quinta-feira, 13 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Lula x Bolsonaro

Folha de D. Paulo

Datafolha sobre 2022 mostra liderança do petista no pior momento do mandatário

Embora a dimensão da liderança de Lula seja algo surpreendente, era previsível que o ex-presidente assumiria protagonismo nas pesquisas após a anulação de suas condenações por corrupção e lavagem de dinheiro. O PT, não é demais lembrar, foi ao segundo turno nas últimas 5 eleições presidenciais, das quais saiu vitorioso em 4.

A volta por cima do provável candidato do partido ocorre num momento especialmente negativo para Bolsonaro —logo depois de recordes trágicos de infecções e mortes provocadas pelo novo coronavírus, durante uma CPI que expõe os desmandos de seu governo na gestão da pandemia e com inflação e desemprego em níveis elevados.

Não por acaso, a aprovação ao presidente, que nunca foi majoritária no eleitorado, caiu ao menor patamar desde o início de seu mandato. Consideram a gestão boa ou ótima apenas 24%, ante 30% em março. Já a reprovação se manteve estável, oscilando de 44% para 45%.

Deve-se considerar, entretanto, que há tempo para mudanças de cenário. O avanço da vacinação, por exemplo, pode propiciar uma situação menos desconfortável para a retomada de atividades econômicas e sociais hoje represadas. Esses resultados tendem a favorecer o governante —mesmo que ele seja um negacionista irresponsável.

As potenciais opções a um embate entre Lula e Bolsonaro em 2022 não apresentam, até agora, números animadores. O Datafolha registra, em patamar bem inferior, um embaralhamento de possíveis candidaturas situadas no espectro ideológico que vai do centro à direita.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que ganhou destaque com a produção da Coronavac, reúne apenas 3% das intenções de voto; o ex-ministro Sergio Moro, de Justiça, marca 7%.

É obviamente cedo para descartar novidades no quadro. Constata-se, de todo modo, que nenhum dos antecessores de Bolsonaro aptos a disputar a reeleição se mostrava tão fraco a esta altura do mandato.

Violência de volta

Folha de S. Paulo

Cena política contribui para reavivar os ataques entre israelenses e palestinos

A violência voltou a eclodir em Jerusalém e Gaza. Um conflito mais intenso ou prolongado não interessa aos principais atores, mas isso não significa que o pior cenário esteja descartado no Oriente Médio.

O atual ciclo de confrontos surgiu de uma justaposição de fatores quase banais. Neste ano, a Noite do Decreto, o ponto alto do mês sagrado do Ramadã, quando os muçulmanos jejuam de dia e se reúnem nas ruas no período noturno, coincidiu com o Dia de Jerusalém, em que os judeus celebram a conquista da cidade na guerra de 1967.

Houve, além disso, um rumoroso caso judicial, em que a Suprema Corte poderia restituir a famílias judaicas propriedades num bairro árabe de Jerusalém Oriental. A Suprema Corte, por causa da violência, adiou a decisão, mas isso não bastou para reduzir a tensão.

O problema aqui é a própria lei, considerada injusta por permitir a famílias judaicas que provem posse de propriedades anterior a 1948 retomar as terras, mas sem estender esse direito a famílias palestinas na mesma situação.

Acrescente-se a isso o advento de redes sociais que estimulam jovens palestinos a lançar pedras contra forças de segurança israelenses e um chefe de polícia inexperiente.

Até aí, nada de tão extraordinário para Jerusalém. O que adicionou combustível à fagulha foi a situação política. Na feliz expressão de Thomas Friedman, do New York Times, há um vácuo em que a Autoridade Nacional Palestina se mostra incapaz de fazer uma eleição, e os israelenses estão tão divididos que não param de fazer eleições.

Com efeito, Mahmoud Abbas, o presidente da ANP, foi eleito em 2005 para um mandato que acabaria em 2009, mas nunca deixou o cargo. Havia prometido novas eleições agora, mas cancelou o pleito.

O Hamas, que provavelmente venceria, não gostou e, para mostrar que exerce a liderança de fato, reagiu à violência em Jerusalém disparando mais de 150 foguetes de suas bases em Gaza contra Israel, que respondeu com bombardeios.

O premiê israelense Binyamin Netanyahu também caminha numa corda bamba. Ele acaba de fracassar na tentativa de formar um novo governo após o pleito de março, o quarto inconclusivo nos últimos dois anos. É a vez de seus adversários centristas tentarem. Se conseguirem, Netanyahu pode perder o cargo após 12 anos no poder.

Corre também o risco de parar na cadeia, já que está sendo julgado sob acusação de corrupção.

O Brasil e a OCDE

O Estado de S. Paulo

Nunca o momento foi mais oportuno para o Brasil se tornar uma voz persuasiva na missão da OCDE: “Melhores políticas para melhores vidas”

Em conferência organizada pela USP, o secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría, discorreu sobre “O papel da OCDE no mundo sob e depois da pandemia”. Naturalmente, o encontro ensejou uma discussão sobre o papel do Brasil, e foi especialmente oportuno no momento em que o País se encontra em processo de adesão à organização.

Como outras instituições multilaterais, a OCDE nasceu no pós-guerra, inicialmente para organizar a ajuda financeira dos EUA à Europa. A partir dos anos 60, tornou-se o que é hoje: um fórum de discussão de políticas públicas, incluindo países como Japão, Nova Zelândia, Israel e nações do Leste Europeu e América Latina. Hoje tem 37 membros – que representam 80% do comércio e investimento mundial – e 5 parceiros-chave, incluindo o Brasil.

Comumente chamada (não raro com um toque de acidez) de “Clube dos ricos”, a OCDE é mais exatamente um clube de melhores práticas baseadas em evidências. Por meio de seus estudos econômicos, suas articulações para combater a evasão fiscal e suas análises educacionais, ela foi crucial para modernizar os padrões de governança global.

Na gestão de Gurría dois desafios ganharam proeminência: a transição para economias de baixo carbono e o desenho de novos quadros de tributação para a economia digital. Tendo permanecido 15 anos à frente da OCDE, Gurría transmitirá o comando em junho para o ex-ministro das finanças australiano Mathias Cormann. Como mexicano, Gurría tem uma particular sensibilidade para os desafios do Brasil.

Após décadas de colaboração, o País formalizou sua solicitação de acesso em 2017. É um passo natural: o Brasil está entre as maiores economias do mundo e é a 2.ª maior democracia do Ocidente – com efeito, a 2.ª maior do mundo, desde que, como muitos entendem, a Índia se transformou numa autocracia. Entre os seis candidatos, “o Brasil tem uma vantagem enorme”, considerou Gurría. “Ele já está na família, como um primo que passou do 3.º grau para o 2.º e o 1.º – o Brasil já está na ‘cozinha’.” Dos 245 instrumentos legais da OCDE, o País já aderiu a 93 e está em processo de adesão a 50 – os demais estão em processo de adaptação.

De pronto, o maior benefício no ingresso é um “selo de qualidade” para o mercado internacional altamente favorável ao ambiente de negócios. Segundo o Ipea, a entrada do Brasil pode aumentar em 0,4% o PIB anual. Além disso, o País terá voz ativa nos debates sobre padrões e implementações de políticas públicas.

Ante reformas desafiadoras, o Brasil tem muito a se beneficiar dos quadros técnicos da OCDE em questões relacionadas à racionalização da tributação, o combate à corrupção, a capacitação do funcionalismo ou a qualificação da educação. Gurría enfatizou ainda os desafios da digitalização do mercado de trabalho.

Outro desafio capital é o meio ambiente, “a questão intergeracional mais importante de nosso tempo”, disse Gurría. “Com 60% da Floresta Amazônica em suas fronteiras, e abrigando a maior biodiversidade do mundo, o Brasil pode liderar a reformulação e a reconstrução de nossa economia global de forma mais verde, resiliente e inclusiva.” A redução imediata do desmatamento é decisiva tanto para o ingresso do Brasil na organização como para seu protagonismo dentro dela.

Como outras organizações nascidas após a destruição da guerra, a OCDE tem um novo desafio na reconstrução pós-pandemia. Diferentemente das suas “irmãs”, ela não tem um poder real – não empresta dinheiro, como o FMI, nem arbitra disputas, como a OMC. Mas isso lhe garante uma peculiar flexibilidade ante as transformações globais e liberdade ante as pressões geopolíticas, conferindo credibilidade ao seu verdadeiro poder: o aconselhamento e a persuasão. Após a degradação política e econômica promovida pela gestão petista, ora agravada pelo governo Bolsonaro, nunca o momento foi mais oportuno para o Brasil atentar a esses conselhos e se tornar, ele mesmo, uma voz persuasiva na missão da OCDE: “Melhores políticas para melhores vidas”.

Pá de cal

O Estado de S. Paulo

China avança mais um degrau na escalada de ataques à liberdade em Hong Kong

A ditadura chinesa jogou uma pá de cal no que ainda havia de liberdade e democracia em Hong Kong. O presidente Xi Jinping sancionou uma alteração na Lei Básica, espécie de Constituição honconguesa, mudando dramaticamente o sistema eleitoral vigente na ex-colônia britânica. O objetivo é impedir que candidatos de oposição ao poder central em Pequim sejam eleitos, seja lá quando eleições voltarem a ocorrer na ilha. A mudança foi aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional do Povo.

Pequim passará a ter poder de veto sobre toda e qualquer candidatura em Hong Kong por meio de análise prévia de um “comitê revisor”, cuja atribuição será avaliar quão “patriota” é determinado candidato. O verdadeiro “patriota”, é claro, será todo aquele que, obsequiosamente, não representar um obstáculo aos interesses do Partido Comunista Chinês.

A líder de Hong Kong, Carrie Lam, afirmou que “apoia fortemente” a mudança na legislação eleitoral imposta por Pequim. Dissesse outra coisa, é certo que não estaria no cargo. “Pessoas que têm visões políticas diferentes, que têm maiores inclinações democráticas ou são mais conservadoras, que pertençam à esquerda ou à direita, poderão concorrer, desde que cumpram este requisito fundamental e básico (ser ‘patriota’)”, disse Lam, com a desfaçatez que bem cabe a uma títere do regime chinês.

Já na chamada comunidade internacional, a mudança foi duramente criticada. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, acusou a China de “violar direitos humanos e aniquilar a democracia em Hong Kong”. Para a União Europeia, a medida tem “consequências negativas de longo alcance para a democracia”. O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab, acusou o governo chinês de “violar claramente a Declaração Conjunta Sino-Britânica”, de 1984, pacto para devolução da ex-colônia britânica à China, efetivada em 1997.

A drástica mudança no sistema eleitoral de Hong Kong, que, na prática, elimina a oposição na política local, insere-se num contexto de estrangulamento das liberdades que vem se acentuando desde 2019, quando honcongueses irromperam às ruas contra as reiteradas violações ao pacto “um país, dois sistemas” por parte do governo chinês, cada vez mais agressivo.

Os protestos foram reprimidos a ferro e fogo na região autônoma sob a égide de uma draconiana Lei de Segurança Nacional que foi aprovada a toque de caixa justamente com o propósito de conter atos de “terrorismo”, “subversão” e “conluio com forças externas”, como quaisquer protestos por democracia e liberdade em Hong Kong passaram a ser classificados pelo governo de Pequim.

De acordo com a legislação eleitoral recém-sancionada por Xi, o Comitê Eleitoral, que hoje já escolhe o líder de Hong Kong e é composto por membros pró-Pequim, também passará a selecionar quem pode e quem não pode concorrer a cargos no Poder Legislativo. A medida fere de morte o modelo “um país, dois sistemas”, que, a rigor, deveria vigorar até 2047, de acordo com o pacto firmado entre o Reino Unido e a China há quase 40 anos.

O recrudescimento das ações de Pequim para cercear as liberdades em Hong Kong por certo pautará as relações entre China e Estados Unidos. Em sua primeira reunião do G-7 como presidente dos Estados Unidos, em fevereiro, Joe Biden posicionou-se como o porta-voz dos valores democráticos em contraposição ao que chamou de “embate entre democracias e autocracias”, aludindo às tensões políticas e militares com países como a China e a Rússia.

Longe do isolacionismo que marcou a política externa dos Estados Unidos sob Donald Trump, Biden restabeleceu a importância da cooperação internacional para lidar com “os grandes desafios do século 21”, entre os quais a inarredável defesa dos valores democráticos, contestados em várias partes do mundo.

De fato, se algo pode deter os impulsos liberticidas como os de Pequim, é a pressão da comunidade internacional.

Mais um recorde de desmatamento ilegal

O Estado de S. Paulo

Governo Bolsonaro é colecionador de recordes negativos de devastação da Amazônia

No fim de abril, envolto por uma névoa de desconfiança da comunidade internacional, o presidente Jair Bolsonaro participou da Cúpula sobre o Clima, liderada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Não era para menos. Uma das marcas de sua caótica administração é o absoluto descaso pelas políticas de proteção do meio ambiente, o que custou ao Brasil o soft power conquistado nesta seara após décadas de trabalho árduo, tanto no combate aos desmatamentos ilegais como na construção de um arcabouço legal tido como referência mundial.

Em que pese o inoportuno pedido de dinheiro às nações estrangeiras para executar uma tarefa soberana do País – combater crimes ambientais tipificados pela legislação brasileira cometidos em território nacional –, o discurso de Bolsonaro na Cúpula sobre o Clima foi considerado positivo pelos compromissos que o presidente brasileiro assumiu diante de suas contrapartes. Mas a retórica do presidente, por si só, não tem o condão de recuperar a confiança no Brasil, abalada por suas mesmas palavras e atitudes. Passa da hora, portanto, de seu governo mostrar resultados. Mas a realidade depõe contra as supostas intenções de Bolsonaro.

Após o governo prometer dobrar as ações de fiscalização de desmatamentos ilegais na Região Amazônica e fortalecer os órgãos de controle, como o Ibama e o ICMBio, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou relatório revelando novo recorde de área desmatada na região. De acordo com os dados capturados pelo satélite Deter B, uma área de 581 km² – equivalente a 58 mil campos de futebol – foi desmatada ilegalmente no mês passado, um recorde de destruição para o mês de abril desde o início da série histórica, em 2015.

Este nefasto resultado corresponde a um aumento de 42% do desmatamento ilegal em relação a abril de 2020 (407 km²). Mas, na prática, o desmatamento ilegal pode ter provocado um dano ambiental ainda mais severo. A organização Observatório do Clima alertou para o fato de que 26% da Amazônia estava encoberta por nuvens no período de aferição, o que significa que desmatamentos ocorridos nesta área invisível para o Deter B não foram registrados. O que já é muito ruim pode ter sido, na verdade, pior.

O governo Bolsonaro é um colecionador de recordes negativos de devastação da Floresta Amazônica. Não foram poucas as ações divulgadas pelo governo com o objetivo de reverter o avanço dos crimes ambientais, até mesmo a criação de um conselho presidido pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Não obstante, o que se vê pelas imagens de satélite é o crescimento do número de crimes ambientais, o que põe em xeque a seriedade do governo para cumprir as promessas que faz. Tão grave é a situação que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi alvo de uma queixa-crime apresentada pela Polícia Federal (PF) ao Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar seu suposto envolvimento com madeireiros que promovem desmatamento ilegal.

Ao contrário do que foi prometido, o Ibama e o ICMBio foram privados de recursos financeiros e humanos para executar ações de fiscalização contra crimes ambientais; servidores que manifestam posições que desagradam ao governo são alvo de retaliações, como a instauração de processos administrativos.

Não é de agora que servidores do Ibama têm denunciado o enfraquecimento do sistema de autuação por crimes ambientais. As regras contidas numa Instrução Normativa Conjunta, publicada no dia 14 de abril e assinada por Salles e pelos presidentes do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e do ICMBio, Fernando Lorencini, paralisaram as autuações por crimes ambientais em todo o País. Servidores de ambos os órgãos têm pedido exoneração diante da deliberada política de enfraquecimento institucional patrocinada pelo ministro do Meio Ambiente.

Se Bolsonaro pretende ser levado a sério não só pela comunidade das nações, mas, principalmente, pela sociedade brasileira, é bom mudar radicalmente sua política para a proteção ambiental, a começar pela troca de ministro. A ver se terá disposição para uma coisa ou outra.

Wajngarten expõe negligência do governo no combate ao vírus

O Globo

Por mais que tenha tentado blindar o presidente Jair Bolsonaro e seu ex-ministro Eduardo Pazuello das acusações de omissão no combate à pandemia, o ex-secretário de Comunicação do Planalto Fabio Wajngarten, em seu depoimento tenso à CPI da Covid ontem, acabou por expor ainda mais a negligência do governo. Embora tenha feito malabarismos, Wajngarten não conseguiu explicar por que exatamente um secretário de Comunicação assumiu negociações para a compra de vacinas da farmacêutica Pfizer, que deveriam estar a cargo do Ministério da Saúde, mantido à margem da questão.

Evasivo, Wajngarten foi contraditório em relação à entrevista à revista “Veja”, em que atribuía à incompetência do Ministério da Saúde o atraso na compra de vacinas da Pfizer. Na CPI, elogiou o ex-ministro Pazuello, dizendo que ele foi “corajoso” ao assumir a pasta. O depoimento irritou os senadores. O presidente da CPI, Omar Aziz, perdeu a paciência: “Por favor, não menospreze a nossa inteligência, porque ninguém aqui é imbecil”. O relator, Renan Calheiros, chegou a pedir a prisão do depoente: “O espetáculo de mentiras aqui hoje não abrirá precedente”. O pedido não foi aceito, mas a CPI remeterá o depoimento ao MPF para apurar se Wajngarten mentiu. A sessão foi suspensa depois de um bate-boca em que o senador Flávio Bolsonaro chamou Renan de “vagabundo”.

Na parte substantiva, Wajngarten confirmou que a Pfizer enviara em 12 de setembro carta ao presidente Jair Bolsonaro, ao vice Hamilton Mourão e aos ministros Pazuello, Paulo Guedes (Economia) e Braga Netto (Casa Civil, na época). Oferecia opção de compra da vacina, solenemente ignorada pelo governo — que só assinou contrato com a Pfizer seis meses depois.

Embora a farmacêutica demandasse celeridade, em vista da alta demanda, Wajngarten afirmou ter respondido quase dois meses depois, por iniciativa própria. Em 17 de novembro, reuniu-se com o CEO da farmacêutica, Carlos Murillo, sem participação do Ministério da Saúde. Nada foi falado, disse Wajngarten, sobre quantidade ou cronograma. Ele participou de mais dois encontros. Negou que em qualquer momento tenham sido oferecidas 70 milhões de doses. Disse que a quantidade era “vexatória”, perto de 500 mil.

O depoimento de Wajngarten contrastou com o do presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, na véspera. Barra Torres causou constrangimento ao Planalto por criticar atos de Bolsonaro que não seguem protocolos sanitários. Apesar da proximidade, não fez concessões, mostrando afastamento em relação às ações estapafúrdias do presidente. Entre outros pontos, condenou o uso da cloroquina contra a Covid-19 e defendeu máscaras e distanciamento social.

Apesar de não ter sido o que os senadores esperavam, o depoimento de Wajngarten fornece fatos importantes à CPI. Mostra, no mínimo, que o governo desprezou oferta preciosa para adquirir a primeira vacina a demonstrar eficácia contra Covid-19 ainda no ano passado. Nem se interessou em responder a carta. E os impeditivos alegados à época são ridículos. Porque, quando interessou, por absoluta falta de doses para os brasileiros, o governo fechou acordo. Mas era tarde demais. A negligência custou milhares de vidas que poderiam ter sido salvas. Como resultado, a posição do governo na CPI fica a cada dia mais enfraquecida.

É inadmissível que universidades públicas corram risco de fechar

O Globo

Em artigo publicado semana passada no GLOBO, a reitora e o vice-reitor da UFRJ, Denise Pires de Carvalho e Carlos Frederico Leão Rocha, afirmaram que a universidade terá de paralisar as atividades em julho, em virtude da falta de verbas. Situação semelhante vivem as universidades federais em São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Juiz de Fora e Brasília.

O orçamento liberado até agora para gastos discricionários das federais é de R$ 2,6 bilhões, equivalente ao total de 2004, quando elas eram 51 instituições e tinham menos da metade do 1,3 milhão de alunos que se distribuem hoje por 69. Mesmo se liberada a verba retida, o total chegaria a R$ 4,3 bilhões, patamar de 2006, quando havia 54 universidades. Nos últimos 11 anos, houve corte de 37% nas despesas discricionárias, que incluem pagamento das contas de água, luz, segurança, além de bolsas de estudo e programas de auxílio estudantil.

Exemplo do aperto é a Unifesp, Universidade Federal de São Paulo. Seu orçamento foi cortado em 20%, e, na redistribuição das verbas, restaram apenas R$ 21,1 milhões para o custeio básico: contas de luz, água, limpeza, manutenção e segurança, suficientes, como na URFJ, apenas até julho.

É uma lástima que tenham sido sucateados os centros produtores de ideias e conhecimentos, essenciais não só para o futuro do país, mas no próprio presente. Evidente que é preciso socorrer com urgência as universidades federais, para que não se interrompam cursos nem pesquisas e atividades fundamentais neste momento de pandemia.

Deve-se entender, contudo, que a situação atual resulta da opção por um modelo de gestão errado, em que os gastos com ensino e pesquisa produtivos acabam pressionados pelo crescimento vegetativo da folha de pagamento de funcionários da ativa e aposentados. Até hoje as universidades públicas resistem a práticas comuns em instituições privadas ou no exterior, como remuneração atrelada a produtividade e desempenho, garantia de estabilidade apenas às categorias em que ela é essencial para manutenção da independência acadêmica e outras medidas que permitiriam liberar recursos para usar onde são necessários.

O resultado, segundo o último relatório de educação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com dados de 2017, é que o gasto público com ensino superior aumentou 85% no Brasil entre 2005 e 2017. O Estado brasileiro investe 1,1% do PIB em educação universitária, 10% acima da média da OCDE. Dos gastos totais do governo, 3,6% são destinados ao ensino superior, ante média de 2,1% na OCDE e 1,8% — metade — na União Europeia.

Desse total, 71% representam despesa com pessoal, ante média de 67% na OCDE. Claro que é essencial garantir recursos para a sobrevivência imediata das universidades federais. Mas é urgente, também, que elas próprias entendam que não há como um estado em crise fiscal aguda manter o nível de financiamento nos padrões a que se habituaram. Será preciso rever esse modelo — e é bom começar logo.

O buraco negro das emendas do relator do orçamento

Valor Econômico

O subterfúgio das emendas do relator abre vasta avenida para a corrupção

A tragicomédia da montagem do orçamento de 2021, aprovado no fim de março, ratificou uma anomalia exótica: as emendas do relator geral que, pelo segundo ano consecutivo, foram superiores à soma das emendas das bancadas estaduais, dos deputados e senadores e das comissões. A novidade consolidou o avanço do Legislativo sobre a definição de recursos orçamentários e a entrega a um parlamentar de poder para determinar a seu bel prazer ou a de seus aliados o destino de cerca de um terço de todo o dinheiro que sobra após os gastos obrigatórios do Estado. Para que tanto poder e tanto dinheiro? Isso ficou claro com o uso de um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões, obviamente para comprar influências e aliados para o governo, além de equipamentos superfaturados, como revelou o jornal O Estado de S. Paulo.

A instituição das emendas do relator e seus extravagantes recursos foi feita em 2019, com a inclusão de R$ 30 bilhões para tal finalidade. O governo esperneou, vetou a trama e o Congresso não derrubou o veto porque conseguiu bom quinhão do que propusera, R$ 20 bilhões. A posteriori, essa concessão ajuda a iluminar os motivos pelos quais o Centrão, capitaneado pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), ofereceu seus bons préstimos a um governo politicamente desorientado, e, por decisão própria, sem elos no Congresso. A tática de Bolsonaro de não criar vínculos partidários no Legislativo foi um desastre, que revelou que os riscos dessa atitude eram graves - cresceram as ameaças de impeachment.

Pelas informações publicadas por O Estado de S. Paulo, pode-se deduzir que não havia apenas promessas de ganhos futuros na parceria com o Centrão, mas pagamentos antecipados e de bom vulto. Cada deputado tem direito de indicar emendas de R$ 10 milhões, mas as do relator em 2020, Domingos Neto (PSD-CE), brindaram com R$ 175 milhões o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), com R$ 151,7 milhões o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso, R$ 98,5 milhões para o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), sempre evasivo diante de confrontos entre o Congresso e o presidente, e R$ 50 milhões a Arthur Lira.

As emendas individuais têm destinação e montante determinados, as de bancadas estaduais e comissões não tem teto e as do relator, só teto e nenhuma transparência. Deputados e senadores enviaram ofícios, principalmente ao Ministério do Desenvolvimento, solicitando envio de verbas para obras determinadas. Boa parte desses recursos foram enviados à Codevasf, comandada pelo Centrão. Houve razoável concentração na compra de máquinas agrícolas por preços superiores aos de mercado.

A Codevasf já tinha sido objeto de acerto político do Centrão com o governo. Ganhou suspeita envergadura em setembro, quando o presidente Jair Bolsonaro sancionou projeto que estendia as atribuições da empresa das bacia do São Francisco e Parnaíba para as do Amapá, Amazonas e Pará. Obviamente, aumentou a necessidade de superintendências e cargos, a serem preenchidos pelos aliados de Bolsonaro. Elmar Nascimento (DEM-BA), que indicou o presidente da companhia, e relator da MP que cria condições para a privatização da Eletrobras, mudou o texto original que previa dinheiro só para a revitalização do São Francisco e reservatórios de Furnas e incluiu Maranhão e Piauí. O controle dos recursos, que seria feito por comitê gestor criado pelo Executivo, foi transferido para a Codevasf.

Um Orçamento impositivo votado pelo Congresso é um fato nas democracias avançadas. No Brasil, porém, o processo das emendas impositivas iniciou-se pelas mãos do deputado Eduardo Cunha, possivelmente com as intenções que o levaram à cadeia depois de comandar o impeachment de Dilma Rousseff. Em geral o Executivo exerce seu poder para ter influência sobre os recursos em troca de apoio no parlamento. Bolsonaro parece ter deixado o assunto a cargo do Centrão, que tem mostrado, sob Lira, grande voracidade.

O subterfúgio das emendas do relator reduz o número de interlocutores e intermediários, favorece o segredo, centraliza verbas e, sem qualquer transparência, abre vastas avenidas para a corrupção. Em campanha, Bolsonaro mostrou que sabia o que o Centrão havia feito no passado e repudiou-o. Agora lava as mãos ou dá seu aval a expedientes que podem comprometê-lo no futuro, associá-lo a eventuais escândalos e aniquilar suas chances eleitorais, barrando a reeleição de quem prometeu acabar com a corrupção no país.

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