terça-feira, 27 de abril de 2021

Alvaro Costa e Silva - Bolsonaro no buraco

- Folha de S. Paulo

Derrocada do governo não é ficção

Em abril de 2019, o então chanceler Ernesto Araújo fez uma visita oficial à Argentina. Desde a final da Libertadores de 1963 entre Boca Juniors e Santos na Bombonera, em que Pelé acabou com o jogo, os hermanos não se espantavam tanto com um brasileiro.

Araújo disse que poderia ser um personagem de Jorge Luis Borges. "Diplomata de um país com problemas de pobreza, corrupção e crime" que um dia escreveu um artigo sobre Trump. "Essas linhas sobre o Ocidente mítico" chegaram ao conhecimento de Bolsonaro, "candidato a presidente que falava de Deus e da pátria como realidades presentes e convidou esse obscuro diplomata para ser seu chanceler". O próprio Bolsonaro, continuou Araújo, "renderia um conto de Borges, que poderia se chamar 'Deus em Davos'".

Dois anos depois, o ex-ministro curte sua imortalidade borgeana despachando num cargo temporário no Palácio do Itamaraty. Com folga para ler com mais acuidade o autor argentino, em especial "O Aleph", relato sobre a esfera mágica, não maior do que uma gota, onde conflui o universo, espelhando tudo dentro dela, inclusive idiotices, vaidades, pilantragens, puxa-saquismos.

Em pouco tempo Araújo virou um já-era. Assim como outras sumidades do governo ligadas à extrema direita: Ricardo Vélez, Roberto Alvim, Abraham Weintraub, Fabio Wajngarten (embora este, demitido, continue a trabalhar na comunicação do chefe, culpando exclusivamente o general Pazzuelo pelo desastre no combate à pandemia). A próxima bola na caçapa é Ricardo Salles, o refinado boiadeiro que serve à ideologia do garimpo e desmatamento ilegais.

Quem diria que os delírios de Araújo tinham um fundo de razão. Da maneira como as coisas têm se precipitado, Bolsonaro é hoje um personagem de conto fantástico, que vai se desfazendo, derretendo, sumindo dentro de um buraco.

Nosso problema é a terra devastada que ele deixa à sua volta.

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