sábado, 8 de maio de 2021

João Gabriel de Lima - Uma razão para ter orgulho do Brasil

- O Estado de S. Paulo

A semente da ‘espiral positiva’ germinou seis anos depois, com o Acordo de Paris

Uma ideia que ajudou a mudar o mundo nasceu, como algumas canções da bossa-nova, em guardanapos de papel. Era o ano de 2009 e almoçavam, em Brasília, a secretária nacional de Mudança Climática, Suzana Kahn Ribeiro, e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. O assunto: o que o Brasil poderia sugerir na COP 15, a Conferência do Clima de Copenhague? Suzana rabiscou um esquema no guardanapo. Nascia a “espiral positiva”. 

A ideia era simples. Suzana e Carlos achavam que o Brasil deveria propor, unilateralmente, a redução de suas emissões de carbono. Mais: fixar metas concretas. Ainda mais: expor-se ao escrutínio internacional, abrindo seus números. Houve resistências dentro do governo, cujo discurso – recorrente entre os caramurus à esquerda e à direita – era cheio de “não podemos abrir mão de nossa soberania” e “eles devastaram suas próprias florestas, não se metam com a nossa”.

A “espiral positiva” era, antes de tudo, um desejo, um “wishful thinking”: inspirados pelo exemplo do Brasil, vários países tomariam atitudes semelhantes, numa competição virtuosa. A ideia venceu as resistências internas – entre elas, a da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ganhou a adesão do Itamaraty, com seu timaço de negociadores com experiência em meio ambiente (a coluna voltará ao assunto em breve).

No plano externo, o sucesso não foi imediato. Os brasileiros ganharam aplausos em Copenhague, mas não adesões. A semente germinaria seis anos depois. O Acordo de Paris, assinado em 2015, era precisamente a ideia do Brasil – países propondo voluntariamente metas de redução de carbono, com métricas críveis. 

O que mudou em seis anos? “Ficaram claros os incentivos para uma economia de baixo carbono. Não se trata apenas de salvar o planeta, mas também de ganhar dinheiro”, diz Suzana Kahn Ribeiro, atualmente professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela discorre sobre o assunto no minipodcast da semana.

As oportunidades são inúmeras. Segundo Suzana, a China, que já foi refratária a metas de emissões, cresceu o olho sobre o mercado de energia renovável. Países nórdicos investem em madeira certificada: do lado certo da força, ganham a concorrência com nações que devastam florestas. Acessam, de quebra, o bilionário mercado de títulos verdes. O lado certo da força, diga-se, acaba de ser demarcado com sabre de luz pelo Obi-Wan da vez – o presidente americano Joe Biden.

Se há uma razão para que os brasileiros se orgulhem de seu país, é a liderança que já exercemos na área mais estratégica do planeta – a que garante a própria sobrevivência da esfera azul que habitamos. Além de inspirar, em alguma medida, o Acordo de Paris, o Brasil foi o berço do moderno combate à mudança climática – na Rio 92, marco positivo do governo Collor.

Perdemos, no entanto, essa primazia – e, com ela, oportunidades de enriquecimento e projeção internacional. “É possível que, depois da pandemia, o mundo se reconstrua como uma economia moderna”, diz Suzana. “Conectar-se com esse futuro é uma chance enorme.” O tema começa a entrar em pauta entre os pré-candidatos de oposição para 2022. Do governo atual, pelo que diz e faz, não se deve esperar nada. 

O Brasil conhece bem o caminho para reconquistar alguma relevância no mundo. Já houve um tempo em que nossas ideias, rabiscadas em guardanapos de papel, faziam o planeta cantar – ou ajudavam a salvá-lo, inspirando boas práticas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário