Serviços
e finanças do sistema precisam ser reorganizados em torno de redes integradas
No
meu último artigo neste espaço sublinhei a necessidade de reforçar os laços de
solidariedade social para superarmos a crise sanitária, que se agrava. A
natureza das pandemias requer soluções coletivas. Não haverá solução para cada
um se não houver para todos.
Neste
artigo pretendo destacar um dos grandes pactos de solidariedade que fundaram
nossa nova ordem constitucional e as medidas para aprimorar o complexo arranjo
institucional desenvolvido para sua implementação: o Sistema Único de Saúde
(SUS).
Diferentes
sociedades optam por diferentes modelos de provisão de bens e serviços de
saúde. A escolha de cada país é influenciada por múltiplos fatores. Não há
modelo ideal: a balança de benefícios e riscos varia conforme as alternativas
escolhidas. E os efeitos de equidade não devem ser negligenciados.
A
sociedade brasileira incluiu na Constituição de 1988 opções básicas relativas
ao seu sistema de saúde. A saúde tornou-se direito de todos; seu acesso deve
ser universal, igualitário e integral em todos os níveis de atenção. Mas como
financiá-lo?
Ao longo dos anos cresceu o gasto público e, com ele, os indicadores de saúde. Temos, porém, um aparente paradoxo: o Brasil optou pelo atendimento universal oferecido pelo Estado. Mas, no setor de saúde como um todo, há predominância dos gastos privados, parcialmente financiados por benefícios fiscais. Ou seja, nosso sistema combina relações de complementaridade e competição entre provedores públicos e privados, e a escolha desse modelo misto tem consequências.
Os
dois setores competem por insumos e financiamento. Com isso se limita a
capacidade do governo de centralizar a política de saúde, pois os agentes
privados direcionam a oferta de serviços tanto espacial quanto
qualitativamente. Ademais, como o setor privado pode incorporar novas
tecnologias e novos tratamentos, o SUS acaba sendo pressionado a introduzi-los,
por vezes, prematuramente. O modelo de atenção preponderante na rede privada,
baseado em demanda espontânea, restringe a ampliação do modelo de atenção
primária, mais eficiente, próprio dos sistemas públicos. Na ausência de
restrições a que usuários cobertos por planos utilizem a rede pública, o setor
privado pode orientar seus pacientes a buscar procedimentos mais complexos e
caros no SUS.
A
escolha da organização descentralizada do SUS tem provocado não poucas
dificuldades. Cabe aos 5.570 municípios, a vasta maioria de pequeno porte,
prover à população atenção primária e garantir seu acesso aos cuidados
especializados. Isso exige suporte técnico e financeiro dos Estados e da União.
Em razão da autonomia político-administrativa de municípios e Estados, a
coordenação entre eles requer muito empenho.
Assim,
em face dos problemas inerentes ao caráter descentralizado do SUS e a sua
competição com o setor privado, gostaria de listar medidas com potencial de
contribuir para um aprimoramento do Sistema Único.
De
acordo com os especialistas, os serviços e finanças do SUS precisam ser
reorganizados em torno de redes integradas de saúde que articulem os vários
níveis de atenção, bem como os subsistemas público e privado. Essenciais nesse
modelo são arranjos e processos que facilitem a comunicação, a continuidade da
atenção e o compartilhamento de informações entre os componentes da rede.
No
âmbito das redes integradas de atenção, cabe fortalecer a atenção primária, a
qual deve ser o ponto de entrada no sistema. A Estratégia de Saúde da Família é
um marco na história do SUS pelos resultados obtidos. Na minha gestão como
ministro da Saúde, em três anos as equipes do programa saltaram de 3 mil para
16.657; houve também aumento expressivo de agentes comunitários de saúde, de 54
mil para 153 mil. Colocam-se agora questões envolvendo a ampliação da
cobertura, a articulação com os demais níveis de assistência e a incorporação
da atenção primária pelo sistema privado, entre outras.
A
coordenação entre o SUS e o sistema privado deve ser aprimorada. Requer-se uma
melhor regulação: do trânsito de profissionais entre os setores; das vagas de
medicina e residência, tanto em termos de especialidades como espaciais; dos
ressarcimentos ao SUS por provedores privados; e da incorporação de novas
tecnologias e novos tratamentos. O grau de progressividade do gasto público com
saúde merece exame, uma vez que os benefícios fiscais no setor tendem a
favorecer camadas de renda mais elevada.
Na
dimensão federativa, impõem-se novos arranjos de governança para constituição
ou aperfeiçoamento das redes regionais de saúde. Deve-se recuperar o
planejamento integrado entre as várias esferas, previsto na legislação do SUS,
para melhor coordenação, norteado pelas necessidades locais. A regionalização
favorece o equilíbrio entre garantia de acesso e escala na prestação de
serviços.
A
história do sistema de saúde brasileiro reflete as disparidades e contradições
inerentes à nossa sociedade. Muito fizemos, muito nos resta a fazer. O
conhecimento especializado é indispensável. Não esqueçamos, todavia, que cumpre
a todos transmitir ao Congresso o que deve ser considerado direito à saúde no
Brasil.
*Senador (PSDB-SP)
ResponderExcluirINFELIZMENTE A PROLIFERAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE PROMOVIDOS POR ENTIDADES PRIVADAS, ENCONTROU TERRENO FÉRTIL PARA PROLIFERAREM NOS GOVERNO TUCANOS...
(Desculpem a caixa alta).