os candidatos com uma posição clara. “O antibolsonarismo vai procurar alguém que tenha cara, jeito e expectativa de ser capaz de vencer o Bolsonaro”, acredita o cientista político. “Se [o candidato] quiser ganhar do Lula, vai ter de disputar com ele não dizendo que é antipetista, mas dizendo que é a melhor alternativa [...] ao Bolsonaro.”

Um discurso antibolsonarista que apele para sutilezas na tentativa de se diferenciar da retórica petista tem poucas chances de êxito, na opinião do cientista político. “O eleitor, de uma forma geral, é muito objetivo. Se você começar com muita sofisticação, muitas nuances, você acaba conversando com uma parcela muito pequena da população”, frisa ele.

Melo considera prematuro falar em nomes. Mas destaca que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) são os “nomes de centro” que há mais tempo e de forma mais contundente se colocaram no campo antibolsonarista.

Perguntado se o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) poderia cumprir esse papel, Melo utiliza uma analogia religiosa: “A conversão do Ciro ao centro é conversão de cristão novo. Cristão novo querendo rezar a missa? Vai ser meio difícil”, sintetiza.

Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, o professor do Insper atribui à pandemia um “efeito catalisador” na medida em que a covid-19 acelerou o desgaste dos governantes ao evidenciar erros cometidos em ambos os países. “Os problemas já existiam todos e a pandemia simplesmente [os] explicitou. Talvez, se não tivéssemos a pandemia, esse mal-estar [...] levasse dois, três anos [para aparecer] e, portanto, para além do ‘timing’ [momento] eleitoral”, argumenta. “Não foi a pandemia que mudou tudo. O Brasil já não estava uma maravilha antes.”

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