- Folha de S. Paulo
Bolsonaristas aplaudiram ex-ministro na CPI
porque querem general preso
Em seu depoimento
à CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello provou que é mais
leal a Bolsonaro do que ao Brasil. Já seria triste ver um general se
prestando a isso se Bolsonaro fosse só mais um político porcaria. Na verdade,
Jair é uma das maiores ameaças que o Brasil já enfrentou. Não é fácil
encontrar, na história recente, uma força beligerante que tenha matado mais
soldados inimigos do que Bolsonaro matou brasileiros durante a pandemia.
Na CPI, Pazuello mentiu sobre tudo: mentiu que não atrasou a compra de vacinas, mentiu que um hacker invadiu o site do Ministério da Saúde para instalar o programa TrateCov, mentiu que não promoveu o uso da cloroquina depois que estudos científicos provaram sua ineficácia contra a Covid-19, mentiu sobre os crimes do governo durante a crise do oxigênio em Manaus. Omitiu o fato de que, enquanto o governo fazia isso tudo, generais responsáveis seguiam as orientações da OMS no Exército, garantindo com isso uma baixíssima mortalidade entre os militares brasileiros.
Mas o maior escândalo do depoimento de
Pazuello foi a declaração de que Bolsonaro não lhe deu ordem de não
comprar a Coronavac, a vacina do Butantan, da China e de Doria, responsável
por 80% da vacinação brasileira até agora. O vídeo em que Bolsonaro dá a ordem
foi divulgado pelos próprios bolsonaristas; o vídeo em que Pazuello diz que
desistiu de comprar a vacina por ordem de Bolsonaro (“Um manda, o outro
obedece”) foi divulgado pelos próprios bolsonaristas.
Segundo o ex-ministro, as declarações de
Bolsonaro contra a Coronavac foram “coisa de internet”, um teatro político
motivado pela rivalidade entre Bolsonaro e João Doria. Pazuello argumenta que
as coisas de internet de Bolsonaro não influenciaram políticas públicas.
É mentira.
A questão é simples: Pazuello ou os outros
ministros de Bolsonaro podiam desobedecer às coisas de internet que Bolsonaro
dizia?
É evidente que não.
Mandetta tentou
ser um ministro da Saúde técnico enquanto Bolsonaro falava suas coisas
de internet: caiu. Teich tentou
ser um ministro da Saúde técnico enquanto Bolsonaro falava suas coisas
de internet: caiu. Dez dias atrás, a infectologista Luana Araújo, pós-graduada
na Universidade Johns Hopkins, assumiu o cargo de secretária de Enfrentamento à
Covid-19 pensando em fazer uma gestão técnica enquanto Bolsonaro falava suas
coisas de internet: pediu demissão depois de uma semana.
Pazuello só foi ministro porque aceitou
transformar as coisas de internet de Bolsonaro em políticas públicas.
Teve crises de consciência, que o fizeram,
inclusive, tentar comprar a Coronavac. Mas, no fim das contas, um mandou, o
outro obedeceu.
Os bolsonaristas aplaudiram o desempenho de
Pazuello na CPI porque querem o general preso.
Para eles, isso teria duas vantagens: a
prisão de um general poderia, em tese, animar o golpismo dentro das Forças
Armadas. Além disso, se tudo der errado, Pazuello é peixe grande o suficiente
para servir de bode expiatório dos crimes cometidos pelo resto dos
bolsonaristas, peixe grande o suficiente para ir para a cadeia no lugar deles.
Enfim, quando forem escrever a história de
como, no Brasil, as relações pessoais prevalecem sobre a lei, lembrem-se de
Eduardo Pazuello, que preferiu ser soldado de Bolsonaro a general do Brasil.
Relatos de fatos, de fato. Assim, fica fácil de entender essa dura e cruel realidade brasileira. Gostei muito da maneira didática, sem panfletismos, equilibrada e coerente.
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