quinta-feira, 6 de maio de 2021

Maria Cristina Fernandes - Por trás do picadeiro da CPI da Pandemia

- Valor Econômico

Estratégia de intimidar senadores com 1º de Maio ruiu

O presidente da República e o comandante do Exército não podem ter a mesma expectativa em relação ao depoimento do ex-ministro da Saúde na Comissão Parlamentar de Inquérito. Para tirar a CPI das suas costas, interessa a Jair Bolsonaro mostrar a autonomia de Eduardo Pazuello, como general do Exército, nas condutas ora investigadas. Ao general Paulo Sérgio de Oliveira, convém o inverso. Que, na condição de militar agregado ao serviço civil, fique claro que Pazuello cumpriu ordens do presidente da República. Se o Palácio do Planalto fracassou em treinar o ex-ministro para enfrentar os senadores e o Ministério da Defesa encaminhou o pedido de adiamento de sua presença na CPI, foi o Exército quem negociou com o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), o depoimento daquele que hoje é adido à Secretaria-Geral da corporação.

A permanência de Pazuello na ativa e a produção maciça de hidroxicloroquina pelos laboratórios do Exército arrastaram a corporação para a vala bolsonarista. Nos dois lados da linha, porém, havia um senador e um general interessados em preservar o Exército. A consequência só pode ser em prejuízo do presidente da República. A começar pelo adiamento. Quando Pazuello chegar ao Senado, em 19 de maio, a CPI já terá acumulado depoimentos, como os dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que convergem para responsabilizar o presidente da República, além daqueles, aprovados ontem, dos ex-ministros Fabio Wajngarten e Ernesto Araújo, que são pura combustão. Por mais que Pazuello seja pressionado a nadar contra a maré, terá mais dificuldade em fazê-lo. Com o cerco já formado, o custo para o ex-ministro atestar a origem das ordens que recebeu será menor.

O presidente se deu conta do que estava por vir e tentou reforçar sua retaguarda na CPI. Pressionados a serem mais ofensivos, os senadores governistas partiram para cima da bancada feminina que, sem assento na CPI, havia arrancado um acordo que a permitisse participar dos debates. O senador Fernando Bezerra, líder do governo, ganhou uma vaga de suplente, mas não dá sinais de que será capaz de conter a avalanche. A reação ainda passou por dar ao ministro da Secretaria- Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, a missão de intermediar as relações entre o Palácio do Planalto e a CPI. Sai o ministro das Comunicações, Fábio Faria, que mandou para Mandetta a pergunta que lhe seria feita pelo senador Ciro Nogueira, e entra outro atrapalhado. Onyx, que é veterinário, já enalteceu nebulização de cloroquina, depois de o procedimento ter provocado mortes, e disse que o isolamento social não funciona porque inexiste “lockdown de insetos portadores do vírus”. A transmissão do SARS-CoV-2 dá-se por pessoas contaminadas.

O presidente age como se fizesse a coisa certa em meio a incompetentes. Foi capaz, por exemplo, de surpreender seus adversários pela quantidade de manifestantes que levou às ruas no 1º de Maio. A intenção era intimidar a CPI antes da tomada de depoimentos. O slogan dos manifestantes (“eu autorizo”) não poderia ser mais eloquente. Tanto que Bolsonaro se sentiu autorizado a ameaçar novamente com um decreto contra o isolamento social de prefeitos e governadores, a despeito da decisão do Supremo Tribunal Federal em defesa da autonomia federativa.

Bolsonaro pretendia manter a dobradinha. Ele convocaria a turba, ao lado dos filhos, para defendê-lo, desenterrando até mesmo o conflito, em Rondônia, com a Liga dos Camponeses Pobres, para criar uma ameaça contra a família e propriedade, enquanto seus articuladores agiriam para aglutinar a retaguarda no Congresso. Deu ruim. De um lado, a comoção popular com a morte do humorista Paulo Gustavo pela covid-19 neutralizou a arregimentação do 1º de Maio e aumentou a indignação com a incúria da pandemia. Do outro, sua retaguarda na CPI é incapaz de fazer a defesa do governo.

Numa terceira frente, na Câmara dos Deputados, seus aliados entram em modo xepa. É mais ou menos isso que move a ânsia reformista na Casa. Ao dissolver a comissão de reforma tributária antes mesmo que o relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), concluísse o relatório que havia encomendado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não apenas cumpriu o desejo do governo de fatiar a proposta como tem a possibilidade de distribuir seus pedaços entre aliados de sua confiança. Com temas sensíveis como uma espécie de refis da crise e a tributação dos fundos fechados, a Câmara caminha para um vale-a-pena-ver-de-novo da era Eduardo Cunha.

Movimento no mesmo sentido aconteceu com a instalação da comissão de reforma política. O deputado que presidirá a comissão, Luís Tibé (Avante-MG), é pivô de um inquérito que corre no STJ sobre relações suspeitas entre advogados e magistrados. Este inquérito conta com conversas interceptadas pela Polícia Federal em que um desembargador relata as ingerências que o levaram a salvar o deputado de cassação. A comissão presidida por este parlamentar pode não apenas jogar por terra a maior chance de o país dar mais representatividade ao seu sistema eleitoral, com o fim das coligações e a cláusula de barreira (que ameaçam seu próprio partido), como também ressuscitar o financiamento privado de campanha.

Para a sorte da República, o ativismo da Câmara esbarra no Senado. Da mesma maneira que o projeto que liberava vacinação privada antes dos grupos prioritários, esses projetos correm o risco de naufragar na inexistência de um acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Não é apenas um governo em frangalhos que move esta xepa, mas a perspectiva do poder em 2022. As costuras do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília esta semana, com Eunício Oliveira (MDB), Rodrigo Maia (ainda no DEM, em conversa com o PSD), Marcelo Freixo (Psol) e Fabiano Contarato (Rede) sugerem que o petista almeja avançar sobre o centro, engolir o espaço da terceira via e deixar o presidente como a única opção do radicalismo. Os aliados de Bolsonaro seguram o governo até a última raspa do tacho para chegar a 2022 posicionados para negociar. É o que rola por trás do picadeiro da CPI.

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