quarta-feira, 5 de maio de 2021

Cristiano Romero - Celso Pinto

- Valor Econômico

Jornalista foi crítico implacável do populismo cambal

Quando os grupos Globo e Folha anunciaram em 1999 parceria para criar um jornal de economia, o Brasil começava a sair do pesadelo que atormentava a todos desde o início daquele ano. Entre nós, jornalistas, havia apenas uma certeza quanto ao matutino, batizado mais tarde de "Valor Econômico" e lançado em 2 de maio do ano 2000: o projeto editorial seria concebido e comandado por Celso Pinto..

O Valor começou a circular num desses momentos de otimismo da economia. Mas, não foi sempre assim. Primeiro plano a realmente suceder no combate à inflação crônica que nos assolava desde o fim da década de 1970, o Real viveu sua primeira grande crise no começo de 1999, após acentuada e desorganizada desvalorização da moeda nacional, lançada havia apenas cinco anos, em relação ao dólar.

Fracassos seguidos dos planos de estabilização de preços forjaram nos brasileiros a sensação de que jamais teríamos inflação baixa. Cidadãos com menos de 40 anos não sabem o que é viver num país onde a inflação de apenas um mês chegou a 82,39% (IPCA em março de 1990) e, num ano, a 2.477,15% (1993). Depois dos reveses dos planos Cruzado I e II (1986), Bresser (1987), Verão (1989) e Collor I e II (1990 e 1991), o Real, lançado em 1º de julho de 1994, quando começou a circular a nova moeda, tornou-se um sopro de esperança.]

Evidentemente, nada acontece por acaso. Como já foi revelado neste espaço, o plano Real se beneficiou em boa medida de iniciativas que a última equipe econômica do governo Collor, sob a liderança do então ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, vinha tomando como parte da formulação de um novo plano de estabilização.

Um dos legados deixados à turma que formulou o Real foi a acumulação de um montante razoável de reservas cambiais, necessárias para proteger o valor da futura moeda de flutuações excessivas, que prejudicassem o controle da inflação. De outra forma, pode-se dizer que as reservas se constituíam instrumento crucial para conter ataques especulativos à moeda, expediente muito em voga, na ocasião, devido à liberalização da conta de capitais, processo ao qual o Brasil aderiu em 1991.

A liberalização da conta de capitais não tem duas faces, como pode parecer neste raciocínio. Trata-se de algo necessário, ponto. Sem isso, não acumularíamos reservas cambiais, que adiante se mostraram decisivas para o controle da inflação, e só teríamos acesso novamente a investimentos financeiros e produtivos se recorrêssemos a limitadas fontes multilaterais e bilaterais de crédito.

O sucesso do Plano Real se deve ao engenho de três economistas que participaram do Cruzado em 1986 - Persio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha - e de Gustavo Franco, então um jovem professor da PUC-Rio. Não se deve menosprezar, de forma alguma, o papel dos ex-ministros da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero e Ciro Gomes, assim como o de profissionais como Murilo Portugal e Clóvis Carvalho.

Ainda assim, como disse Nelson Rodrigues, "toda unanimidade é burra". Diretor do BC responsável pela política cambial nos primeiros meses de circulação do real, Gustavo Franco constatou que a queda da abrupta da inflação melhorou radicalmente o humor de investidores em relação ao Brasil. Isso se traduziu num forte fluxo de capitais para o país.

Por essa razão, o real chegou a valer, no início de sua existência, "mais" que o dólar. Essa valorização teve dois efeitos: como os empresários fixavam seus preços com base no comportamento do dólar, a apreciação do câmbio "quebrou" a lógica da indexação existente na economia; o dólar barato, por sua vez, estimulou as importações, processo que também concorreu para moderar a alta dos preços internamente.

No entanto, em apenas cinco meses, o país voltou a ter saldos negativos significativos na balança comercial, reacendendo uma velha polêmica - a de que o Brasil, por não produzir poupança, está sempre fadado a sofrer crises cambiais.

Dentro da equipe econômica, o que se viu entre 1995 e 1999 foi intenso debate sobre os riscos de manutenção do real apreciado. A taxa de câmbio, que nos primeiros meses era flutuante, tornou-se quase-fixa em 1995, variando muito pouco nos anos seguintes. Consolidou a queda da inflação a patamares jamais vistos _ 1,37% em 1998 _, mas gerou rombos insustentáveis nas contas externas e públicas (num dado momento, para dar aos investidores a garantia de que o real seguiria valorizado, o governo emitiu centenas de bilhões de reais em papéis atrelados ao câmbio).

Em 1994, como revelou Persio Arida, Celso Pinto foi convidado a trabalhar na equipe econômica, não como assessor de imprensa, mas como uma testemunha de todo o processo de formulação do plano, em seu nascedouro, e durante os primeiros anos da nova experiência de estabilização. O compromisso era que, adiante, Celso escrevesse um livro.

Celso recusou a oferta porque, como relata Persio na apresentação de "Os Desafios do Crescimento: dos Militares a Lula" (Letras & Lucros, Publifolha e Valor Econômico, 2007), livro com colunas escritas pelo jornalista, optou por preservar sua independência e "ser percebido como um jornalista desvinculado de qualquer projeto político, por melhor que fosse".

Foi melhor assim. Do lado de cá da trincheira, Celso se tornou nos primeiros anos do Real um crítico implacável da política cambial que, amparada por juros estratosféricos, foi usada como âncora da estabilização de preços. Em janeiro de 1999, após rodada de crises na Ásia pouco mais de um ano antes e da moratória da Rússia em agosto de 1998, a realidade se impôs e o mercado derrubou as proteções do real, provocando desvalorização que fez os brasileiros acreditarem, mais uma vez, que a inflação não era apenas uma questão macroeconômica a ser enfrentada, mas uma maldição.

Celso era apaixonado por notícias de qualquer área. Para ele, não havia conversa jogada fora, em tempo algum. "Apure isso", "por que você não escreve isso?", indagava a seus repórteres. Apaixonado pelo que fazia, curiosamente, não devotava paixões por escolas de pensamento econômico. Dele não podia se dizer "é liberal" ou "é heterodoxo" ou "é nacional-desenvolvimentista".

O que guiava o jornalismo do Celso era a racionalidade e o respeito à aritmética, à Sua Excelência, o Fato, e à inteligência própria e alheia. Ao criar o "Centro Celso Pinto", o Insper deu grande contribuição ao debate de ideias num país tão carente de discussões sérias e racionais em prol do bem comum. Mais: homenageou o jornalismo econômico feito por aqui e saudou a liberdade de expressão, pilar da democracia.

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