sábado, 15 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Por que Pazuello tenta se esquivar da CPI da Covid?

O Globo

Em quase 15 meses de pandemia, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi figura central na política do governo Bolsonaro para combater o novo coronavírus — esteve à frente do ministério de 16 de maio de 2020 a 23 de março deste ano, quando, após gestão desastrosa, foi substituído por Marcelo Queiroga. Não é razoável que Pazuello use todos os artifícios para evitar a CPI da Covid, que investiga ações e omissões que levaram o Brasil a superar a marca dos 430 mil mortos.

O depoimento de Pazuello está marcado para o dia 19, mas, ontem, atendendo a pedido da AGU, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, concedeu habeas corpus para que Pazuello possa ficar em silêncio sempre que entender que não precisa responder a perguntas da CPI. A defesa dele temia que as declarações pudessem ser usadas no inquérito que investiga o colapso em Manaus, aberto pelo STF e remetido à primeira instância depois de ele ter perdido foro privilegiado.

Inicialmente, o depoimento estava agendado para 5 de maio, mas Pazuello o desmarcou na véspera. Alegou ter tido contato com dois assessores que testaram positivo para Covid-19. A desistência provocou críticas na comissão, mas, por deferência ao ex-ministro, os senadores abdicaram de pedir o exame de Covid-19. Porém se surpreenderam ao saber que a quarentena só valia para a CPI. Dois dias depois, ele recebeu no hotel onde estava hospedado o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência.

Pazuello, que chegou a ser treinado pelo Planalto para enfrentar a CPI, teria muito a esclarecer. A começar pela aquisição de vacinas. Há um consenso de que a atual escassez é decorrente da inépcia para garantir as doses no ano passado. Na quinta-feira, o depoimento do ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo expôs a negligência do governo, ao revelar que, desde maio de 2020, a farmacêutica fez ao menos cinco propostas que foram recusadas. Em agosto, ofereceu 70 milhões de doses — e não 6 milhões, como dissera Pazuello ao Senado — para entrega, de forma escalonada, a partir de 2020. Mas o contrato só foi assinado em março deste ano. Murillo afirmou ter tido apenas dois contatos com Pazuello, o primeiro só em novembro.

O depoimento seria importante também para jogar luz sobre o colapso em Manaus, onde pacientes morreram por falta de oxigênio. Pazuello até hoje não conseguiu dizer quando foi informado de que os estoques eram críticos. Precisa dar respostas ainda sobre a cloroquina. Um de seus primeiros atos como ministro foi ampliar o uso do medicamento para o tratamento da Covid-19, embora a droga seja comprovadamente ineficaz contra a doença, além de causar efeitos adversos graves. Teria de explicar também quem deu a ordem para que o Exército produzisse cloroquina aos borbotões, desperdiçando recursos públicos.

É certo que o depoimento de Pazuello, numa comissão em que o governo é minoria, não agrada ao Planalto. Qualquer deslize poderia respingar em Bolsonaro, e a situação até agora não é nada favorável ao presidente. Mas, em vez de tentar se esquivar da CPI, Pazuello deveria ajudar a esclarecer um dos momentos mais sombrios da história do país. É legítimo que se queira saber o que nos levou à calamidade, e Pazuello é peça-chave no quebra-cabeça. Afinal, tem medo de quê?

 Israelenses e palestinos deixaram de educar nova geração para a paz

O Globo

O fato mais relevante no novo conflito entre israelenses e palestinos não é o alcance maior dos foguetes lançados pelo Hamas sobre Israel, nem a reação com bombardeios e o contra-ataque a Gaza. Tudo isso repete o padrão anterior. A novidade está na revolta que irrompeu dentro do próprio território israelense, em cidades como Lod, Ramla, Jaffa, Acre ou Haifa, onde tradicionalmente sempre houve convívio pacífico entre judeus e árabes com cidadania israelense.

Depois da morte de um árabe de 25 anos, jovens de Lod promoveram uma onda de saques, incêndios e agressões a alvos judaicos. O presidente de Israel, Reuven Rivlin, comparou os ataques a pogroms. Em Bat Yam, subúrbio de Tel Aviv, extremistas judeus depredaram lojas árabes, lincharam um motociclista palestino e até um judeu que confundiram com um árabe. Cenas semelhantes se repetiram em Acre, Haifa e Tiberíades. A rebelião interna aguça a tensão que culminou na revolta contra o despejo de quatro famílias palestinas em Jerusalém Oriental, pretexto para o Hamas voltar ao ataque. Em ambas as populações, árabe e judaica, a juventude extremista reage com violência.

Os envolvidos nasceram depois das históricas negociações que, em 1993, trouxeram a esperança de paz com dois estados independentes. Os choques são a prova do fracasso em educar, dos dois lados, a nova geração para a paz e o convívio mútuo. Em vez disso, o ódio infiltrou até as áreas que sempre pareceram imunes ao conflito étnico.

Para os palestinos, a experiência de autonomia fracassou. À corrupção endêmica da Autoridade Palestina (AP), se alia a sujeição à política expansionista de Israel, que jamais abriu mão de colonizar vastos setores da Cisjordânia, com ambição de integrá-los a seu território. Gaza, devolvida pelos israelenses em 2005, tornou-se bastião de extremistas islâmicos que, embora sustentados pelo Irã, têm na redução do poder da AP um interesse comum com o governo de Benjamin Netanyahu. O líder da AP, Mahmoud Abbas, viu-se obrigado a cancelar eleições marcadas para este ano, por temer derrota para o Hamas também na Cisjordânia.

Em Israel, há 12 anos Netanyahu tenta a todo custo evitar um estado palestino explorando a divisão entre Hamas e AP. Político hábil, equilibra-se entre as facções da política israelense, dribla escândalos de corrupção e faz malabarismos para manter o poder. Antes do conflito, estava prestes a perder o cargo para uma coalizão que, pela primeira vez, levaria partidos árabes ao governo israelense, consolidando a democracia e apontando um novo caminho ao país.

Agora, tudo ficou em suspenso, enquanto ressurge o espectro da separação étnica, alimentado por extremistas islâmicos e judeus. “Israel não pode reivindicar vitória”, diz o ex-chanceler israelense Shlomo Ben-Ami. “A coexistência frágil de judeus e árabes dentro de suas fronteiras foi abalada. O consenso predominante entre israelenses de que o nacionalismo palestino fora derrotado — e de que não seria necessária uma solução política ao conflito — está em frangalhos.” Deixar de educar para a paz não daria noutra coisa.

Por mais discussão

Folha de S. Paulo

Licença ambiental pode ser aperfeiçoada, mas texto da Câmara desfaz controles

O observador desavisado poderia enxergar no marco do licenciamento ambiental aprovado na quinta (13) pela Câmara um passo para a desburocratização. Seria preciso desconhecer, contudo, a agenda ecocida do governo Jair Bolsonaro e os interesses dos setores agrícolas mais retrógrados.

Não que o trâmite atual das licenças seja alguma maravilha. Desde antes da nomeação de Ricardo Salles para amputar as garras da fiscalização do Ministério do Meio Ambiente, o processo era excessivamente moroso, não raro onerando empreendedores sem claro benefício para a saúde da natureza ou da população. Agora, colapsa.

A modernização era imperativa. Além de aparar eventuais excessos nos regulamentos, ela deveria privilegiar reforço de recursos humanos, capacitação e equipamentos do Ibama, bem o oposto do que Salles e Bolsonaro fazem.

Com o braço fiscalizador do Estado manietado, a isenção do licenciamento para ampla gama de atividades, do agronegócio à infraestrutura, constitui medida temerária.

Na prática, o país corre risco de retroceder aos desatinos da ditadura militar, em que a expansão de estradas, usinas, minas e monocultura deflagrou uma frente de devastação —sobretudo na Amazônia— ainda hoje mal controlada.

No contexto atual, a autodeclaração de ausência de impacto ambiental, que o texto pretende instituir, tende a ser entendida como carta branca para desmatar, poluir e atropelar comunidades que se encontrem na rota de grileiros, garimpeiros, pecuaristas sem compromisso com o aumento da produtividade e empreiteiras de olho em obras faraônicas.

Não seria outro o objetivo de incluir no projeto aprovado a dispensa de consulta a populações indígenas, quilombolas e administradores de unidades de conservação porventura na área de influência dos empreendimentos.

Parlamentares descumprem assim compromissos com transparência e controle social, como de resto fizeram ao não publicar o texto que entraria em votação.

O imediatismo oportunista custará caro ao Brasil, não só em perda de biodiversidade e qualidade de vida; a repercussão entre investidores e importadores de produtos nacionais pode ser negativa.

Bolsonaro parece acreditar que engana o mundo falando de sustentabilidade em reuniões de cúpula enquanto seu governo e o Congresso desfazem o que resta de governança ambiental no país.

Noticia-se um movimento no Senado para submeter o projeto irresponsável da Câmara de Arthur Lira (PP-AL) a audiências públicas. Antes tarde que nunca.

Inflação americana

Folha de S. Paulo

Volta da aceleração de preços nos EUA traz novos riscos para a economia mundial

Com alta de 0,77% em abril e 4,2% nos últimos doze meses, a inflação assusta nos Estados Unidos. Embora a taxa não pareça tão ameaçadora para padrões brasileiros, quando se trata do centro financeiro mundial o impacto é marcante.

A variação em um ano foi a maior desde setembro de 2008 e se estendeu além dos itens voláteis, como alimentos e energia. O chamado núcleo da inflação, que exclui esses componentes, subiu ainda mais no mês passado, 0,92%, e indica pressões mais amplas.

Por certo há elementos temporários, derivados da reabertura da economia americana, que vai ganhando velocidade. Passagens aéreas, hotelaria e parte dos serviços, por exemplo, foram afetadas pelo súbito aumento de demanda, que permite às empresas recompor margens de lucro perdidas durante a pandemia.

Mas há riscos que podem ser mais duradouros, derivados de insuficiência de insumos e problemas logísticos. A pandemia alterou os padrões de consumo, e levará tempo até um novo equilíbrio.

Enquanto isso, no mercado de trabalho também aparecem as evidências de crescimento desbalanceado. Mesmo com criação de vagas menor que a esperada no mês passado e ampla ociosidade no mercado de trabalho, a inflação salarial também vem subindo. O pacote de gastos públicos do presidente Joe Biden, ademais, tende a apressar a volta do emprego.

A alta da inflação assusta porque pode obrigar o Federal Reserve, o banco central americano, a reduzir estímulos mais cedo.

A autoridade monetária sugere que a taxa de juros permanecerá próxima de zero até 2023, mas, se a inflação subir muito além dos 2% de forma sustentada e a economia voltar rapidamente ao pleno emprego, o quadro poderá ser outro.

Por ora, o Fed sugere que considera as pressões como temporárias e ainda há amplo espaço para a criação de vagas de trabalho. Da mesma forma que a pandemia levou a colossais estímulos fiscais e monetários, porém, a saída da crise poderá trazer novos desafios.

A inflação permaneceu dormente nas últimas duas décadas, o que permitiu uma queda estrutural nos juros globais. O risco hoje é que o Fed, otimista, deixe a economia superaquecer e depois tenha de pisar bruscamente no freio.

Nessa hipótese,a exuberância dos mercados de ações, imóveis e ativos em geral será abalada. Um cenário de crise financeira ainda parece distante, mas o grau de incerteza se tornou mais alto que o usual.

Esqueletos, impostos e reforma

O Estado de S. Paulo

Decisão do STF sobre PIS/Cofins é mais um esqueleto bilionário que vai complicar muito a gestão das contas da União

Mais um esqueleto bilionário vai complicar a gestão, já muito difícil, das contas da União. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pode impor ao Tesouro um custo de R$ 258,3 bilhões, segundo estimativa provisória. Em mais uma derrota para o governo, a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins passará a valer a partir de 2017, quando essa alteração foi sacramentada pela Corte. A mudança afeta duplamente as finanças públicas. Além de reduzir a base de arrecadação do poder central, possibilita às empresas beneficiadas a cobrança de uma vultosa compensação.

Duas derrotas foram impostas ao governo. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional defendia a vigência da nova regra a partir do julgamento encerrado na última quinta-feira. Mas a alteração passa a valer a partir da decisão anterior, de 15 de março de 2017. Além disso, o governo reivindicava uma alteração mais branda, com desconto do ICMS efetivamente pago pelas empresas depois do abatimento de créditos fiscais. Mas, pela decisão do STF, deve-se descontar o ICMS destacado na nota fiscal.

Especialistas ainda poderão examinar e discutir minúcias técnicas da nova decisão do tribunal, mas o resultado mais importante desse processo é muito simples. Ao retirar o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, a Justiça extingue uma anomalia, a cobrança de tributo sobre tributo. Aberrações desse tipo deveriam ter desaparecido há muito tempo. Afinal, eliminar a tributação cumulativa foi uma das bandeiras da grande reforma posta em vigor em 1967.

Lançado naquela época, o novo tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM, depois convertido em ICMS), foi inspirado em novo modelo europeu. Em cada etapa da circulação – ao longo da transformação industrial, por exemplo – o imposto deveria incidir apenas sobre o valor adicionado, eliminando-se do valor de referência o tributo recolhido na fase anterior. O princípio deveria valer para todo o sistema, incluído o recém-criado Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cobrado e administrado pela União.

A reforma de 1967 foi enorme avanço, mas o novo sistema sempre carregou defeitos. Alguns foram reparados. Outros permaneceram. Além disso, uma falha original deu origem a muitos problemas. Na Europa, o imposto sobre valor adicionado (IVA), modelo do ICM, era cobrado pelo poder central e depois distribuído aos governos subnacionais. No Brasil, a competência estadual sobre esse tipo de imposto deu espaço a enormes distorções.

A mais notável foi a guerra fiscal, praticada por meio da concessão de benefícios para atração de empresas e de investimentos privados. Essa distorção deu origem a outras, favorecendo, por exemplo, decisões de investimento baseadas estritamente, ou quase, na expectativa de facilidades tributárias. Estados prejudicados buscaram solução no STF, mas as decisões eram demoradas ou ineficazes.

As características principais do tributo estadual foram mantidas na Constituição de 1988, com extensão da incidência a serviços (daí a alteração do nome para ICMS). Também se manteve um defeito importante: na exportação, só bens industrializados ficaram isentos – um erro enorme, especialmente num país exportador de grandes volumes de produtos agropecuários e minerais. Com demora, essa falha foi pelo menos atenuada.

O problema da tributação de exportações nunca se resolveu completamente, porque sempre sobraram créditos acumulados. Da mesma forma, problemas de incidência nos investimentos e na produção nunca foram atacados de forma satisfatória. Qualquer reforma séria levaria em conta essas questões jamais superadas – o peso dos tributos sobre a produção e sobre a formação de capital, a incidência sobre a exportação, as complicações associadas à competência estadual, o efeito regressivo da tributação do consumo, etc. Não há como cuidar dessas questões sem pensar em todo o sistema. Esta exigência foi ignorada pelo atual governo e por seus aliados, comprometidos com uma reforma parcial, fatiada e miseravelmente ineficaz.

O desmonte do conhecimento

O Estado de S. Paulo

Áreas de ensino, ciência e pesquisa não têm prioridade no governo Bolsonaro

Se em seus primeiros meses o governo Bolsonaro começou relegando para segundo plano as áreas de ensino, ciência e pesquisa, contingenciando verbas e bloqueando recursos, com o advento da pandemia e da crise econômica por ela deflagrada a situação se agravou ainda mais, tornando-se dramática. 

No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a redução do orçamento obrigou o órgão a financiar em 2021 somente 13% das 3.080 bolsas de pós-graduação e pós-doutorado que já haviam sido aprovadas. A informação foi divulgada recentemente pelo próprio órgão, deixando a comunidade científica perplexa. Já a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) perderá neste ano quase um terço do que recebeu em 2019. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) também sofreu cortes drásticos, segundo levantamento da Academia Brasileira de Ciências, da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). Essas entidades também lembraram que o orçamento previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), em 2021, equivale a menos de um terço do que foi repassado uma década atrás. 

No ensino superior, as universidades federais enfrentam graves dificuldades para pagar despesas de custeio, como água, energia e segurança, não dispondo também de recursos para manter pesquisas em andamento. Por causa dos cortes, o orçamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) voltou ao patamar de 2008, quando tinha 20 mil alunos. Hoje ela conta com mais de 36 mil alunos, dos quais 8,5 mil são apoiados por programas de ações afirmativas. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o reitor Marcus David informou que as atividades de ciência e tecnologia estão “acabando” na instituição. 

Já na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Reitoria anunciou que o orçamento aprovado para 2021 equivale ao do exercício de 2010 e alegou que a redução de recursos orçamentários, conjugada com contingenciamentos, está levando à “destruição” da instituição. A reitora Denise de Carvalho e o vice-reitor Carlos Rocha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicaram artigo no jornal O Globo alertando para o risco de a instituição “fechar as portas” a partir de julho. “A universidade está sendo inviabilizada”, concluíram. 

Outra instituição importante, a Universidade de Brasília (UnB) distribuiu nota lembrando que “a redução crescente dos recursos, associada a bloqueios e contingenciamentos, prejudica a execução do planejamento da instituição. A política de contínua redução orçamentária trouxe dificuldades e desafios nunca antes vivenciados”. Por seu lado, o MEC lamenta a redução dos recursos da rede federal de ensino superior e informa que não tem medido esforços no Ministério da Economia para tentar “uma recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias das instituições federais de ensino superior” e obtido um repasse que, apesar de pequeno, garante a elas algum fôlego financeiro para os próximos meses. 

Independentemente desses esforços, a situação em que as áreas de ensino, ciência e pesquisa se encontram não se deve apenas à crise econômica. Ela trouxe inúmeros problemas, não se pode negar. Mas a verdade é que as dificuldades enfrentadas por essas três áreas decorrem do fato de elas jamais terem sido consideradas prioritárias desde o início de um governo que não sabe o que é planejamento e não tem noção de futuro. 

Determinado por razões políticas e ideológicas no início do governo, o desinvestimento no CNPq, na Capes e nas universidades federais vem, paradoxalmente, ocorrendo no momento em que o Brasil mais necessita de pesquisadores e universidades trabalhando a pleno vapor. Por isso, atribuir a asfixia financeira do ensino, da ciência e da pesquisa às dificuldades econômicas causadas pela pandemia, como as autoridades educacionais vêm fazendo, é mais do que escamotear a verdade. É um crime praticado contra os cidadãos e as futuras gerações. 

Liberdade e lei da selva

O Estado de S. Paulo

Discurso de Jair Bolsonaro que recusa os limites da civilização é sedutor

O presidente Jair Bolsonaro faz da irresponsabilidade seu principal ativo eleitoral. Convida os brasileiros a ignorar leis, normas de convivência democrática e restrições características da civilização. Apresentando-se como protetor da liberdade, é na verdade um intrépido campeão da lei da selva.

É com esse espírito que, em meio a uma pandemia que já causou mais de 430 mil mortes, Bolsonaro provoca aglomerações quase todos os dias, garante que as Forças Armadas (“meu Exército”, como diz o presidente) jamais obrigarão os cidadãos a ficar em casa e qualifica de “ditadores” os governadores e prefeitos que adotaram medidas restritivas para conter a contaminação.

Há poucos dias, Bolsonaro chegou a anunciar que tem “pronto” um “decreto” para impedir que Estados e municípios continuem a determinar restrições de movimento no enfrentamento da pandemia. Ninguém no governo sabe da existência do tal “decreto”, que ademais seria inconstitucional – o Supremo Tribunal Federal já esclareceu, logo no início da pandemia, que, conforme o princípio federativo inscrito na Constituição, a União pode legislar sobre o combate à pandemia, desde que respeite a autonomia dos demais entes subnacionais.

A esta altura, já está claro que a Constituição mencionada pelo Supremo não é a mesma que Bolsonaro diz prestigiar. O presidente informou que seu “decreto” nada mais é que “a cópia dos incisos do artigo 5.º da Constituição, que todos nós juramos defender”, em referência ao artigo sobre direitos fundamentais. Explicou que “o nosso direito de ir e vir é sagrado, a nossa liberdade de crença e trabalho também”, razão pela qual “não se justifica, daqui para frente, depois de tudo o que nós passamos, fechar qualquer ponto do nosso Brasil”. Por fim, disse que “aquele que abre mão de parte da liberdade em troca de segurança, por menor que seja, acaba no futuro sem liberdade e segurança”, e arrematou: “Preferimos morrer lutando a perecer em casa”.

É evidente que a exegese constitucional de Bolsonaro é esdrúxula, condizente não com o espírito da Carta, mas com uma visão distorcida sobre os direitos e a liberdade.

Não se trata de ignorância. Bolsonaro já foi informado diversas vezes, da maneira mais didática possível, que são absolutamente legais as medidas adotadas por Estados e municípios, e mesmo assim as classifica como inconstitucionais. Ou seja: o presidente decidiu, de forma deliberada e pública, ignorar a Constituição que ele jurou respeitar e, no lugar dela, inventou um texto constitucional que expressa não um pacto democrático, mas a utopia da ausência total de limites.

Na condição de presidente da República, Bolsonaro deveria saber que, num Estado Democrático de Direito, não há direito absoluto. Mas Bolsonaro resolveu proclamar a prevalência do que entende ser liberdade sobre qualquer outro direito – anunciando, inclusive, que seus eleitores, a quem chama de “povo”, estão dispostos a morrer por ela.

Essa liberdade absoluta que os bolsonaristas reivindicam nada tem a ver com a liberdade característica da democracia. É, ao contrário, a expressão do estado de natureza de que nos falava Hobbes – estágio primitivo em que todos se julgavam soberanos de si mesmos e, portanto, no direito de fazer o que bem entendessem. O desejo era a lei.

Os bolsonaristas, portanto, recusam a civilização, que se traduz pela imposição de limites legais e morais nos mais diferentes aspectos da vida em sociedade. É um discurso extremamente sedutor para os que atribuem seus problemas e fracassos a decisões políticas tomadas no âmbito de uma democracia em que não se sentem representados.

Bolsonaro surge assim como o líder dessa massa de descrentes da democracia. Sua irreverência pelas leis – pilota moto sem capacete, não usa máscara onde é obrigatório, ignora restrições municipais contra aglomerações – é ato político deliberado: serve para manifestar desprezo pelas instituições democráticas, sinalizando a seus seguidores que estão livres para fazer o que bem entenderem, sem qualquer freio. Desde é claro que ele mande e os outros obedeçam.

É a barbárie.

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