terça-feira, 27 de abril de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O Globo

Apagão estatístico revela prioridade real do governo

O Brasil deixa de captar as mudanças demográficas, sociais e econômicas, cujo conhecimento será fundamental para depois da pandemia

Entre todos os absurdos evidentes no Orçamento deste ano, talvez nenhum supere o despropósito de cancelar o Censo, que custaria R$ 2 bilhões, ao mesmo tempo que um grupo de 1.800 funcionários da Receita Federal embarca num trem da alegria que, apenas em 2021, acarretará um gasto adicional de quase R$ 2,8 bilhões aos cofres públicos (e, nos anos seguintes, R$ 192 milhões anuais). Está aí, num exemplo singelo, cristalino e eloquente, a expressão de como as prioridades do Congresso e do Executivo se chocam com o interesse do país.

O Censo é uma pesquisa fundamental para traçar qualquer política pública. Serve pra conhecer os índices de violência, os indicadores da saúde, as necessidades de educação e moradia, o tamanho da miséria e da desigualdade. Por lei, os números do Censo devem ser usados para calcular os repasses da União a municípios. Sem o Censo, o país não é capaz de conhecer a si próprio, nem seu desempenho em todos os setores da economia. Mergulha num apagão estatístico. Por tudo isso, o Censo é uma obrigação do Estado, como estabelece lei de 1991. Precisa ser realizado a cada dez anos, para manter atualizado o retrato do país.

O Censo de 2020 já fora adiado em virtude da pandemia. Em 2019, o governo nomeara uma nova presidente para o IBGE, Susana Cordeiro Guerra, com a missão de reduzir o questionário e o custo da pesquisa. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não aceitava a conta de R$ 3,4 bilhões apresentada. Disse para o instituto “vender prédio” e cortar perguntas, alegando que “você termina descobrindo coisas que nem queria saber”.

Mesmo depois de o IBGE racionalizar o questionário, tomar medidas de segurança para que pudesse ser aplicado sem risco para os recenseadores na pandemia e reduzir o total para R$ 2 bilhões, Executivo e Legislativo não quiseram nem saber. A verba do Censo foi cortada para R$ 71 milhões no Orçamento, depois para R$ 53 milhões. Antes disso, Susana entregou o cargo. Depois do cancelamento em 2021, dificilmente o Censo será realizado no ano eleitoral de 2022.

O IBGE vai sendo, portanto, jogado no limbo em que o governo deixa instituições e atividades que não considera prioritárias, como Ciência, Cultura ou Meio Ambiente.

Ao mesmo tempo que o Censo era sabotado, o Congresso derrubava um veto do tempo do governo Lula, garantindo contratações e promoções a uma corporação de auditores da Receita Federal, parte da elite do funcionalismo que desfruta um sem-número de privilégios na comparação com o comum dos mortais no setor privado (aposentadoria integral, promoções automáticas, licenças- prêmio etc.). Os recursos desse trem da alegria seriam mais que suficientes para bancar o Censo, como manda a lei.

Mas as prioridades são outras. Nada mais coerente com o governo Bolsonaro do que preservar no Orçamento interesses paroquiais das corporações, emendas de parlamentares e ceifar as verbas para o Censo. Como o projeto que importa são as eleições de 2022, fica em segundo plano a atualização das estatísticas. O Brasil deixa de captar as mudanças demográficas, sociais e econômicas, cujo conhecimento será fundamental para depois da pandemia. Ficamos no escuro.

O Estado de S. Paulo

Orçamento irreal, de novo

De novo, o governo age a reboque dos fatos, sem capacidade de preparar o País para os desafios impostos pela pandemia

O governo de Jair Bolsonaro acreditava piamente que a pandemia de covid-19, chamada pelo presidente de “gripezinha”, acabaria no ano passado, e essa imprudência se refletiu no projeto de Orçamento encaminhado pelo Executivo para vigorar neste ano e sancionado apenas na quinta-feira passada.

Na versão original dessa peça de ficção, não há previsão específica sobre os gastos necessários para reforçar a estrutura hospitalar e o atendimento a doentes de covid-19 no caso de um recrudescimento da pandemia, a despeito de inúmeros alertas de especialistas de que a doença estava fora de controle. Tampouco há menção a uma possível reedição do auxílio para os que perderam renda na pandemia e do programa de ajuda a empresas. Por fim, no momento em que estudantes se viram impedidos de ir à escola em razão de medidas de restrição, o Orçamento de 2021 não prevê o financiamento de nenhuma ação voltada para ajudar esses alunos a ter aulas remotas, o que deveria ser prioridade absoluta do Ministério da Educação.

Trocando em miúdos, o Orçamento deste ano, aprovado com três meses de atraso, não reflete em nenhum momento a necessidade de investimentos pesados para enfrentar os múltiplos efeitos da pandemia, o que demonstra grosseiro erro de planejamento. Pior do que ter cometido esse erro, no entanto, é cometê-lo de novo – como o governo acaba de fazer.

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2022, encaminhado ao Congresso pelo governo no dia 15/4, não faz qualquer previsão concreta sobre os efeitos da pandemia nas contas nacionais. “A pandemia continua se alastrando em 2021, aumentando as incertezas sobre o cenário das finanças públicas em 2022”, advertiram as Consultorias do Orçamento da Câmara e do Senado em nota a respeito da proposta.

O PLDO não expressa preocupação especial com a necessidade evidente de investir em educação, para que os estudantes de escolas públicas que não conseguem ter aulas regulares há mais de um ano possam tentar recuperar um pouco do tempo perdido. A julgar pela degradação progressiva do Orçamento do Ministério da Educação no governo Bolsonaro – que ademais, por incompetência e falta de rumo, não consegue executar as verbas de que dispõe –, seria esperar demais que houvesse um planejamento decente para o ano que vem.

O PLDO também não faz menção específica à urgência de criar empregos nem de auxiliar os mais pobres, embora a fome já seja uma realidade. Tampouco prevê investimentos extraordinários em saúde, setor que certamente continuará sobrecarregado, tanto pela covid-19 propriamente dita como pelo previsível aumento de internações por outras doenças.

As consultorias alertam ainda que o PLDO menciona apenas de passagem os riscos fiscais relativos à pandemia. Quando muito, o texto do governo sublinha que, “no atual estágio da crise, ainda se observa a presença de elevada incerteza que impede a previsão da extensão de seus efeitos”.

Entre os fatores a considerar, as consultorias destacam “a dificuldade de rolagem da dívida pública em prazos mais longos, o aumento da inflação que levou ao aumento da taxa básica de juros e o possível aumento do desemprego decorrente das restrições ao comércio impostas em diversos Estados”, o que terá reflexo “na gestão e no custo da dívida pública, no poder de compra dos consumidores e na dimensão da massa salarial”.

As consultorias advertem ainda que as projeções do governo a respeito dos indicadores econômicos para o ano que vem são bem mais otimistas do que as previsões do mercado, apuradas pelo Boletim Focus, do Banco Central. Não é possível fazer um bom planejamento só com base no pensamento positivo.

De novo, o governo age a reboque dos fatos, sem capacidade de preparar o País para os desafios impostos pela pandemia – assim como já era incapaz antes da doença. Bem de acordo com a irresponsabilidade de Bolsonaro, fará tudo de cambulhada, ao sabor das conveniências políticas e eleitoreiras do presidente e do Centrão. Nesse meio tempo, o único investimento sólido do governo será, como sempre, em desculpas esfarrapadas.

Folha de S. Paulo

23 acusações

CPI da Covid pode qualificar debate sobre crime de responsabilidade de Bolsonaro

Noticia-se que o governo Jair Bolsonaro elaborou uma relação de 23 acusações das quais deve ser alvo na CPI da Covid, a ser instalada no Senado nesta terça-feira (27), e pediu argumentos de defesa a 13 ministérios. A missão dessas pastas será, sem dúvida, inglória.

Publicada pelo UOL, a lista de sabotagens, negligências, malversações e outros desmandos cometidos pelo Executivo federal na gestão da pandemia é, em sua maioria, irrefutável —e mesmo atenuantes se mostram escassos.

Não há malabarismo retórico capaz de negar, num exemplo dos mais importantes, a incúria do governo na aquisição da Coronavac e a tentativa de desacreditar o imunizante. Em 21 de outubro do ano passado, Bolsonaro desautorizou publicamente um anúncio de compra de 46 milhões de doses pelo Ministério da Saúde e lançou dúvidas sobre a segurança do produto.

Tampouco se vê como ministros e assessores poderão justificar condutas do chefe como minimizar a pandemia (a “gripezinha”), desincentivar medidas restritivas, promover tratamento precoce e cloroquina sem base científica.

Tais casos são particularmente graves porque a verborragia ignorante e irresponsável do mandatário embasou políticas públicas que contribuíram para a explosão de infecções e mortes no país.

No conjunto desastroso da obra, é difícil considerar mera incompetência —que já seria gravíssima— as múltiplas falhas no provimento de testes, insumos e equipamentos, a tragédia em Manaus ou o descaso com as populações indígenas.

Também incontestável é a omissão na tarefa de coordenar nacionalmente as providências contra a Covid-19, que Bolsonaro atribui de forma mentirosa a uma decisão do Supremo Tribunal Federal —a corte apenas evitou uma catástrofe maior ao garantir a autonomia decisória de estados e municípios.

Como já se disse aqui, convém acompanhar com boa dose de ceticismo a CPI, dado o risco de que parlamentares prefiram exibir-se para as câmeras a conduzir uma apuração criteriosa. Entretanto havia muito tempo que uma comissão parlamentar de inquérito não tinha início com tantos aspectos claros e relevantes a explorar.

Com foco e objetividade, é possível esmiuçar a conduta do governo e do presidente e qualificar o debate, a esta altura inescapável, sobre o cometimento de crimes de responsabilidade na pandemia.

Os fatos, de enorme gravidade, não serão abafados com evasivas do Executivo ou pela recusa do presidente da Câmara dos Deputados em deliberar sobre dezenas de pedidos de impeachment. Na ausência de argumentos miraculosos de defesa por parte dos ministérios, Bolsonaro por ora apenas vocifera.

Valor Econômico

Pobreza cresce mesmo com novo auxílio emergencial

A extrema pobreza será quase quatro vezes maior do que a registrada em julho do ano passado, quando atingia 5 milhões de pessoas

Além de ter demorado para começar a ser distribuído, o auxílio emergencial deste ano está pagando valores bem abaixo dos praticados em 2020 e beneficiando um grupo mais reduzido da população. Em consequência, não está conseguindo evitar o crescimento da pobreza e vários outros desastres como a fome e atrasos na educação. Diversos indicadores vêm evidenciando esses problemas, alertando as autoridades, sem comover o governo federal.

O auxílio emergencial de 2020 começou a ser distribuído em abril no valor de R$ 600, por pressão do Congresso, que obrigou o governo a triplicar a quantia inicialmente pretendida. O dinheiro foi para a conta de 67 milhões de brasileiros mensalmente até dezembro, caindo para R$ 300 nos últimos três meses do ano. Apesar de estar mais do que claro que a pandemia seguia intensa e sem tréguas no início do ano, o governo gastou três meses articulando um novo programa e somente começou a pagá-lo neste mês, por um prazo inicial de quatro meses, no valor médio de R$ 250, para 45,6 milhões de pessoas.

Se o programa anterior custou R$ 294 bilhões, neste ano a previsão do governo é gastar R$ 44 bilhões. Mas tudo indica que a ajuda será necessária por mais tempo. O saque foi restrito a uma pessoa por família e limitado a indivíduos que já receberam o auxílio em 2020. Quem perder a renda esse ano não poderá contar com a ajuda.

O atraso das novas concessões do auxílio, o corte no valor e a redução do número de beneficiados, além do efeito perverso da segunda onda da pandemia na economia são visíveis no aumento da miséria nas cidades, grandes e pequenas – e nas estatísticas. A mais recente é do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP) que estima que mais de 61 milhões de brasileiros estarão na pobreza neste ano. O número, equivalente a 28,9% da população, representa um salto de 42%, ou de 18,1 milhões de pessoas, em comparação com os 43 milhões de pobres detectados em julho de 2020. Naquele momento, o auxílio emergencial mais polpudo conseguiu até reduzir por algum tempo a pobreza que afligia 51,9 milhões de pessoas antes da pandemia. A pobreza vinha crescendo desde 2015, desencadeada pela recessão que durou três anos e ganhou velocidade com pandemia.

Desse total de 61 milhões de pessoas, 19,3 milhões estarão na pobreza extrema neste ano, ou 9,1% da população. A extrema pobreza será quase quatro vezes maior do que a registrada em julho do ano passado, quando atingia 5 milhões de pessoas, e superior até aos 13,9 milhões de 2019. Os cálculos foram feitos a partir da Pesquisa Nacional Anual de Domicílios (Pnad) Contínua de 2019 e da Pnad Covid realizada ao longo de 2020. Com base nos mesmos dados, outros pesquisadores chegam a números ligeiramente diferentes, mas com a mesma conclusão.

O FGV Social calculou que, em agosto, a população pobre era de 4,5% do total, menos da metade dos 10,97% registrados antes da pandemia. No primeiro trimestre deste ano, no entanto, sem o auxílio, o percentual de pobres saltou para 12,8%, nível pior do que antes da pandemia. A conta considera como linha de pobreza uma renda abaixo de R$ 246 mensais per capita. Com a volta do auxílio, mas de menor valor, a perspectiva é que o percentual recue apenas ligeiramente, para 10%.

O FGV Social e a consultoria Tendências também constatam o aumento das classes E e D, e o encolhimento da classe média. Há reflexos ainda no endividamento. Levantamento da Serasa Experien calculou que o número de brasileiros inadimplentes fechou o ano passado em 61,4 milhões, bem abaixo do pico de 65,9 milhões de abril, no início da pandemia. Em janeiro e fevereiro deste ano, esse número já tinha crescido para 61,6 milhões. O aumento da fome é outra faceta do mesmo problema. Quase metade da população brasileira enfrenta a insegurança alimentar, relata o The New York Times (24/4).

Uma das saídas passa pelo aumento do valor e do prazo de distribuição do auxílio emergencial que, em 2020, foi vital para que a economia encolhesse menos do que se esperava, garantiu empregos e arrecadação. Os jovens e as crianças precisam de um apoio especial para conseguir acompanhar as aulas à distância e minimizar prejuízos na formação e competitividade no mercado de trabalho.

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