sexta-feira, 14 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

STF à prova

Folha de S. Paulo

Acusação contra Toffoli precisa de resposta que preserve credibilidade da corte

Ao pedir autorização para investigar acusações feitas pelo ex-governador Sérgio Cabral contra o ministro Dias Toffoli, a Polícia Federal colocou o Supremo Tribunal Federal sob inédita pressão.

Pela primeira vez em sua história, a corte precisará decidir se um dos seus integrantes deve ser investigado por suspeita de corrupção, ou se os indícios apresentados contra ele são tão frágeis que o caso merece ser arquivado.

Cabral diz que um dos seus operadores pagou R$ 4 milhões a Toffoli para que favorecesse dois prefeitos em processos no Tribunal Superior Eleitoral. Segundo ele, os pagamentos foram feitos por meio do escritório de advocacia da mulher do ministro. Toffoli nega tudo, assim como o suposto operador.

Condenado a mais de 300 anos de prisão por corrupção e outros crimes, Cabral mudou sua estratégia de defesa há dois anos e fechou um acordo de colaboração premiada com a PF, passando a fornecer informações na tentativa de obter algum alívio para suas penas.

O ministro Edson Fachin homologou o acordo e autorizou a abertura de vários inquéritos em 2020, mas Toffoli usou os poderes que tinha como presidente do tribunal na época para arquivar todos, argumentando que faltavam indícios mínimos para justificá-los.

Ao apresentar ao Supremo novos pedidos de investigação, incluindo o caso de Toffoli, a Polícia Federal disse ter feito averiguações preliminares para se certificar de que existem caminhos para elucidar as suspeitas levantadas.

A legislação brasileira recomenda tratar com extrema cautela delatores como Cabral. Embora a prescrição seja ignorada frequentemente, sua palavra não vale nada nos tribunais se não for acompanhada de provas e testemunhos que corroborem suas afirmações.

Outros acordos negociados pela PF, como o celebrado com o ex-ministro Antonio Palocci, foram colocados em xeque depois que as acusações se revelaram infundadas e foram descartadas pela Justiça.

A Procuradoria-Geral da República, que negociou com Cabral antes da PF e desprezou sua colaboração, endossou o arquivamento da primeira leva de inquéritos, e tudo indica que fará o mesmo com o caso de Toffoli agora.

A última palavra caberá ao plenário do Supremo, e uma resposta convincente será essencial para preservar a credibilidade do tribunal. Ter um dos seus membros investigados causaria enorme desgaste à instituição, mas o dano poderá ser maior ainda se alegações merecedoras de crédito forem abafadas sem maiores explicações.

Cartas na mesa

Folha de S. Paulo

CPI coleta mais uma evidência da negligência de Bolsonaro na busca por vacinas

A CPI da Covid no Senado vem dispondo sobre a mesa cartas que embaralham a estratégia tumultuosa de Jair Bolsonaro para impedi-la de trazer a lume evidências sobre omissões de seu governo no enfrentamento da pandemia.

O caso da vacina das empresas Pfizer e BioNTech oferece evidência cabal da mescla trágica de leviandade, incompetência e negligência na origem de parte da montanha de 430 mil cadáveres legados pela carência de imunizantes, de distanciamento social, de coordenação federal, de exemplos de conduta vindos de cima —de tudo o que era urgente e necessário.

A carta da Pfizer divulgada pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten na quarta-feira (12) foi o segundo documento, em meros nove dias, a inculpar o presidente.

Antes, houve a exibida pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta alertando o Palácio do Planalto das consequências funestas de manter a política negacionista arquitetada por Bolsonaro.

A correspondência de setembro de 2020, assinada por Albert Bourla, diretor mundial da farmacêutica, constitui só o elo intermediário em longa cadeia de incúria. As primeiras tratativas da Pfizer com o governo brasileiro datam de maio do ano passado, antes do ensaio clínico de fase 3 que viria a demonstrar 95% de eficácia da vacina.

Em agosto, a empresa ofertou seu produto pela primeira vez ao Brasil, com opção para 30 milhões ou 70 milhões de doses. Um pequeno lote de 1,5 milhão aportaria aqui em dezembro de 2020, e o restante nos 12 meses subsequentes.

A oferta foi ignorada. Em novembro, duas tentativas de retomar a negociação fracassaram. Entre uma e outra, deu-se o envio da missiva mostrada na CPI por Wajngarten, que testemunhou a senadores ter buscado Bolsonaro para interceder pela reabertura dos contatos. Em vão.

Em fevereiro, a empresa voltou à carga, então para vender 100 milhões de doses, mas só em março se assinou o contrato que poderia ter sido fechado oito meses antes.

O Planalto tergiversou todo esse tempo, alegando cláusulas leoninas que outros países, no entanto, aceitaram —isso quando Bolsonaro não lançava dúvidas sobre a própria imunização, de par com outras manobras de sabotagem.

Quantas vidas seriam salvas se Bolsonaro tivesse agido com a previdência imprescindível ante a epidemia? A pergunta é retórica, mas a CPI poderá detalhar a extensão da responsabilidade do presidente se esmerar-se na documentação de fatos sobejamente conhecidos.

Lula é beneficiário da insatisfação com Bolsonaro

O Globo

Apenas dois em cada cinco brasileiros dizem saber em quem votarão nas eleições de 2022, segundo a última pesquisa DataFolha. Com quase 60% dos votos indefinidos, qualquer análise dos números é prematura. Ainda assim, lidos com o devido cuidado, eles pintam um quadro que favorece o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é bastante ruim para o presidente Jair Bolsonaro e dificílimo para qualquer candidato que até agora tenha se apresentado como terceira via entre os dois.

Colocados diante das opções, 41% dos eleitores escolhem Lula (espontaneamente, 21%) e 23%, Bolsonaro (espontaneamente, 17%). Num segundo turno entre os dois, a distância chega a 23 pontos percentuais, patamar confortável para a vitória lulista caso a eleição fosse hoje. Mais importante, Bolsonaro é rejeitado por 54% do eleitorado, maior taxa entre todos os candidatos e número que, se mantido, inviabilizaria a reeleição. O voto lulista se concentra entre os nordestinos, os que têm nível fundamental de escolaridade, os que ganham até dois salários mínimos. O bolsonarista, entre empresários, entre quem ganha entre 5 a 10 salários mínimos e entre habitantes da Região Sul.

O mesmo Datafolha constatou queda de seis pontos percentuais na aprovação de Bolsonaro, que atingiu o patamar mais baixo desde o início do governo (24%). A reprovação chegou a 45% do eleitorado, mesmo nível do auge da pandemia em junho de 2020. Outra pesquisa, do PoderData, traça um cenário um pouco mais favorável a Bolsonaro, que aparece empatado com Lula em intenções de voto, embora seja derrotado por uma diferença de 15 pontos no segundo turno. Nessa sondagem, ambos são rejeitados pela mesma quantidade de eleitores, aproximadamente metade da amostra.

Independentemente do termômetro usado, não há dúvida de que a gestão desastrosa da pandemia atingiu em cheio a imagem do presidente, hoje dependente dos grupos mais fiéis de eleitores. Nem de que o principal beneficiário desse descontentamento até agora tem sido Lula, que recuperou seus direitos políticos e voltou a reconquistar grupos de eleitores que o PT perdera, em particular os mais pobres.

A questão que as pesquisas deixam em aberto é se algum nome será capaz de romper a polarização entre Lula e Bolsonaro. Até o momento, a resposta é negativa. Dos apresentados ao eleitor, os de maior expressão são o ex-juiz Sergio Moro e o ex-ministro Ciro Gomes (com 7% e 6%, respectivamente, no Datafolha). Na pesquisa espontânea, apenas Ciro aparece, com 2%. Todos os demais são quase ignorados, embora vários tenham potencial de voto evidente, seja pela notoriedade, seja pelos baixos índices de rejeição.

Construir uma terceira via com tanta gente pleiteando o posto não será tarefa trivial. O primeiro desafio é tentar unir todos os que se opõem a Lula e Bolsonaro em torno de um só nome — pois não haverá espaço para dois numa disputa já polarizada. Iniciativas adotadas por Ciro ou pelo governador paulista, João Doria, têm até o momento tido pouco efeito na mente do eleitor. A insatisfação com Bolsonaro tem sido canalizada para Lula.

É verdade que ainda é cedo para saber se o quadro desenhado pelas pesquisas perdurará até o início da campanha eleitoral. Tudo pode acontecer. Mas, se alguém tiver a intenção de se apresentar como alternativa viável à polarização, o tempo está se esgotando.

Senado tem de rejeitar ‘mãe de todas as boiadas’ aprovada na Câmara

O Globo

A Câmara terminou de aprovar ontem aquela que ambientalistas têm chamado de “mãe de todas as boiadas”, o projeto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, de autoria do deputado Neri Geller (PP-MT), da Frente Parlamentar da Agropecuária. A intenção alegada é “desburocratizar” o andamento dos pedidos de licenciamento e dar “segurança jurídica” aos investidores. O que os deputados aprovaram, na verdade, foi uma espécie de liberou geral nas obras, sem maiores preocupações com o meio ambiente. É isso que precisa ser levado em conta no Senado, para onde seguirá o projeto.

Depois que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conferiu regime de urgência à tramitação da proposta, nada menos que nove ex-ministros do Meio Ambiente lançaram um alerta contra o projeto (Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krauze, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero).

Com a pressão, houve atenuações: a mineração foi tirada do alcance da lei, aprovaram-se normas pouco mais rígidas para a duplicação de estradas e, a depender do local do empreendimento, haverá estudo de impacto ambiental. Apesar de tudo isso, o texto aprovado continua a representar um enorme retrocesso. Por vários motivos.

Acaba com a exigência de análise de impacto ambiental de empreendimentos, pondo em risco áreas de conservação e a biodiversidade. Entre os serviços dispensados, estão distribuição de energia elétrica com baixa tensão, estações de tratamento de água e esgoto, melhoramentos em instalações existentes, além de atividades rurais como pecuária e cultivo agrícola.

O principal foco das críticas é uma espécie de “licença autodeclaratória”, chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), com renovação automática pela internet. Em princípio, a LAC seria destinada a projetos de baixo impacto ambiental e pequeno porte, mas o critério é vago a ponto de abarcar a maioria dos empreendimentos no Brasil (segundo a carta dos ministros, até barragens de rejeitos minerais). Quase tudo poderá ser feito sem qualquer atenção a desmatamento ou grilagem.

O texto também permite ampliar hidrelétricas sem os devidos cuidados ambientais. Ao contrário do que promete Geller, abrirá a porta a ainda mais judicializacão nos pedidos de licenciamento em obras do tipo, com consequente aumento da insegurança jurídica. Não custa lembrar o histórico sofrível do Brasil no setor, em particular nas obras das hidrelétricas de Balbina, Santo Antônio, Jirau e Belo Monte.

O projeto de Geller também avança na desidratação do sistema de regulação ambiental ao permitir que estados e municípios tenham regras próprias de licenciamento. Incentiva disputa entre governadores e prefeitos para atrair investimentos e abre outra porta à judicialização. Nessa guerra, o resultado previsível será sempre a degradação ambiental. Pelo menos, o projeto ainda precisa passar pelo Senado, onde precisa ser rejeitado.

Cenário sombrio

O Estado de S. Paulo

Um segundo turno entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro oporia o atraso ao retrocesso, a indecência à imoralidade, a desfaçatez ao cinismo

 

A mais recente pesquisa de intenção de voto para a eleição presidencial de 2022 realizada pelo Datafolha mostra o ex-presidente Lula da Silva na liderança, com 41%. Em segundo lugar aparece o atual presidente, Jair Bolsonaro, com 23%.

A distância entre o líder petista e o presidente Bolsonaro já impressiona, mas é também impressionante o fato de que Lula possa vencer ainda no primeiro turno, pois está somente seis pontos porcentuais abaixo da soma de todos os demais candidatos apresentados (incluindo Bolsonaro). E esse dado causa admiração especialmente porque Lula da Silva representa tudo o que o Brasil vem repelindo, eleição após eleição, desde 2016.

Recorde-se, porque aparentemente o País esqueceu, que Lula da Silva comanda com mão de ferro um partido que protagonizou os maiores escândalos de corrupção da história nacional. Digam o que disserem os advogados dos “guerreiros do povo brasileiro”, como os petistas condenados foram chamados por seus correligionários, o fato é que bilhões foram desviados da Petrobrás e de outras fontes para financiar o projeto autoritário de poder lulopetista.

Recorde-se ainda que Lula da Silva recuperou seus direitos políticos não por ter sido absolvido das cabeludas acusações de corrupção que pesam contra ele, mas porque o Supremo Tribunal Federal considerou que o ex-presidente não foi julgado em foro adequado e que o juiz que o condenou na primeira instância era suspeito. Ele não foi inocentado e os processos contra Lula continuam correndo.

O partido de Lula da Silva, ademais, estrelou a mais profunda crise econômica da história recente do País, fruto exclusivo da estatolatria lulopetista, desperdiçando histórica oportunidade para promover um salto no desenvolvimento nacional.

Ressalte-se que esse desastre se deu, sobretudo, no governo de Dilma Rousseff, criatura de Lula da Silva. O fato de que hoje o demiurgo de Garanhuns se esquece de citar Dilma em seus discursos, torcendo para que os brasileiros se esqueçam do terrível período entre 2011 e 2016, não faz da ex-presidente uma entidade etérea do folclore nacional, ao lado do saci-pererê e da mula sem cabeça.

Dilma Rousseff é bem real, e seu governo patrocinou um dramático retrocesso social, a despeito da propaganda oficial petista. Entre 2014 e 2016, enquanto seu governo festejava a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil, cresceu em 53% a fatia da população que vivia com renda inferior a um quarto de salário mínimo por mês, conforme dados do IBGE.

É essa impostura que o sr. Lula da Silva representa. O País já deveria ter entendido com quem está lidando, pois lá se vão quatro décadas desde a fundação do PT, mas aparentemente muitos eleitores ignoram ou relativizam as muitas evidências de que Lula da Silva representa o atraso e, já testado e reprovado, é incapaz de propor alternativas racionais e eficientes para tirar o Brasil de sua imensa e longa crise.

Mantido o cenário constatado pelo Datafolha, vislumbra-se ou um segundo turno entre Lula da Silva e Bolsonaro ou até mesmo uma vitória do petista ainda no primeiro turno, já que 54% declararam que não votarão no presidente de jeito nenhum e somente 24% aprovam seu governo.

É o pior dos mundos. Um segundo turno entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro oporia o atraso ao retrocesso, a indecência à imoralidade, a desfaçatez ao cinismo. É impossível que o desfecho de tal disputa resulte em algo positivo para o País, especialmente porque, em qualquer dos casos, o vencedor certamente aprofundará a discórdia entre os brasileiros.

A própria pesquisa, no entanto, indica que há uma boa chance de evitar tal desastre. No levantamento com respostas espontâneas – quando o eleitor cita o nome do candidato que lhe vem à cabeça –, 49% dos entrevistados dizem não saber em quem pretendem votar. Há, portanto, um imenso campo para que um candidato de centro, que defenda a responsabilidade na administração pública e resgate o diálogo político como a essência da democracia, possa se apresentar a esse significativo contingente de eleitores, cansados da gritaria petista e bolsonarista.

Discursos de ódio nas redes digitais

O Estado de S. Paulo

Com as redes sociais foram criadas condições para a proliferação da intolerância

A liberdade de expressão é um valor fundamental da democracia, mas não é absoluto. Expressões que atentem contra a própria liberdade de expressão ou outras liberdades fundamentais não podem ser toleradas. Como constatou o filósofo Karl Popper, a tolerância contém um aparente paradoxo: para que uma sociedade se mantenha tolerante, ela não pode tolerar a intolerância. O problema foi intensificado com a emergência das redes sociais.

O equilíbrio entre a liberdade de expressão e o combate à intolerância nas redes foi tema de um estudo do projeto Digitalização e Democracia da Fundação Getulio Vargas (FGV), com o propósito de subsidiar estratégias de enfrentamento aos desafios derivados do ambiente virtual.

A definição do discurso de ódio em si já é um problema de monta. Em sentido amplo, abrange desde ofensas como calúnia, injúria e difamação até o mero insulto. Em sentido estrito, são discursos que incitam à violência.

Guia de análise de discurso de ódio da própria FGV define discursos de ódio como “manifestações que avaliam negativamente um grupo vulnerável ou um indivíduo enquanto membro de um grupo vulnerável, a fim de estabelecer que ele é menos digno de direitos, oportunidades ou recursos do que outros grupos e indivíduos membros de outros grupos, e, consequentemente, legitimar a prática de discriminação ou violência”. A definição é relevante, por especificar um elemento distintivo em relação às meras manifestações depreciativas: a restrição de direitos, tanto pelo estímulo à discriminação quanto à agressão física.

Os discursos de ódio não foram inventados pelas redes digitais – eles são tão antigos quanto a humanidade –, mas elas criam condições inusitadas para a sua proliferação.

Do ponto de vista do comportamento dos usuários, a anonimidade remove barreiras de responsabilização e diminui a possibilidade de confronto entre o agressor e a vítima. Essa invisibilidade (a não presença visual do agressor e da vítima) facilita as agressões. Ao contrário das mídias tradicionais – pense-se, por exemplo, no tempo e dinheiro despendidos para produzir, imprimir e circular um panfleto –, as mídias digitais facilitam a hostilidade impulsiva, massiva e sem barreiras geográficas.

Do ponto de vista dos veículos, as condições também são peculiares: por um lado, as redes digitais não produzem conteúdo, e, portanto, não são responsabilizadas, como as mídias tradicionais, pelas manifestações dos usuários; por outro lado, não são espaços de discussão totalmente públicos e neutros, mas espaços privados, regulados por empresas que inclusive obtêm lucros com a interação dos usuários. Seus algoritmos, por exemplo, são programados não para promover mensagens verdadeiras ou virtuosas, mas sim as que geram mais visibilidade, funcionando como “câmaras de eco” – inclusive do ódio.

Tais características tornam mais complexo o debate entre pesquisadores, legisladores e a indústria de tecnologia em torno do combate ao discurso de ódio sem prejuízo à liberdade de expressão.

Alguns consensos parecem estar em vias de consolidação. Um deles é reduzir o alcance de perfis não verificados. Outro é reduzir o estímulo às performances públicas em favor de comunicações autênticas, por exemplo, restringindo a relevância de “likes” e “compartilhamentos” para a propagação das publicações, de modo que elas possam ser avaliadas pelos seus próprios méritos. A informação também pode ser qualificada por meio de mais mecanismos que alertem os usuários sobre conteúdos potencialmente tóxicos. Atualmente, há muito pouca transparência em relação aos algoritmos empregados pelas redes. Isso sugere a criação de grupos independentes de especialistas para auditarem os algoritmos de acordo com diretrizes de interesse público.

Seja pela autorregulação das próprias mídias digitais (um modelo privilegiado nos EUA), seja pela regulação do Estado (modelo privilegiado na Europa), o fato é que será preciso minimizar as condições que facilitam e estimulam o discurso de ódio.

Uma reforma para o crescimento

O Estado de S. Paulo

Manifesto da indústria defende reforma ampla dos tributos em vez de um processo fatiado

O Brasil poderá ganhar mais investimento produtivo, mais crescimento e mais emprego se for aprovada uma reforma tributária ampla, em vez de fatiada, argumentam dirigentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e de mais 35 entidades setoriais, em manifesto divulgado ontem. O documento é um alerta aos presidentes da Câmara e do Senado, defensores da mudança parcial – e em etapas – proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A solução defendida pelos líderes empresariais é mais próxima do texto apresentado pelo relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e baseado principalmente nas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110, já em tramitação no Congresso. 

Criar uma economia mais eficiente e mais competitiva é o objetivo central da solução valorizada pelos empresários. Seu manifesto reflete uma concepção de desenvolvimento com maior inserção no sistema internacional, maior geração de empregos e maior criação de oportunidades para os cidadãos. São ideias quase sempre ausentes das manifestações de um governo avesso ao planejamento e à elaboração de projetos para a economia real e para o desenvolvimento social.

Em recente reunião com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o ministro da Economia propôs uma reforma em etapas. Dois capítulos seriam iniciados na Câmara e dois no Senado e em seguida sua tramitação seria completada na outra Casa. Completado o processo, no entanto, o resultado final seria muito modesto, quando comparado com as necessidades do País e com o potencial de uma reforma bem mais ampla.

O governo propõe, para começar, a fusão do PIS e da Cofins numa Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Os governos estaduais poderão aderir, se quiserem, acrescentando a esse bolo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em outra etapa o Imposto sobre Produtos Industrializados será convertido num tributo seletivo sobre certos bens com “externalidades negativas”, como cigarros e bebidas. A mudança prosseguiria com a redução do imposto sobre o ganho empresarial e o aumento da cobrança sobre dividendos e ativos financeiros. O processo ainda envolveria uma nova renegociação com devedores de impostos federais.

Simplificar a tributação seria sem dúvida um avanço importante, mas a complexidade é apenas um dos defeitos do sistema brasileiro. A proposta governamental avança um pouco mais com a ideia de aliviar o imposto sobre o lucro e aumentar a cobrança sobre dividendos e ganhos financeiros. Mas é pouco ambiciosa quanto à correção do sistema.

A tributação brasileira, além de injusta, é disfuncional, porque encarece a produção e o investimento produtivo. Não há como eliminar ou reduzir esses problemas sem mexer no ICMS, o mais importante tributo estadual. A proposta do relator da reforma tributária vai mais longe, ao prever a fusão do ICMS e de tributos federais num imposto sobre o valor agregado, semelhante àquele encontrado em países desenvolvidos. Não tem sentido, segundo o deputado Aguinaldo Ribeiro, insistir em tratar separadamente os tributos cobrados em cada nível de governo pelos entes federativos.

Esse ponto de vista é sustentado também pelos signatários do manifesto. “A avaliação da reforma tributária deve ser feita”, segundo o documento, “com base nos ganhos a serem obtidos pelo país como um todo, sem se limitar a uma visão parcial dos efeitos sobre determinados setores ou entes da federação.”

Segundo estudos citados no manifesto, uma reforma tributária ampla poderá elevar em até 20% a taxa de crescimento econômico nos próximos 15 anos. A reforma, observam os autores do texto, proporcionará esses benefícios por meio do aumento da competitividade internacional e da melhor alocação de recursos. Esse é o tipo de reforma defendido há muitos anos por estudiosos e empresários conhecedores do tema. Mas essas ideias foram ignoradas pelo governo e pelos dirigentes da Câmara e do Senado. Ainda há tempo de evitar um novo erro.

Novo regimento da Câmara é retrocesso em toda linha

Valor Econômico

Uma Câmara regida pelo Centrão demonstra que o todo pode ser ainda pior do que a soma de suas partes

O deputado Arthur Lira tem pressa em obter os instrumentos que lhe deem, e a seus aliados, o controle seguro das votações que passam pela Câmara dos Deputados. Para isso, precisava limitar o espaço da oposição, e foi isso que fez em grande velocidade ao obter a aprovação da mudança do regimento interno da Casa, ontem, por 337 votos a favor e 110 contrários. Não se trata só de uma disputa de poder corriqueira no Legislativo. O apoio do presidente Jair Bolsonaro à ascensão de Lira e a promessa de Lira de admitir alguns dos projetos nefastos do governo indicam o tamanho da regressão que está a caminho.

O regimento interno sempre pode ser aperfeiçoado para dar mais objetividade e profundidade aos trabalhos. Lira e o autor do projeto, deputado Eli Borges (Solidariedade-TO) estão mais interessados, no entanto, na celeridade e na sujeição da minoria. A lentidão das votações nunca foi um problema, a rigor. Já se aprovaram propostas de emenda constitucional em um par de dias, ou menos. O objetivo é reduzir o papel da oposição e as maneiras pelas quais ela pode influir no essencial debate parlamentar, seja por meio da discussão de suas posições, seja pela obstrução, forma eficiente de atrair a atenção da opinião publica para a importância de alguns projetos.

A reforma do regimento é ampla e segue a lógica do rolo compressor. Uma das principais mudanças visa impedir a votação nominal em prol da votação simbólica, onde os votos são contados pelo número de mãos levantadas pelos deputados no plenário. A norma fere a essência da relação entre representantes e representados, dificultando aos últimos conhecer que posições políticas e projetos defenderam os primeiros.

O novo regimento, ao eliminar o prazo fixo de duração das sessões deliberativas e ordinárias, acaba com a chance de a oposição reapresentar suas propostas e requerimentos de adiamento da discussão dos projetos em pauta.

A redução da possibilidade de influenciar o debate se amplia ao cercear os destaques apresentados pelos deputados, que passarão a ser admitidos só se os líderes, por unanimidade, concordarem com eles.

Os projetos de urgência urgentíssima terão caminho desobstruído para prosperar. Se seu status de urgência for aprovado e colocado em votação na mesma sessão (que não tem mais duração definida) não será mais admitida a apresentação de requerimento de sua retirada de pauta. Se todos os pareceres já tiverem sido dados, também não será mais possível apresentar requerimento de retirada da pauta.

Em prol da celeridade, chega-se agora a permitir que a votação de uma matéria poderá ocorrer apenas 10 minutos depois de o parecer do relator em relação a emendas do plenário estiver disponível no sistema da Câmara. A possibilidade de apresentar emendas aglutinativas, o ajuste de textos antes existentes sobre um projeto durante a tramitação, dando-lhe nova redação, foi muito restrita. As novas regras aumentam de um décimo para maioria absoluta, 257 deputados, a representação dos líderes de partidos que as assinarem para que possam ser admitidas.

Antes, o plenário precisaria concordar com o início de uma votação antes que as orientações de bancada fossem encerradas. Não mais. Apesar de dobrar o número de deputados a debater um projeto, de seis para doze, o tempo que os partidos terão para expor suas posições será reduzido de um minuto para 30 segundos.

Um consolo para os partidos de oposição é que o novo regimento poderia ser ainda pior. Uma concessão deixou de fora a ideia de permitir a votação de todos os destaques de uma só vez, colocando alhos e bugalhos no mesmo saco e jogando-o fora. Ainda que o velho regimento pudesse conter bizarrices, o sentido das mudanças é o de que o tempo para discussão das futuras leis que regerão o país vai diminuir, piorando sua qualidade, que já era muito ruim.

As modificações não vieram com rapidez, e agora, à toa. O último projeto aprovado pela norma antiga foi o da restrição avantajada da necessidade de licenciamento ambiental, adicionando novo prejuízo à já horrível imagem do país. Mas vem muita coisa ruim por aí. Por exemplo: Lira instalou ontem a comissão especial para a PEC do voto impresso. A comissão que examina as mudanças das regras eleitorais funciona a toque de caixa para desfigurar ainda mais um sistema de representação cheio de falhas, trazendo de volta vícios que foram eliminados.

Uma Câmara regida pelo Centrão demonstra que o todo pode ser ainda pior do que a soma de suas partes. O retrocesso é evidente.

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