sábado, 10 de abril de 2021

Oscar Vilhena Vieira* - Cavalo de Troia

- Folha de S. Paulo

Seria este o melhor momento para discutir a Lei de Segurança Nacional?

Como deliberar sobre a melhor forma de defender a democracia com aqueles que lhe são hostis? Esse é o dilema que se colocou a partir do momento em que o Presidente da Câmara dos Deputados decidiu pautar, em regime de urgência, um projeto de lei voltado a tipificar crimes contra o Estado democrático de Direito.

Não há dúvida de que o Brasil precisa, há muito, de uma boa lei de proteção às suas instituições democráticas, em substituição à velha Lei de Segurança Nacional (LSN), editada no final da ditadura.

Também não há dúvida de que o parlamento seja o locus legítimo para essa deliberação. A questão, no entanto, é se nos encontramos no melhor momento para levar a cabo uma tarefa tão delicada como essa, que exigiria um amplo e consistente consenso em torno dos valores democráticos e muita moderação, inexistentes nesta quadra.

Temo que a iniciativa possa não apenas criar uma cortina de fumaça sobre o agravamento da pandemia, que já vitimou mais de 340 mil pessoas sob o profundo desprezo moral do presidente da República, mas também funcionar como um verdadeiro cavalo de Troia, fragilizando ainda mais nossas defesas democráticas.

A qualidade de alguns dos projetos, bem como a respeitabilidade de seus relatores, não são garantia de um bom resultado. Num ambiente de alta polarização, assim como uma forte presença de interesses antidemocráticos entrincheirados nas diversas esferas do Estado brasileiro, seria ingênuo esperar que uma nova lei de proteção às instituições democráticas não viria impregnada de amargas surpresas e mesmo retrocessos.

Tanto o substitutivo proposto pela deputada Margareth Coelho (PP), inspirado no projeto elaborado pela comissão presidida pelo ex-ministro Vicente Cernicchiaro, do STJ, e encaminhada ao Congresso pelo então ministro Miguel Reale Jr., em 2002, como o projeto apresentado recentemente pelo deputado Paulo Teixeira (PT), correm, nesse contexto, sérios riscos de servirem de barriga de aluguel para inomináveis jabutis.

Entre as principais ameaças estaria uma lei estruturada a partir “tipos penais abertos” e indefinidos; calcada na proteção da “honorabilidade de autoridades”, em detrimento da “integridade das instituições”; na não exigência de “violência ou grave ameaça” (concreta) de desestabilização institucional para a caracterização dos crimes; além do risco de uma indevida restrição à liberdade de expressão, manifestação e organização. Uma lei de defesa das instituições democráticas deve ser minimalista e cirurgicamente precisa, caso contrário, se tornará, ela própria, mais uma ameaça à democracia.

Se há um genuíno interesse em renovar o arcabouço jurídico de proteção à democracia brasileira, melhor seria aguardar as balizas que serão oferecidas pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a LSN, nas próximas semanas. Isso certamente enriquecerá o debate parlamentar. Mais do que isso, com a LSN devidamente ajustada à Constituição, haverá mais tempo e tranquilidade para que o Congresso possa deliberar sobre a melhor forma jurídica de se proteger a democracia.

Espero estar errado em meu ceticismo. A prudência indica, no entanto, que uma legislação com esse grau de complexidade política e jurídica não deva ser elaborada de forma açodada, sem uma ampla participação da sociedade civil e acadêmica e, sobretudo, sem um forte compromisso político com o objetivo de proteger as instituições democráticas.

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Mario Sérgio Duarte Garcia, ícone de nossa advocacia e defensor intransigente da democracia, fará muita falta.

*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

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