quinta-feira, 6 de maio de 2021

Merval Pereira - Bolsonaro no limite

- O Globo

Por mais que o Exército faça para se distanciar de Bolsonaro, o presidente faz questão de incluí-lo em suas ameaças, voltando a confrontos institucionais que já o colocaram em desacordo anteriormente com o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e o ex-comandante do Exército e general Edson Pujol. Voltou a chamar de “meu Exército” os militares que, segundo ele, podem sair às ruas para proteger o direito de ir e vir em caso de lockdown. E nenhum juiz ousará contestar essa decisão, garantiu em sua retórica abusiva.

A convocação do ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello pela CPI quase se transformou em princípio de crise, não fosse a iniciativa do senador Omar Aziz, presidente da CPI, de ligar ao novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio, para esclarecer que Pazuello era convocado na qualidade de ministro civil, e não de general da ativa.

O novo comandante era chefe do Departamento do Pessoal do Exército, encarregado da logística de combate à Covid-19 dentro da corporação, e agiu de acordo com as orientações médicas. Por isso, Pujol certa vez deu o cotovelo para Bolsonaro, que lhe estendia a mão e ficou irritado.

O próprio general Paulo Sérgio escreveu um artigo em que se rejubilava pelo fato de a pandemia, no Exército, estar sendo muito menos letal entre os seus do que na média brasileira, justamente por seguirem orientações científicas. O artigo, que também provocou a ira de Bolsonaro, não impediu que a antiguidade se impusesse na escolha do novo comandante do Exército e mostra bem a diferença de visão entre os dois.

O presidente está claramente a perigo, se sentindo acuado pelos relatos que estão surgindo na CPI da Covid. Mais uma vez está escalando a retórica que domina, a da ameaça e do extremismo, para tentar criar uma situação crítica que obrigue as Forças Armadas a se posicionar. Aproveitando um discurso em cerimônia do Palácio do Planalto sobre a tecnologia 5G — que nada tem com o tema que abordou —, Bolsonaro deu um jeito de voltar a criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de garantir a autonomia de governadores e prefeitos na definição de medidas restritivas durante a pandemia, que ele considera uma “excrescência”, por ter dado “competências esdrúxulas” a eles.

O ex-ministro Pazuello se preparava justamente para atacar o Supremo em seu depoimento na CPI, que acabou adiado por incapacidade do convocado de postar-se minimamente bem diante de seus arguidores. Bolsonaro é capaz de fazer um ato extremo, como ameaçou, com o objetivo de criar uma situação-limite e confrontar instituições como o STF para testar sua força popular. As manifestações do fim de semana a seu favor, em várias capitais, devem tê-lo convencido de que ainda é capaz de acionar multidões para reforçá-lo no poder.

Trata-se de movimento perigoso porque, estando acuado, é capaz de transpor a linha da legalidade.

Pode ser só uma bazófia, mas pode perfeitamente se transformar em realidade diante dos fatos, que estão sempre contra ele nos últimos tempos. Com essas bravatas, é possível acelerar um processo de impeachment, que está latente na CPI. Está protegido pela pandemia, que impede as pessoas de ir à rua. Mas, nesse ritmo, provoca ações de seus seguidores e dos contrários. E, se isso acontecer, as instituições terão que funcionar, inclusive o Exército, que terá de dizer se está do lado da democracia ou de um presidente claramente desequilibrado, que tenta fazer tudo para criar um ambiente político que facilite o autoritarismo.

A sorte é que, aparentemente, ele é minoria. A questão é saber se irá até o final, se testará nas ruas sua força. O mais grave, diante da falta de vacinas e do tamanho da tragédia que vivemos, é voltar a pensar alto besteiras como uma guerra biológica da China, que teria “inventado” o vírus da Covid-19 para poder crescer economicamente e superar seus competidores ocidentais. São os ecos ainda da visão conspiratória do ex-ministro Ernesto Araújo, que ficou no inconsciente dos remanescentes do governo e levaram o ministro Paulo Guedes a repetir a besteira numa reunião que era transmitida.

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