quinta-feira, 29 de abril de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões/Editoriais

EDITORIAIS

Nova mudança na equipe de Guedes desperta ceticismo

 O Globo

No início do governo, Paulo Guedes assumiu como uma espécie de superministro, concentrando sob seu comando o que antes eram quatro ministérios. Sua meta era um programa econômico de matriz liberal, que reduzisse o peso do Estado sobre a economia, com destaque para as reformas da Previdência, tributária e administrativa, além do programa estratégico de privatizações.

Desde o início, Guedes se fez notar por declarações de impacto e promessas tão ambiciosas quanto irrealizáveis. Aos poucos, seu ministério foi sofrendo as consequências previsíveis da pressão política e da resistência às reformas predominante há décadas em Brasília. O plano anunciado mal saiu da prancheta. Apenas a reforma previdenciária, já encaminhada na gestão Temer, foi aprovada, com a desidratação previsível para atender a bases eleitorais do presidente Jair Bolsonaro — em particular, militares e policiais.

A tributária foi levada ao Congresso numa versão mais fraca que duas PECs que já tramitavam no Senado e na Câmara. A administrativa ainda continua no campo das boas intenções. O programa de privatizações, apesar do sucesso em leilões recentes, ainda anda a passos trôpegos. Os recursos emergenciais exigidos pela pandemia contribuíram para deixar em segundo plano qualquer projeto cujo objetivo fosse a austeridade e a saúde fiscal.

Como resultado, secretários estratégicos do ministério começaram a sair, a começar pelo do Tesouro, Mansueto Almeida, egresso ainda do governo Temer. No ano passado, deixaram o governo os encarregados das privatizações (Salim Mattar) e do programa de desburocratização (Paulo Uebel). A crise em torno da negociação do Orçamento resultou em mais mudanças esta semana. Os destaques foram a demissão do secretário Waldery Rodrigues — sempre firme na defesa de um Orçamento exequível, pagou um preço — e a saída da secretária Vanessa Canado, uma das maiores tributaristas do país, assessora especial para a reforma. Dos oito secretários da equipe original de Guedes, apenas um permanece.

Caíram também os presidentes de BNDES, Petrobras e Banco do Brasil, substituídos por nomes mais dóceis ao Planalto. É verdade que a nova equipe de Guedes ainda mantém um perfil técnico de competência reconhecida. Dentro do governo, porém, vêm de todos os lados pressões para desmembramento do ministério e recriação de pastas que, no passado, sempre foram usadas para atender a interesses políticos particulares, sem muito apreço pelo custo coletivo.

A nova configuração de sua equipe dá a Guedes uma última chance de entregar ao Brasil o que sempre prometeu. A realidade tem infelizmente dado a cada dia mais motivos para ceticismo. É até possível relevar o lado pitoresco de Guedes, aquele que diz que a China criou o coronavírus e vendeu ao Brasil uma vacina pior que as americanas, para depois sair desdizendo o que disse na tentativa de consertar o estrago. Palavras, afinal, são apenas palavras.

Atos são mais relevantes. Numa situação fiscal crítica, com pressão cambial e inflacionária, demanda social crescente e crise aguda como resultado da pandemia, mais do que nunca o momento é de ação concreta, sobretudo de capacidade política para pôr em marcha um programa ambicioso de reformas, de que o Brasil precisa para resgatar a confiança. Nesse ponto, é inegável que Guedes continua devendo

Estado precisa manter leilão da Cedae marcado para amanhã

O Globo

A decisão do presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, que na terça-feira derrubou liminar da Justiça do Trabalho impedindo o leilão da Cedae, marcado para amanhã, pode não ter sido o último round na batalha que se arrasta há mais de três anos. A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), que trabalha incansavelmente para boicotar a concessão, pretende votar hoje projeto de autoria do presidente da Casa, André Ceciliano (PT), que suspende o certame até que seja assinada a renovação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) com a União.

Até agora, todas as tentativas de sustar o leilão, seja pela Alerj, ou pelas poderosas corporações encasteladas na Cedae, acabaram frustradas. Desde setembro de 2017, quando o Rio, mergulhado num caos econômico e social, assinou com a União a adesão ao RRF, não há margem para discussão fora das regras do jogo. Na época, a Cedae foi dada como garantia de um empréstimo de RS 2,9 bilhões, usado para pagar salários de servidores sem receber havia meses. Sempre se soube que, se não houver leilão, a Cedae passará ao controle da União. É o que foi pactuado.

Mas coerência não é ativo abundante no claudicante universo político fluminense, em que quatro governadores ou ex já foram encarcerados, um quinto foi afastado sob suspeita de corrupção, e a Alerj, volta e meia, recebe a visita da Polícia Federal. O RRF, que permitiu ao Rio parar de pagar a dívida com a União, deu um alívio nas contas públicas. Porém os compromissos assumidos não têm sido honrados pelo estado.

Na batalha mais recente, sindicatos de trabalhadores da Cedae conseguiram, no TRT, suspender o leilão, alegando que levaria à demissão de 80% dos quadros da Cedae. Fux derrubou a liminar e restabeleceu a segurança jurídica. A última esperança dos deputados é barrar o certame com a votação relâmpago na Alerj. Nada indica que essa nova tentativa vá prosperar.

Pelo menos, o governador Cláudio Castro, que no ano passado afirmara não saber se a concessão seria bom negócio para o Rio, mudou de ideia e não tem medido esforços para manter o leilão nos termos do edital proposto pelo BNDES. Aliado de Bolsonaro, Castro sabe que a privatização, além de agradar ao governo federal, abre caminho para a renovação do RFF num modelo mais favorável ao Rio. Ao mesmo tempo, se indispõe com a Alerj, principal trincheira contra a venda da Cedae.

O lamentável é que a nova iniciativa da Alerj, em nome de interesses pouco republicanos, cria insegurança jurídica. O leilão da Cedae precisa ser levado adiante. Não só por exigência do RRF. Mas principalmente porque a população necessita de serviço decente, compatível com o segundo estado mais rico da Federação. Para onde quer que se olhe, os indicadores são vergonhosos.

A concessão da Cedae é oportunidade para universalizar o fornecimento de água e melhorar a coleta e o tratamento de esgoto no estado. Certamente será um marco no saneamento do Rio. Não se pode admitir que a população viva o dilema ridículo entre não ter água na torneira, ou tê-la com o cheiro e sabor peculiares da geosmina.

Renda sem omissão

- Folha de S. Paulo

STF aponta imperativo de programa social, mas debate deve se dar no Congresso

Pouca gente se lembrava, até o Supremo Tribunal Federal deliberar sobre o tema, de que o Brasil tem instituído na legislação um programa que garante a todos os seus residentes, independentemente da condição socioeconômica, uma mesma renda básica.

A lei 10.835, de janeiro de 2004, é exemplo dos mais eloquentes de como boas intenções e medidas ambiciosas, até bombásticas, podem chegar ao papel sem produzir nenhum efeito prático.

Aprovado sem maior controvérsia pelo Congresso nos primórdios do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o texto servia como uma espécie de prêmio de consolação para a militância de esquerda e, em particular, para o então senador Eduardo Suplicy (SP), o mais notório defensor da proposta no país.

Na época, a administração petista estava mais preocupada com reformas e ajustes orçamentários, enquanto lançava um programa social bem mais realista —o Bolsa Família, com foco apenas nos estratos mais carentes da população.

A ideia de que o bem-sucedido Bolsa Família pudesse ser gradualmente ampliado até se converter em uma renda universal de cidadania caiu no esquecimento.

Nunca houve entendimento técnico e político para levar adiante uma empreitada cujos custos, a depender do formato adotado, podem atingir algo entre 5% e 10% do Produto Interno Bruto (a conta do Bolsa Família ronda 0,5% do PIB).

Passados 17 anos desde a sanção da lei, eis que o STF concluiu, na segunda (26), que o Executivo se omitiu na regulamentação do benefício —no que tem toda a razão.

A corte determinou que o programa seja implantado gradualmente a partir de 2022. Prevaleceu, porém, a tese de que seu alcance não deve ser universal, mas limitado a famílias com renda per capita até R$ 178 mensais. Nesse ponto, apesar da louvável preocupação orçamentária, os magistrados se aventuraram a legislar sobre o tema.

O debate, que é dos mais pertinentes, deve se dar no Congresso Nacional. Lá já tramitam propostas para o aperfeiçoamento e eventual ampliação das ações de seguridade. O projeto da Lei de Responsabilidade Social, por exemplo, constitui um bom ponto de partida.

Sob Jair Bolsonaro, o Executivo não tem sido capaz de apresentar nada relevante nessa matéria —o auxílio emergencial na pandemia foi movimento parlamentar.

Para que novas iniciativas não venham a cair no vazio, sua formulação precisa estar associada à discussão do Orçamento. Do contrário, serão inócuas ou, pior, gerarão crises que agravarão a pobreza.

Censo no tribunal

Folha de S. Paulo

Governo e Congresso devem reparar com urgência enorme erro de parar levantamento

A etimologia da palavra “estatística” se confunde com a noção de estado, status: ciência que busca retratar com números a presente situação. A partir do século 19, consagrou-se a ideia de que todo país é ingovernável sem ela —uma noção que o governo Jair Bolsonaro não parece compreender.

O Censo demográfico se realiza a cada dez anos, ou deveria realizar-se. Em 2020 adiou-se a pesquisa, e com razão, em meio ao fragor da pandemia. Seria feito neste ano, mas Congresso e Presidência se uniram para ceifar de R$ 2 bilhões para R$ 50 milhões a verba do levantamento, inviabilizando-o.

Os prejuízos são, literalmente, imensuráveis. A maior parte das políticas públicas perde foco quando não se conhecem características das populações-alvo. Por exemplo, transferências da União para estados e municípios se fazem com base em projeções que, sem o Censo, se afastam da realidade.

Estudos amostrais como a Pnad dependem de parâmetros fornecidos pelo Censo. Até pesquisas de opinião e de mercado, vitais para o setor privado, necessitam do recenseamento para não cair nos desvãos de tendências indetectadas.

O talho no orçamento do IBGE ameaça até a realização do levantamento em 2022. O recurso restante é insuficiente para os trabalhos de preparação e treinamento imprescindíveis para que recenseadores visitem com segurança 72 milhões de domicílios.

Entende-se que o desastroso enfrentamento da Covid-19 pelo governo federal e a fragilidade fiscal do Estado brasileiro impõem obstáculos consideráveis para o censo. O atraso, portanto, precisa ser minimizado desde já.

Em condições normais de temperatura e pressão, o governo deveria estar fazendo todo o possível para reunir recursos capazes de garantir o recenseamento dentro do menor prazo possível. Entre a ignorância do Planalto e a inoperância da área econômica, entretanto, nenhuma providência se nota.

Chega-se ao cúmulo, agora, de ver o tema chegar aos tribunais —mais especificamente ao Supremo Tribunal Federal, cujo plenário examinará liminar concedida nesta quarta-feira (28) pelo ministro Marco Aurélio Mello determinando a realização do Censo 2021.

Infelizmente não basta uma canetada do Judiciário para viabilizar a pesquisa em tempo hábil. Além de conseguir dinheiro, há uma série de medidas a serem tomadas, a começar por um concurso para recenseadores. De todo modo, é bom que Executivo e Legislativo estejam obrigados a reparar o enorme erro que cometeram juntos.

Economia da obediência

- O Estado de S. Paulo

O fracasso do Ministério da Economia, sem rumo, sem projetos e sem peso político, foi comprovado, mais uma vez, pela rendição do ministro Paulo Guedes a pressões do Congresso, de outras áreas do Executivo e também do presidente da República. Ao substituir alguns de seus principais auxiliares, como o secretário especial da Fazenda, o ministro cuidou apenas de uma reles acomodação política. Ele nem tentou disfarçar. “O que está acontecendo”, explicou, “é remanejamento da equipe justamente para facilitar negociações com o Congresso.” Negociações para quê? Para garantir a execução de uma ambiciosa política econômica? Até poderia ser, mas nada parecido com essa política foi apresentado em quase dois anos e meio de escassa atividade governamental.

A nova rendição é mais um desdobramento da enorme confusão sobre o Orçamento de 2021. Aprovado só em março, o projeto orçamentário, muito ruim desde a origem, ainda foi destroçado no Congresso para atender aos interesses paroquiais de parlamentares. Emendas foram infladas, gastos obrigatórios foram subestimados e a sanção presidencial foi decidida, enfim, no meio das negociações entre Poderes e de graves divergências dentro do Executivo.

Já desgastado em outros episódios, o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, atraiu novas críticas. Com isso, ficou mais exposto à destituição, enfim anunciada, juntamente com outras mudanças, na terça-feira. Considerado um fiscalista rigoroso, ele chegou a propor, no ano passado, o congelamento de aposentadorias ligadas ao salário mínimo. O presidente reagiu, ameaçou demissões e o ministro aceitou a pressão, embora houvesse admitido, inicialmente, a proposta impopular formulada pelo secretário.

A desarticulação da área econômica, no entanto, é muito mais importante que o conteúdo das polêmicas. O Ministério da Economia negociou mal, e de forma confusa, a forma final do Orçamento. O ministro falhou na escalação do pessoal autorizado a se manifestar e na definição dos temas e objetivos da negociação. Os parlamentares conseguiram, afinal, manter boa parte das emendas infladas. Ficou para o Executivo a missão de completar os ajustes. Cortaram-se verbas destinadas ao censo demográfico, já atrasado, ao programa habitacional e a outras ações de importância econômica e social, em áreas como educação, serviços de saúde e pesquisa médica.

Houve pouca discussão sobre os efeitos desse ajuste, mas o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo apontou possíveis consequências. Os cortes, segundo o sindicato, poderão impedir ou dificultar a produção de cerca de 215 mil unidades habitacionais em todo o País, com perda de “mais de 400 mil empregos diretos e indiretos”.

Especialistas podem debater os detalhes, mas o investimento em habitação é conhecido como importante fonte de empregos e de estímulos a vários setores da indústria – nos segmentos de aço, plásticos, cimento, vidros, guindastes, tratores, tintas e móveis, entre outros. Pode-se perguntar se o governo leva em conta informações como essas ao tomar decisões sobre política orçamentária. A resposta é provavelmente negativa, a julgar pela escassa atenção destinada, habitualmente, às condições de funcionamento da economia, isto é, ao dia a dia da produção e dos negócios.

Essa pouca atenção foi demonstrada na decisão de reduzir o auxílio emergencial a partir de setembro e extingui-lo na virada do ano. O aumento da miséria foi uma das consequências. Depois, aparentemente surpreendido, o governo teve de negociar com o Congresso ações para restabelecer a ajuda. Não houve sequer, em 2020, o planejamento necessário para o enfrentamento continuado da crise. Sem plano e sem prioridades para a economia real, o governo se aproxima de um período eleitoral muito perigoso para as finanças públicas, com o Tesouro sujeito às pressões do presidente e de seus aliados dentro e fora do Congresso. Se nada surpreendente ocorrer, a função do Ministério da Economia será tentar a conciliação dessas pressões.

A recessão global da democracia

0 Estado de S. Paulo

O “ano dos protestos” de 2019 foi substituído pelo “ano do lockdown” de 2020. A pandemia favoreceu as arbitrariedades autocráticas, acentuando o declínio da democracia global da última década. O mundo ainda é mais democrático do que era nos anos 70 e 80, mas o nível de democracia desfrutado pelo cidadão global médio retrocedeu aos padrões de 1990. Essas são as principais conclusões do Democracy Report do instituto Varieties of Democracy (V-Dem), sugestivamente intitulado A autocracia viraliza.

O relatório mensura anualmente cinco grandes princípios democráticos: o eleitoral, o liberal, o participativo, o deliberativo e o igualitário. Com base nisso, identifica avanços, retrocessos e transições de quatro tipos de regime: a democracia liberal; a democracia eleitoral (que apresenta deficiências em alguns componentes da democracia, como as liberdades civis e o Estado de Direito); a autocracia eleitoral (que preserva algumas instituições democráticas de jure, mas é uma autocracia de facto); e a autocracia fechada.

A autocracia eleitoral é o regime mais comum do mundo. Junto com as autocracias fechadas, são 87 países que abrigam 68% da população mundial. As democracias liberais, segundo a metodologia do estudo, diminuíram na última década de 41 países para 32 – apenas 14% da população.

Há raios de esperança. Entre os 10 países que mais avançaram, quatro tornaram-se democracias nos últimos 10 anos. Mas os países em processo de democratização são pequenos e na última década caíram pela metade: hoje são 16, abrigando apenas 4% da população global.

Por sua vez, a “terceira onda” da autocratização (após a primeira, no entreguerras, e a segunda, no pico da guerra fria) se acelera, engolfando hoje 25 países – 34% da população mundial (2,6 bilhões de pessoas). Muitas nações do G-20, como os EUA, integram essa corrente, e Brasil, Índia e Turquia estão entre as 10 que mais declinaram.

Pelos critérios do V-Dem, o mundo perdeu em 2020 a sua maior democracia: a Índia, com 1,37 bilhão de cidadãos, passou a ser classificada como uma autocracia eleitoral. O processo liderado pelas hostes nacionalistas hindus seguiu um padrão de autocratização para o qual o instituto alerta. “As liberdades da mídia e da academia e a sociedade civil são tipicamente reprimidas. Paralelamente, os governos no poder frequentemente estimulam a polarização através de campanhas oficiais de desinformação disseminadas via mídias sociais e do crescente desrespeito aos contra-argumentos de oponentes políticos. Só então as instituições formais, como a qualidade das eleições, são minadas em um passo posterior rumo à autocracia.” 

Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência. Entre os “Top-10” países autocratizantes da última década, o Brasil está em 4.º, atrás apenas de Polônia, Hungria e Turquia. No segundo ano de mandato de Jair Bolsonaro, o País regrediu em todos os cinco princípios mensurados pelo V-Dem. No “componente deliberativo”, o Brasil ocupa a 136.ª posição e no “igualitário”, a 140.ª.

Tal como no Brasil, as ameaças à liberdade de expressão e de imprensa recrudescem no mundo. Elas respondem por 8 entre 10 indicadores em declínio no maior número de países na última década. Em 2020, elas declinaram substancialmente em 32 países, em contraposição a 19 países há três anos. Desde 2010, a repressão à sociedade civil também cresceu expressivamente em 50 países. As mobilizações de massa, após atingirem um pico histórico em 2019, declinaram em 2020 para o seu nível mais baixo em uma década.

Apesar de tudo, muitos ativistas encontraram maneiras alternativas de promover a causa democrática. O V-Dem estima que o impacto direto da pandemia sobre a democracia foi limitado, “mas o custo final pode ser muito maior a menos que as restrições sejam eliminadas imediatamente após o término da pandemia”. Se as forças liberais não redobrarem a vigilância, a pandemia pode acrescentar à degradação cíclica e crônica da democracia global deformações agudas e duradouras que tomarão décadas para serem sanadas – se forem.

 O padrão da infâmia

-O Estado de S. Paulo

O senador Flávio Bolsonaro saiu ao pai. Tal como costuma fazer o presidente Jair Bolsonaro, o parlamentar ofendeu a inteligência alheia ao discursar na abertura da CPI da Pandemia. Na ocasião, o senador, com vergonhosa caradura – outro traço paterno –, queixou-se do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por ter autorizado a instalação da CPI. Disse que o senador Pacheco estava sendo “irresponsável” porque estava “assumindo a possibilidade de, durante os trabalhos desta CPI, acontecerem mortes de senadores, mortes de assessores, mortes de funcionários desta Casa, em função da covid”, já que “as sessões vão ter que ser presenciais, no momento em que nem todos estão vacinados”. E arrematou: “Por que não esperar todo mundo se vacinar e fazer com responsabilidade esses trabalhos? Por que essa insistência agora, atropelando protocolos, ignorando a questão sanitária? Alguém, em algum momento, vai ser responsabilizado se algo acontecer. Vamos orar para que não aconteça”.

É um acinte. Desde o início da pandemia, os Bolsonaros, com o presidente Jair na vanguarda, fazem campanha sistemática contra os “protocolos” mencionados pelo senador Flávio. O presidente estimula aglomerações, desdenha da vacinação e jamais demonstra preocupação com os doentes nem respeito pelos mortos. Por fim, é Bolsonaro, e não o presidente do Senado, quem defende o fim das medidas de restrição adotadas pelos governadores e prefeitos no momento em que nem mesmo o chamado “grupo de risco” da população está vacinado.

“Alguém, em algum momento, vai ser responsabilizado se algo acontecer”, disse Flávio Bolsonaro, referindo-se a eventuais mortes no Senado em razão do trabalho presencial. Mas “algo” já aconteceu: são quase 400 mil mortes desde o início da pandemia, muitas delas perfeitamente evitáveis, e é justamente para encontrar os responsáveis por esse crime monstruoso que a CPI foi instalada.

O comportamento do senador Flávio Bolsonaro não surpreende. É o padrão da infâmia no governo Bolsonaro – a tal ponto que, numa inconfidência gravada, o ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, de 64 anos, revelou ter tomado a vacina “escondido”, porque “a orientação era para não criar caso”.

Não se sabe bem a que “orientação” o ministro se referiu, mas, ao dizer que teve que tomar a vacina “escondido”, deixou claro que alguns ministros do governo Bolsonaro não ficam à vontade para se imunizar, pois esse gesto contrariaria a campanha do presidente contra a ciência e contra a vacinação.

“Mas tomei mesmo, não tenho vergonha, não”, continuou o ministro Ramos, que estava numa reunião do Conselho de Saúde Suplementar. “Eu, como qualquer ser humano, quero viver. E se a ciência, a medicina, fala que é a vacina (...), quem sou eu para me contrapor?” E ainda acrescentou que está tentando convencer Bolsonaro a se vacinar, pois o presidente estaria correndo risco de vida. Ou seja, um ministro de Bolsonaro candidamente confirma que, no governo, quem decide alinhar-se à ciência e preservar a vida deve fazê-lo discretamente, para não embaraçar o negacionista militante ocupante da silha presidencial.

Na mesma reunião estava o ministro da Economia, Paulo Guedes, que também teve sua oportunidade para confirmar o assustador padrão do governo. “O Estado quebrou”, disse o ministro Guedes, acrescentando que “todo mundo vai procurar o serviço público” de saúde, pois “todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130”, e “não há capacidade instalada no setor público para isso”. Ou seja, para o ministro que se diz liberal o problema da saúde pública é que os brasileiros desejam viver mais.

A solução para esse problema, segundo o ministro Guedes, seria instituir um “voucher” para que o paciente procure tratamento no sistema privado de saúde. “Você é pobre? Você está doente? Está aqui seu voucher. Vai no Einstein se você quiser”, explicou o ministro, numa escancarada defesa do desmonte do Sistema Único de Saúde – estrutura sem a qual o desastre da pandemia seria muitas vezes maior.

Como se vê, nesse campeonato de desfaçatez, há quem esteja suando a camisa para ser ainda mais imoral que os Bolsonaros. É difícil, mas eles seguem tentando.

O aquecimento global pode custar caro aos bancos

Valor Econômico

O BC tem mais propostas para ampliar o combate para deter o aquecimento

Os bancos terão de ficar cada vez mais atentos ao que se passa com o clima e, de todos os motivos possíveis para isso, há um muito convincente: podem perder bastante dinheiro com o aquecimento global. Ele cria desafios para todos os negócios, muda a percepção de risco de todos os agentes e torna complexa a precificação de algo que até hoje foi pouco, ou mal, avaliado. Em um cenário climático deteriorado, a própria estabilidade financeira está em jogo.

Não é apenas a regulação bancária que está se adaptando aos novos e mais difíceis tempos. O Banco Central colocou recentemente em consulta pública normas para que os bancos incorporem fatores sociais, ambientais e climáticos em suas políticas de gerenciamento de riscos. Já concluiu outra consulta pública sobre critérios socioambientais para o crédito rural. Ambas jogam no mesmo sentido, de desestimular o financiamento de negócios que contribuam para aumentar as emissões de gases estufa, destruam florestas, poluam rios e degradem o ambiente.

As mudanças de curto prazo no clima “não tiveram impactos relevantes sobre depósitos ou crédito no Brasil”, concluiu o Banco Central em seu Relatório de Estabilidade Financeira do primeiro trimestre, com base em estudo inédito (de Juliano Assunção, da PUC-Rio, Flávia Chein, Universidade Federal de Juiz de Fora, Giovanni Frisari, do BID e Sérgio Koyama, do BC), que avaliou os efeitos em nível municipal, no período entre 2004 e 2017, de fenômenos climáticos adversos. Isto ocorre porque os bancos se adaptaram à evolução de secas e inundações, que estão mudando significativamente, da mesma forma com que se adaptam a uma situação econômica arriscada - reduzindo o crédito para controlar a inadimplência. A menor liquidez diminui as atividades e, com elas, os volumes de depósitos.

A estratégia visa fugir de perdas potenciais que não são pequenas. O estudo estima o que ocorreria nesse período se os bancos não se adaptassem - algo possível no caso de secas, nem tanto no caso de inundações. A inadimplência diante das estiagens subiria a 8%, com uma queda de 61,9% nas carteiras ativas das instituições, acompanhadas por retração de 34,5% nos depósitos a vista e 78,5% nos a prazo. Ao agir com enorme precaução (adaptação), o resultado foi de aumento de 13,1% na carteira ativa e uma queda de 2,4% na inadimplência. Os cortes de crédito preventivos foram menos intensos nos bancos estatais do que nos privados. Com isso, as instituições oficiais sofrem impacto maior pela inadimplência decorrente das secas.

Mas o que ocorreria se as mudanças climáticas seguissem o curso previsto pelo IPCC? Foram criados modelos para estimar o impacto de longo prazo de chuvas e das temperaturas sobre os resultados financeiros com os cenários propostos pela instituição da ONU. O saldo da carteira ativa dos bancos despencaria no mínimo 22%, na média, 31% e no máximo, 48%. O crédito poderia se reduzir em cerca de 20%. A taxa de inadimplência aumentaria 12%, e no máximo 18%.

Apenas como base de comparação (não feita no estudo), esse cenário é muito mais danoso para as instituições financeiras que, por exemplo, os cenários de estresse a que o Banco Central as submeteu, que considerava duas situações. A volta inesperada de uma recessão em 2021, com a mesma (forte) intensidade da de 2015, e deterioração fiscal da magnitude de 2015-2016, com idêntica retração econômica. Os ativos problemáticos, nessa situação, somariam 10,1% da carteira total de crédito, superando o pico de 8,1% de março de 2017.

Diante do aquecimento global, é importante não só agir para evitar os piores cenários, mas também medir os riscos em alta. A falha em precificá-los pode afetar “substancialmente” as instituições financeiras, logo a economia como um todo, adverte o Banco Central. “Elas podem ter perdas, por exemplo, se financiarem indústrias que deixam de ser competitivas numa economia de baixo carbono, ou se tiverem como garantia um imóvel em área sujeita a intempéries relacionadas à mudança climática”, disse Kathleen Krause, do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial do BC (Valor, 26 de abril).

O BC, acertadamente, tem mais propostas para fortalecer as defesas contra riscos ao mesmo tempo que ampliar o combate para deter o aquecimento. Está prevista uma terceira consulta pública que incorpora recomendações internacionais para que os bancos ampliem o detalhamento da sustentabilidade dos projetos que financiam.

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