terça-feira, 25 de maio de 2021

Joel Pinheiro da Fonseca – Onde está Guedes?

- Folha de S. Paulo

Surpreende ver quanto o ministro está disposto a abrir mão para seguir no poder

Estava eu lavando a louça depois do almoço de sábado quando me ocorreu a dúvida: “Por onde andará Paulo Guedes? Onde foi parar?” Eis que o encontrei na Folha de segunda, numa longa entrevista.

Nela, vemos o mesmo Guedes de sempre: ótimo com as palavras, otimista, ambicioso. O Brasil de seu discurso navega de vento em popa, faz reformas, cresce e é a inveja do mundo. Até a Amazônia vai bem.

 “Aí vem o terceiro ano [de governo], e vamos surpreender de novo.” Espera; por acaso alguém ficou surpreso com o desempenho do Brasil nos dois últimos anos? Corrijo-me: alguém ficou positivamente surpreso?

Eu entendo a situação difícil de Guedes. Dificilmente o liberalismo será uma ideologia de massas. É a sina de quem, em vez de prometer utopias, impõe limites —ao gasto, ao poder dos governantes, à vontade da maioria.

Por isso, a melhor aposta de liberais é trabalhar junto de diferentes governos, deixando um legado positivo. Collor, Itamar, FHC e Lula: todos tiveram contribuições decisivas de ministros ou secretários liberais. Abertura comercial, Plano Real, Lei da Responsabilidade Fiscal, Bolsa Família. Dilma, quando a crise apertou, chamou Joaquim Levy para tentar colocar ordem na casa, sem sucesso.

Não tenho dúvidas de que o governo Bolsonaro é um pouco menos ruim graças a Guedes e sua equipe. Foi melhor ter a reforma da Previdência em 2019 —mesmo com os privilégios dos militares— do que não ter nada. Imagine o bolsonarismo sem Guedes.

A imbecilidade, truculência e incompetência seriam as mesmas, mas sem nenhum aceno na direção da responsabilidade fiscal; pelo contrário, gastando até não poder mais para retomar a antiga visão desenvolvimentista da ditadura militar.

Ao mesmo tempo, a equipe da articulação política, Rogério Marinho e outros, livres para azeitar as relações com o Congresso. Admitamos que, mesmo com ele, já está basicamente assim. Mas ele segue tentando.

Ou tentava. Agora não tenta nem mesmo disfarçar: a estratégia do momento é gastar mais e/ou melhor para vencer as eleições. É claro que Bolsonaro não vai querer cortar de um lado para favorecer outro; tirar do pobre para ajudar o paupérrimo.

Aliás, não só do pobre; nem dos ricos e dos grupos privilegiados ele tem coragem de cortar. Toda a inteligência de Guedes e sua equipe servirá para bolar soluções criativas para que o aumento de gastos caiba no emaranhado de regras fiscais vigentes.

Aquilo que não foi abandonado sem maiores cerimônias (alguém se lembra da agenda de abertura comercial?) foi ou mutilado até a potência mínima ou, pior, cooptado pela velha política do centrão, aliado do governo. Assim, a Câmara aprovou na semana passada uma privatização da Eletrobras em que os subsídios, as obrigações de compra em termelétricas e outros jabutis mais do que superam os ganhos esperados da privatização.

Se na fala do próprio ministro, notoriamente hiperbólica, dada a pintar ganhos trilionários para todo lado, o “grau de adesão do presidente à agenda econômica” já caiu de 99% para 65%, imagine o grau real.

Por algum motivo insondável, liberais (não todos, não todos!) e traders da Faria Lima decidiram embarcar em peso no projeto de um político fisiológico do centrão que ficou famoso defendendo tortura, esquadrões da morte e violência física contra homossexuais. A única surpresa nessa história a essa altura é constatar quanto Guedes está disposto a abrir mão para continuar no poder.

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