segunda-feira, 17 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Um jovem exemplar

O Estado de S. Paulo

Bruno Covas mostrou-se à altura das melhores tradições paulistanas, que valorizam o trabalho, a cooperação e o diálogo, tudo isso temperado pelo orgulho de viver nesta cidade que é o mundo

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, morreu ainda no início de sua trajetória política, mas isso não impediu que esse jovem quadro do PSDB desse muitas lições inclusive para os veteranos que parecem ter esquecido qual é a verdadeira missão dos homens públicos.

Aos 41 anos, enfrentou com relativo sucesso o desafio de governar a maior cidade do País e uma das maiores do mundo em meio a uma pandemia e a sérias restrições orçamentárias, tudo isso diante de problemas crônicos da gigantesca metrópole.

A morte precoce não impediu que Bruno Covas gravasse seu nome na história da cidade. Mostrou-se à altura das melhores tradições paulistanas, que valorizam o trabalho, a cooperação e o diálogo, tudo isso temperado pelo orgulho de viver nesta cidade que é o mundo.

Mesmo seus mais críticos adversários reconhecem em Bruno Covas a disposição para a verdadeira política – aquela em que as eventuais diferenças ideológicas não são encaradas como obstáculos intransponíveis, mas como expressões legítimas de distintas visões de mundo. 

O prefeito vinha fazendo sua carreira firmemente apegado à ideia de que a política não é briga de rua, e sim colaboração em nome de ideais superiores, tal como se comportava seu avô, o governador Mario Covas – que não pestanejou em manifestar apoio a Lula da Silva quando este disputou o segundo turno da eleição presidencial contra Fernando Collor em 1989, e que se juntou à candidata petista Marta Suplicy na disputa à Prefeitura de São Paulo contra Paulo Maluf em 2000.

Foi dessa maneira, aliás, que Bruno Covas tentou resgatar os valores do antigo PSDB, partido que fez história com a Presidência de Fernando Henrique Cardoso, levando ao Palácio do Planalto, vitrine para o Brasil, o compromisso com a responsabilidade fiscal e com a modernização do Estado. Hoje perdido entre projetos de quem coloca suas ambições pessoais à frente dos imperativos históricos do partido, o PSDB vem perdendo musculatura moral para voltar a ser protagonista da política. Bruno Covas era uma brisa de ar fresco em meio a essa atmosfera pesada.

O prefeito reconheceu o valor dos veteranos políticos tucanos que foram sendo deixados de lado em nome de uma ideia totalmente equivocada de competitividade eleitoral e de renovação partidária. Fez questão de acompanhar o ex-presidente FHC quando este foi votar na eleição para a Prefeitura, no ano passado. Um contraste e tanto com a posse do governador tucano João Doria em 2019, que não foi prestigiada por nenhum dos antigos dirigentes tucanos – nem por Bruno Covas, que assumira a Prefeitura no lugar de Doria.

A renovação que Bruno Covas pretendia liderar era, portanto, de outra natureza. Significava não a destruição do passado social-democrata, tampouco uma guinada à direita reacionária, e sim a atualização da plataforma política que se constituíra, no passado, como alternativa política e eleitoral consistente.

Ao mesmo tempo, Bruno Covas demonstrou notável determinação para enfrentar as muitas crises que se apresentaram durante sua curta passagem pela Prefeitura. Já em 2018, quando mal assumira o cargo, Bruno Covas teve que encarar o pandemônio causado pela greve dos caminhoneiros. Montou um gabinete de crise, decretou estado de emergência e providenciou combustível para abastecer veículos de prestação de serviços. Apesar de tudo, a cidade não parou.

Mas a pandemia foi o grande teste, do qual o prefeito saiu-se relativamente bem – a ponto de ter sido este um dos trunfos de sua vitoriosa campanha à reeleição. É evidente que a Prefeitura cometeu vários erros, e a cidade foi submetida a restrições muitas vezes confusas, sobretudo em áreas críticas, como a educação. Mas não se pode negar que Bruno Covas jamais se furtou de sua responsabilidade e sempre teve coragem de assumir publicamente seus atos, por mais impopulares que fossem.

Era, principalmente, honesto e sereno – qualidades singelas que andam escassas na embrutecida política brasileira. Que sua morte sirva para lembrar que a política pode voltar a ser assim.

O limite da obstrução parlamentar

O Estado de S. Paulo

Para o bem do livre debate na Casa, a mudança no regimento foi menos gravosa

Logo após a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara dos Deputados, parlamentares alinhados ao governo de Jair Bolsonaro começaram a articular mudanças no regimento interno da Casa com vista a limitar a atuação da oposição. A articulação, com o apoio ostensivo de Lira e do próprio Palácio do Planalto, frutificou. No dia 12 passado, a Câmara aprovou, por 337 votos a 110, o Projeto de Resolução 84/2019, de autoria do deputado Eli Borges (Solidariedade-TO), que muda as regras de funcionamento das sessões legislativas e, na prática, reduz as ferramentas que compõem o chamado “kit obstrução”. A alteração regimental já está em vigor.

Para o bem do livre debate no Parlamento, atributo primordial em qualquer democracia saudável, o texto promulgado foi menos gravoso do que poderia ter sido caso prevalecesse o teor da proposta original dos deputados bolsonaristas, muito mais restritiva à atuação de parlamentares que hoje estão na oposição. É sempre bom lembrar que os assentos da situação e da oposição em um Parlamento são mutáveis. As regras para a atuação parlamentar, no entanto, devem ser perenes, além de privilegiar a livre manifestação de todos os representantes da sociedade. Afinal, não é outra a natureza de uma Câmara Baixa.

O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), foi incumbido por Lira de negociar um texto consensual, ao final aprovado, entre seus colegas alinhados ao governo e os da oposição. Assim, chegou-se a uma solução mais equilibrada, ainda que, ao fim e ao cabo, a atuação das minorias tenha, de fato, sido limitada.

Pelo novo texto regimental, não há mais limite de tempo para uma sessão legislativa. É prerrogativa do presidente da sessão estendê-la sempre que julgar necessário. Até então, cada sessão de votação tinha duração máxima de seis horas. Expirado este prazo, uma nova sessão tinha de ser aberta, dando reinício a todo o rito parlamentar – verificação de quórum, abertura de tempo para articulações, orientação de bancadas pelos seus líderes, entre outras medidas. Não raro, os parlamentares que pretendiam retardar a aprovação de determinado projeto que julgavam ser prejudicial aos seus interesses ou aos de seus constituintes se ausentavam do plenário e, assim, impediam a deliberação por falta de quórum. 

Após a mediação de Ramos, ficou acertado que uma sessão legislativa só poderá ser suspensa uma vez pelo prazo máximo de uma hora, após o qual será encerrada automaticamente e só poderá ser convocada para outro dia. Parlamentares da oposição receavam que as sessões pudessem ser retomadas a qualquer tempo, a depender da vontade do presidente da sessão.

“A modernização do regimento interno vai qualificar o debate e aumentar – ao invés de diminuir – o tempo de discussão das matérias. Mas, simultaneamente, irá impedir a banalização da obstrução, um legítimo direito das minorias”, escreveu Arthur Lira no Twitter. De fato, uma coisa é “modernizar” as regras das sessões legislativas; outra, muito distinta, é cercear a livre manifestação da oposição. As obstruções são um instrumento indispensável para que as minorias parlamentares tenham voz no debate democrático e, afinal, na alternância no poder.

Outra mudança aprovada – e ponto mais controvertido do Projeto de Resolução – é o fim dos requerimentos de retirada de pauta em uma mesma sessão, ou de adiamento dos debates, quando o plenário aprovar a urgência de determinado projeto. Parlamentares da oposição, como Ivan Valente (PSOL-SP), viram na medida uma ação para silenciar opiniões contrárias aos interesses do Palácio do Planalto. “Em vinte anos de mandato, este é o maior golpe (que vejo) contra a minoria parlamentar, um atentado contra a democracia interna (da Câmara)”, disse o parlamentar.

O estranho Brasil do Copom

O Estado de S. Paulo

Estagnação e inflação já estão combinadas, mas diretores do BC parecem ignorá-las

O Brasil, acredite quem quiser, tem tido uma evolução econômica melhor que a prevista, segundo os diretores do Banco Central (BC). Ou essa previsão era muito negativa, mesmo depois do tombo de 4,1% em 2020, ou a avaliação é baseada em dados misteriosos, ainda inacessíveis à maior parte dos brasileiros. Os dados da indústria, do varejo e do emprego mostram uma economia ainda emperrada, sem o vigor observado na recuperação ocorrida de janeiro a dezembro. Mas essa e outras avaliações surpreendentes aparecem na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. No primeiro trimestre deste ano – apenas para dar um indício – o comércio varejista vendeu em média 0,1% menos que nos três meses finais de 2020 e 0,6% menos que no período de janeiro a março do ano passado. Qual seria a expectativa do Copom, formado por diretores do BC?

Outro detalhe estranho – e até surpreendente – aparece quando se mencionam, poucos parágrafos adiante, fatores de risco embutidos no cenário básico do Copom. “Por um lado”, afirmam os autores da análise, “o processo de recuperação econômica dos efeitos da pandemia pode ser mais lento do que o estimado, produzindo trajetória de inflação abaixo do esperado.” O quadro é muito diferente para quem acompanha a evolução da atividade e dos preços no Brasil. O espetáculo do dia a dia mostra uma combinação incomum, e um tanto perversa, de recuperação muito lenta e inflação elevada.

Esse espetáculo inclui, além do consumo muito fraco, uma indústria emperrada, com recuo de 1% no primeiro trimestre e de 3,1% em 12 meses, e um mercado de trabalho em situação catastrófica, com cerca de 14 milhões de desempregados. Mas os preços ao consumidor, em vez de recuar, subiram 2,37% no período de janeiro a abril e 6,76% em 12 meses, uma taxa muito superior à meta de inflação (3,75%) e ao limite de tolerância fixado para este ano (5,25%). Pode-se discutir se já se pode falar de estagflação ou se ainda é cedo para usar essa palavra, mas a combinação incomum de economia muito fraca e inflação elevada é visível para todos.

Apesar desses comentários estranhos, os membros do Copom reconhecem a presença de choques de preços, mas insistem, ainda mais estranhamente, em qualificá-los como temporários, como já fizeram em documentos anteriores. O texto menciona cotações em alta no mercado internacional de produtos básicos e sua influência na formação de preços no mercado nacional. Menciona também o impacto previsível da mudança da bandeira tarifária da energia elétrica. Mas em nenhum parágrafo se mencionam os efeitos inflacionários da instabilidade cambial.

Menosprezar o efeito do dólar sobre os preços pode ser uma deferência ao Executivo e especialmente ao presidente Jair Bolsonaro, a mais importante fonte de insegurança no mercado e de afastamento de investidores. Mas as consequências cambiais e inflacionárias das incertezas e do distanciamento de investidores estrangeiros, muitos deles afastados pela política antiambiental do governo, são esquecidas ou contornadas.

O Brasil fica reconhecível, de novo, quando se mencionam as projeções de inflação próximas do limite superior de tolerância. Nem é preciso ler a ata do Copom para se informar desse risco. Basta acompanhar, entre outros dados, as projeções do mercado reproduzidas semanalmente no boletim Focus. Na última semana, a mediana das projeções indicou inflação de 5,06% em 2021, muito perto do teto de 5,25%. Para 2022 a expectativa de inflação já chegou a 3,61%, taxa superior ao centro da meta (3,50%).

Como resposta à inflação em alta (apesar dos choques “temporários”), o Copom decidiu elevar os juros básicos de 2,75% para 3,50% ao ano. Além disso, um novo aumento de 0,75 ponto já está previsto para a próxima reunião, dentro de um mês e meio. Segundo a ata, essa é uma “normalização parcial” dos juros, porque ainda é preciso manter algum estímulo à retomada. Para alguns analistas, a “normalização parcial” pode ser insuficiente mesmo para conter “choques temporários” de preços.

Pesadelo tributário

Folha de S. Paulo

Derrota do governo no STF reforça urgência de reforma do sistema de impostos

Com decisão de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal finalmente pôs fim ao que talvez seja o maior contencioso tributário do país. Com placar de 8 a 3, a corte manteve o entendimento de que o ICMS estadual não integra a base de cálculo do PIS e da Confins, contribuições federais que incidem sobre o faturamento das empresas.

O STF já decidira em 15 de março de 2017 pela não cumulatividade, mas a União interpôs embargos com foco na modulação da decisão, que agora foram apreciados. Não foi acolhido o pleito do governo de que o julgamento produzisse efeitos apenas a partir de agora, com a conclusão do julgamento.

O tribunal aceitou alguma redução de danos, contudo. Apenas as empresas que ingressaram com ações antes do julgamento do mérito da causa, em 2017, terão ressarcimento anterior a essa data. Para todos os outros, o efeito ocorre somente a partir desse marco.

Na prática, o impacto para os cofres federais foi reduzido sensivelmente e deve ao final ser bem menor que os R$ 258 bilhões estimados no pior cenário —caso não houvesse nenhuma modulação e todos os contribuintes tivessem o direito à retroatividade.

A decisão do Supremo é consistente do ponto de vista formal. Foi em grande parte atendida a justa demanda dos contribuintes. A redução dos prejuízos para a União, de outro lado, também se mostra bem-vinda, dado o estado calamitoso das contas públicas.

Entretanto é inegável que o julgamento ainda terá repercussões em outras frentes —as causas filhotes, como dizem os advogados tributaristas. Seguindo a mesma lógica, parece inescapável que também a inclusão do ISS municipal na base do PIS e da Cofins venha a ser considerada ilegal.

Todas essas controvérsias resultam da prática nacional de cobrar tributos sobre tributos, que chegou ao paroxismo nas últimas décadas. O STF agora põe uma espada sobre esse sistema cada vez mais disfuncional, em que impostos diferentes incidem sobre bases coincidentes, tornando inevitável a cobrança em cascata.

Tudo isso chama atenção para a necessidade urgente de reformas. O melhor caminho, amplamente referendado por especialistas, é unificar esses tributos (PIS, Cofins, ICMS e ISS, além do IPI) numa cobrança sobre valor agregado, com base ampla de incidência.

A criação de uma sistemática de créditos financeiros e cobrança no destino (tema sensível para estados e municípios) traria simplicidade e eficiência. A plena recuperação de impostos pagos ao longo da cadeia de criação de valor reduziria as demandas judiciais.

Não há dúvida de que o país precisa dar passos ousados para melhorar seu sistema tributário. Que a decisão do STF, ao colocar balizas e limites, ajude a mobilizar Executivo e Congresso para o desafio.

Sandice impressa

Folha de S. Paulo

Presidente da Câmara adere à farsa de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas

Sabe-se há muito que Jair Bolsonaro é adepto de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais de indisfarçável tom golpista. A triste novidade é ver a sandice encontrar eco na cúpula do Legislativo.

Na quinta-feira (13), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu exibir sua adesão à tese do retorno do voto impresso. “Nós queremos votar e ter a certeza de que esse voto é confirmado da maneira como a gente colocou”, discursou, ao lado de Bolsonaro, em Alagoas.

O embarque não fica apenas no plano da retórica. Com a criação da comissão sobre uma proposta de emenda à Constituição nesse sentido, apresentada pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), a matéria pode caminhar no Legislativo e criar oportunidades para ataques ao sistema eleitoral.

Mesmo não extinguindo as urnas eletrônicas, em funcionamento no país desde 1996, a PEC 135/19 exige que a cédula seja impressa após a votação, para que possa ser “auditada de forma independente”.

Trata-se de uma falácia, além de obscurantismo paranoico. Investir tempo neste debate significa conferir seriedade ao que, no fundo, constitui o medo de derrota por parte de um futuro candidato à reeleição em baixa nas pesquisas.

Tome-se o exemplo dos Estados Unidos, onde o voto é impresso —e onde o modelo de Bolsonaro, Donald Trump, lançou acusações infundadas de fraudes, repetidas pelo presidente brasileiro, ao ser derrotado por Joe Biden.

As urnas eletrônicas já são auditáveis. Passam por rigorosos exames antes e depois da eleição, e algumas, selecionadas por sorteio, são checadas no próprio dia do pleito para verificar a autenticidade e integridade do processo.

Como não estão conectadas à internet, cabe lembrar, não estão sujeitas a invasões de hackers.

Ao encampar a desinformação propagado pelo bolsonarismo, o presidente da Câmara investe contra a credibilidade do sistema eleitoral pelo qual ele próprio e o chefe do Executivo foram eleitos.

É deplorável que o Tribunal Superior Eleitoral se veja obrigado a lançar campanha para defender a segurança da urna eletrônica. Lira possivelmente não fará mais do que se expor ao ridículo, mas nem por isso o país pode desperdiçar energia com essa agenda retrógrada.

Elite precisa entrar na reforma administrativa

O Globo

Deverá ser lido hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara o relatório do deputado Darci de Matos (PSD-SC) sobre o projeto de reforma administrativa encaminhado pelo governo ao Parlamento. A votação na CCJ está prevista para esta semana, em seguida deverá ser criada uma Comissão Especial para analisar a proposta.

O relatório faz apenas duas ressalvas ao texto enviado pelo governo: é contra dar ao presidente o poder de fundir ou extinguir órgãos públicos por decreto e contra proibir o acúmulo de cargos públicos com outras atividades privadas. De resto, preserva as demais mudanças. Entre as principais, estão a criação de um novo regime de trabalho com contratos por tempo indeterminado e sem estabilidade, o fim de promoções automáticas, das férias com mais de 30 dias e das aposentadorias como forma de punição.

A principal deficiência do texto é a exclusão das categorias mais privilegiadas, denominadas “membros de Poder”. Trata-se da elite do funcionalismo, grupo que reúne juízes, procuradores e parlamentares. O argumento do Executivo para não incluí-los na reforma é que mudanças na gestão dos demais Poderes só podem partir de iniciativa deles. É um argumento que carece de lógica. É papel do Legislativo fazer e mudar as leis. Outra deficiência da proposta é conservar certas regalias em carreiras tidas como “típicas de Estado”, poupando carreiras como auditores, diplomatas ou militares.

É absurdo que uma reforma cujo objetivo é tornar mais moderna a gestão do funcionalismo não encoste nas categorias mais privilegiadas. Continua a vigorar no Judiciário um sem-número de despropósitos, como férias estendidas, promoções automáticas e os proverbiais auxílios. A conta das prebendas não para de crescer para o contribuinte. Só a incorporação recente de 1.800 servidores à Receita representará um custo adicional de quase R$ 2,8 bilhões aos cofres públicos este ano.

Entre 2008 e 2019, enquanto a quantidade de funcionários federais cresceu 11%, os gastos com eles subiram 125%. O Brasil gasta quase 14% do PIB no pagamento do funcionalismo, a sétima maior proporção numa amostra de 80 países, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A média salarial no setor público é 240% superior à do setor privado, e os salários médios iniciais das funções de nível superior equivalem a aproximadamente o quádruplo dos pagos em empresas. Dois terços dos funcionários públicos federais estão entre os 10% com maior renda no Brasil.

Há 440 rubricas salariais distintas para mais de 22 mil cargos e funções distintos. Sem falar no ambiente em que a meritocracia é a exceção, e a estabilidade, a regra. Para além do custo, é essencial entender que o objetivo central da reforma é aperfeiçoar a gestão do Estado, de modo a garantir melhores serviços aos cidadãos.

Para isso, é preciso que seja implantada uma reforma administrativa para valer, que inclua as categorias detentoras dos maiores privilégios e protagonistas das maiores distorções — não uma que valha apenas para os funcionários menos influentes do setor público.

Condenação no caso Tatiane Spitzner é exemplar para o país

O Globo

Num país em que uma mulher é vítima de feminicídio a cada sete horas, é exemplar a condenação do biólogo Luís Felipe Manvailer, de 34 anos, a 31 anos, 9 meses e 28 dias de prisão pelo assassinato da mulher, a advogada Tatiane Spitzner, de 29. Ela foi jogada da varanda de seu apartamento, no quarto andar de um prédio em Guarapuava, região central do Paraná, na madrugada de 22 de julho de 2018. Manvailer alegou o tempo todo que Tatiane se jogara. O laudo da perícia constatou que a vítima foi morta por asfixia.

Segundo as investigações, Manvailer alterou a cena do crime, ao remover o corpo da vítima e levá-lo para dentro do apartamento. Imagens de câmeras de segurança revelaram o comportamento violento do marido antes do assassinato. Ele começou a agredir Tatiane ainda dentro do carro. Ao entrarem no prédio, as agressões prosseguiram, até dentro do elevador. Um casal de vizinhos disse à polícia ter ouvido uma áspera discussão e pedidos de socorro de Tatiane momentos antes do crime.

O júri que condenou Manvailer por homicídio qualificado e fraude processual, no último dia 10, era formado por sete homens, escolhidos por sorteio — quatro mulheres também sorteadas foram dispensadas a pedido da defesa. O julgamento, que chegou a ser adiado três vezes, durou sete dias.

Nos quase três anos que se passaram entre o crime de Guarapuava e a condenação de Manvailer, mais de 3.700 mulheres foram vítimas de feminicídio no país, acrescentando novos nomes a essa repetida tragédia nacional. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de feminicídios tem aumentado nos últimos anos: 929 em 2016; 1.075 em 2017; 1.229 em 2018, e 1.326 em 2019. Ainda segundo o levantamento, em 90% dos casos o autor do crime é o companheiro ou ex-companheiro. Estudos mostram que a situação piorou durante a pandemia, com a convivência mais próxima entre vítimas e agressores.

Não se pode dizer que o país não tenha avançado. A Lei Maria da Penha, de 2006, foi um marco. Em 2015, a Lei do Feminicídio ampliou o arcabouço jurídico para proteger as mulheres. Mas só o rigor da legislação não tem sido suficiente. Faltam políticas públicas federais, estaduais e municipais para blindar as mulheres de crimes que muitas vezes são mais do que previsíveis. Acima de tudo, falta conscientização. A condenação do assassino de Tatiane Spitzner é importante não só para impedir que o crime fique impune. A sentença tem um inequívoco efeito pedagógico.

Na segunda-feira, mesmo dia em que Manvailer era condenado no Paraná, um grupo de mulheres fazia um protesto pacífico contra feminicídios em frente à Delegacia de Paraty, na Costa Verde fluminense. Irritado, um policial civil saiu lá de dentro, fuzil em punho, e atirou duas vezes para o chão, dispersando a manifestação. Depois, arrancou e rasgou os cartazes, únicas “armas” que elas portavam. Ainda há muito a fazer para mudar nossa mentalidade. 

Congresso deve investigar Saúde e continuar reformas

Valor Econômico

O Brasil tem uma fila de reformas e privatizações que precisa andar

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid tem atraído imensa atenção da sociedade. Não sem razão. Com o país batendo a marca de 430 mil mortes, boa parte delas evitáveis, é natural a busca por responsáveis. Semana passada, Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do presidente Jair Bolsonaro, forneceu uma pista importante sobre a responsabilidade do governo federal nisso.

Ao apresentar documento mostrando que a farmacêutica Pfizer ficou dois meses sem qualquer resposta do Executivo sobre uma oferta de imunizantes, Wajngarten deixou clara a negligência de Bolsonaro e sua equipe, ainda que tenha buscado em todo o seu depoimento absolver seu ex-chefe. Também na CPI, o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, piorou a situação do governo. Ele contou que a empresa fez ao menos seis ofertas para fornecer até 70 milhões de vacinas, o que foi viabilizado só neste ano. Até o vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente, participou de reunião sobre o assunto, mas a má gestão do enfrentamento à pandemia impediu que o país já tivesse aplicado 18,5 milhões de doses do imunizante.

O que surge na CPI é grave e a situação do governo - e de Bolsonaro - pode se complicar, embora o STF tenha beneficiado o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello com a prerrogativa de poder ficar calado e não ser ameaçado de prisão, o que ocorreu com Wajngarten. O trabalho da comissão é fundamental para o país e espera-se que ela contribua para acelerar a vacinação e promover uma gestão efetivamente responsável na pandemia. Além, é claro, de responsabilizar os culpados.

A importância dessa investigação, porém, não deve servir de pretexto para que outras agendas relevantes e urgentes para o país sejam paralisadas no Congresso. O Brasil tem uma fila de reformas e privatizações que precisa andar. As mudanças nas regras para o funcionalismo público e no sistema de impostos e contribuições estão nas prioridades.

A reforma administrativa está na Câmara e parece ter caminho mais aberto para avançar - nesta semana está prevista sua votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Obviamente são esperados ajustes, porém deve-se evitar o afastamento dos objetivos iniciais: gerar economia de gastos e maior eficiência dos servidores públicos.

Na tributária, apesar de o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) ter sido apresentado, o cenário é mais nebuloso. Isso ocorreu por decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), contra tramitação do texto em nome de uma reforma “fatiada”, como defendida pelo Ministério da Economia.

Conforme mostrou o Valor na sexta-feira, essa reforma em pedaços tem o capítulo da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que já está na Câmara, e deve ter um novo projeto de lei do governo tratando também das mudanças no Imposto de Renda de empresas e famílias. Ao Senado, caberia discutir o “passaporte tributário”, uma grande renegociação de dívidas com o Fisco cujo objetivo seria preparar as empresas para trabalharem no novo sistema de impostos e contribuições.

Lira prometeu organizar a tramitação da reforma tributária nesta semana. Ainda que se discorde do que o chefe da Câmara fez com o projeto de Aguinaldo, se o modelo fatiado prosperar já será uma boa evolução para o país - ressalvando que há ajustes necessários para fazer na CBS, como a inclusão de outras alíquotas para aliviar seu impacto sobre a carga tributária do setor de serviços.

Outro tema da maior importância é a agenda de privatizações, sendo a da Eletrobras a mais relevante. O assunto é espinhoso, mas dá sinais de avanços e sua conclusão seria um positivo sinal. Ajudaria a melhorar as expectativas para a economia e a situação fiscal.

Com tanto a fazer, os congressistas precisarão ter maturidade para não deixar que as fundamentais discussões da CPI no Senado contaminem o processo legislativo.

Ainda que a maior parte das medidas hoje esteja na Câmara, as Casas são vasos comunicantes e o que os deputados aprovarem terá que ser ratificado no Senado. Isso exige negociações bem feitas e discussões aprofundadas, o que, diga-se, foi prejudicado com a mudança no regimento da Câmara para diminuir o poder de voz da oposição.

Está claro que o desafio do Congresso é realizar uma apuração profunda dos desmandos na crise sanitária, mas sem descuidar de seu papel de melhorar o ordenamento econômico brasileiro. Não é pouca coisa e pode fazer toda a diferença para o futuro do país.

 

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