segunda-feira, 5 de abril de 2021

Armando Castelar Pinheiro* - O último trem para Paris

- Valor Econômico

A tentação de resolver desafios sem incorrer no ônus de onerar o consumo privado é sempre grande

 “Anos Dourados”, a ótima coluna de Mario Mesquita aqui publicada quinta passada, traz duas importantes mensagens sobre nossa dificuldade de crescer a um ritmo satisfatório desde os anos 1980. Uma, que essa dificuldade resulta, em parte, da herança deixada pelo modelo econômico desses anos: economia fechada, focada demais no Estado empresário e de menos na educação básica, e incapaz “de resolver problemas macroeconômicos de curto prazo, como controlar a inflação”, que comprometem o desempenho de longo prazo. Outra, que não reconhecer essa herança ruim leva a um saudosismo imerecido desse modelo, dificultando a adoção de políticas mais favoráveis ao crescimento.

A coluna me deixou pensando sobre um dos acontecimentos mais interessantes de nossa história: a decisão do governo Geisel, que tomou posse em março de 1974, de ir contra a tendência mundial de se ajustar ao primeiro choque do petróleo desacelerando o crescimento. Em vez disso, dobrou a aposta em políticas expansionistas. O discurso à época é que o Brasil seria uma ilha de prosperidade em um mundo revolto.

O Brasil era muito dependente das importações de petróleo e outros produtos que também subiram de preço nessa hora, fazendo com que experimentássemos uma queda de 17% em nossos termos de troca em 1974. Isso ajudou a catapultar nosso déficit em conta corrente, de 2,5% para 6,8% do PIB, e a mais que dobrar a inflação ao consumidor, de 13% para 28%.

E não era só o choque externo que sugeria uma desaceleração: o governo anterior terminara com a economia muito aquecida, política econômica muito expansionista, baixa capacidade ociosa e crescimento acima do potencial (alta do PIB de 14% em 1973).

Por que, então, o novo governo não focou em primeiro estabilizar a economia e depois retomar o crescimento? Por que, ao contrário, partiu logo para um ambicioso programa de novas rodadas de substituição de importações e grandes investimentos em infraestrutura, que nesse período registraram os níveis mais altos de nossa história?

A explicação mais conhecida é a de que isso era necessário para viabilizar o processo de abertura política “gradual, lenta e segura” que Geisel implementou. Isso pois os segmentos mais radicais das Forças Armadas se opunham a ela e, no tabuleiro político de então, seria um risco associar abertura política a perda de dinamismo econômico. Sobre isso, vale ler o artigo de Bolivar Lamounier e Alkimar Moura, Economic Policy and Political Opening in Brazil (bit.ly/3duI7Fs).

As explicações não são, porém, só políticas. No seu excelente “O Último Trem para Paris” (Ed. Nova Fronteira, 1986), o saudoso João Paulo dos Reis Velloso, ministro do Planejamento tanto de Médici como de Geisel, defende a opção de manter o crescimento acelerado e aprofundar o processo de mudança estrutural com dois argumentos principais.

Primeiro, o custo social de uma desaceleração do crescimento teria sido grande: “[n]o aspecto social, (...) o Governo estava certo, em 1974, na sua rejeição da recessão, que, após 81, mostrou ser tão terrível quanto se temia”. Mas, como o próprio autor observa, a falta de ajuste foi além de evitar uma recessão: “o endividamento (externo) ocorreu para que as duas coisas se equilibrassem. Ou, dito de outra forma, para que o esforço de investimentos se verificasse sem a queda do consumo privado - ao contrário, com sua elevação”.

Segundo, que, em que pese a forte escalada da dívida externa e a alta da inflação, a estratégia adotada teria levado ao ajuste da economia, não fossem a seca de 1978, o segundo choque do petróleo e a escalada dos juros pelo Fed, o banco central americano, a partir de 1979. E esses acontecimentos eram imprevisíveis. Assim, para Reis Velloso, “[p]odemos até aceitar que, à luz do que veio depois, teria sido bom pagar o preço de ter tido um ajustamento mais forte nos preços relativos. Todavia, isso já é o mundo da ‘sabedoria após os fatos’”.

O fato é que a opção por pisar no acelerador deixou o Brasil muito vulnerável aos choques do final dos anos 1970 e explica muito da crise da dívida externa e da hiperinflação que vieram depois. Até acho que os ganhos com a abertura política podem justificar essa escolha, mas de um ponto de vista puramente econômico foi uma aposta que deu errado.

Apostas desse tipo, ainda que em geral de menor grau, são recorrentes na nossa história. A tentação de resolver os desafios sem precisar incorrer no ônus político de onerar o consumo privado e focar nos desequilíbrios macroeconômicos é sempre grande. Porém, a história ensina que os países se desenvolvem, não porque vivem ciclos curtos de rápido crescimento, mas porque são capazes de crescer bem durante muitas décadas. E, para isso, é preciso cuidar dos desequilíbrios macroeconômicos de curto prazo.

O Brasil de hoje sofre com esses desequilíbrios, tanto no fiscal como na inflação, e, mesmo com o desafio adicional da pandemia, é preciso enfrentá-los. Apostar que os problemas se resolvem sozinhos, apenas com retórica forte, é tentador, mas muito arriscado. É um caminho que pode levar a crises sérias ali na frente.

*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ

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