domingo, 23 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Bolsonaro não pode regular redes sociais por decreto

O Globo

São conhecidos os pendores autoritários do presidente Jair Bolsonaro. Volta e meia ele reage como se fosse uma espécie de imperador que quer resolver tudo na base do decreto. Já há algum tempo, afirma ter na manga um para proibir todas as medidas de restrição à circulação impostas por governadores e prefeitos com intuito de conter a transmissão do coronavírus. Seria, naturalmente, uma medida inconstitucional, pois o próprio Supremo já arbitrou a questão, decidindo pela responsabilidade compartilhada entre as três esferas de governo.

Nesta semana, diante da remoção de conteúdos que publicara nas redes sociais promovendo tratamentos ineficazes contra a Covid-19 e espalhando desinformação — pelo menos nove vídeos seus foram excluídos de YouTube, Facebook, Instagram e Twitter, além daqueles marcados por desinformar —, Bolsonaro decidiu se vingar. Preparou um decreto, com parecer já favorável da Advocacia-Geral da União (AGU), para proibir as redes sociais de apagar publicações ou suspender usuários sem ordem judicial. Mesmo que permita o bloqueio em casos específicos — como nudez, apologia ao crime, apoio a terrorismo ou ameaça de violência —, na prática, o decreto tornaria ilegal a iniciativa das redes sociais para moderar qualquer conteúdo, em particular notícias fraudulentas e desinformação sobre a pandemia.

É desejável que haja normas transparentes para a suspensão de contas e bloqueio de conteúdos nas redes sociais. Os critérios adotados pelas grandes plataformas são muitas vezes opacos e resultam em decisões caso a caso nem sempre justificáveis do ponto de vista legal ou do interesse público (um caso extremo que despertou controvérsia foi a suspensão por tempo indeterminado das contas do ex-presidente americano Donald Trump ).

As redes sociais adquiriram um papel incontornável no debate contemporâneo. Tornaram-se um canal fundamental para informação e diálogo nas democracias. Devem, portanto, se submeter a regras que preservem a pluralidade, a liberdade de expressão e o espírito democrático. Impedi-las de cercear a desinformação ou o discurso de ódio frequentes nas hostes bolsonaristas funciona contra esse espírito. Elaborar tais regras exige encontrar um equilíbrio tênue, exatamente como no caso da liberdade de expressão, que só pode ser limitada em casos excepcionais.

Uma coisa é certa: o foro para decidi-las certamente não é o gabinete de Bolsonaro, muito menos quando ele age movido por uma vendeta pessoal contra quem o impede de fazer propaganda enganosa da cloroquina ou de espalhar desinformação. O decreto de Bolsonaro, uma tentativa de passar por cima do Marco Civil da Internet, é flagrantemente ilegal, porque o Executivo não tem autoridade para regular por decreto a moderação de conteúdo. As plataformas são empresas privadas, livres para adotar seus critérios, desde que respeitando a lei. Se houver intenção de limitá-las, o certo seria levar o tema a discussão no Congresso. Bolsonaro é presidente da República numa democracia, não imperador ou ditador.

Brasil está no topo da lista de mortalidade pelo coronavírus

O Globo

Uma análise do epidemiologista Wanderson Oliveira reunindo 42 países — entre eles, os 14 com mais de 100 milhões de habitantes — constatou que o Brasil tem a maior mortalidade por Covid-19. Até quinta-feira, tínhamos 2.066 mortos por milhão de habitantes, ante 2.059 na Itália, 2.016 no Peru, 1.885 no Reino Unido e 1.774 nos Estados Unidos. Passamos a liderar a lista de mortalidade per capita este ano, apesar de sermos o sétimo na contagem de casos como proporção da população.

Levando em conta os 179 países afetados pela pandemia até o final do ano passado, aparecíamos com a 20ª maior proporção de vítimas. Dos demais, 89,3% tiveram mortalidade menor que o Brasil, diz uma nota técnica do pesquisador Marcos Hecksher, do Ipea. Muitos deles, por ter mais idosos, vítimas preferenciais. No Brasil, 14% da população tem mais de 60 anos, ante 23% nos Estados Unidos, 26% na Bélgica e 30% na Itália. Para comparar o risco, é preciso ajustar as proporções.

Hecksher corrigiu seu ranking pela demografia e constatou que o Brasil subiria para a 10ª posição. Em 169 países, ou quase 95% do total, o risco de morte por Covid-19 foi menor do que aqui em 2020. Detalhe: isso antes mesmo do agravamento da pandemia este ano. Sete dos nove países piores que o Brasil em 2020 eram latino-americanos, com destaque para Peru e México, os dois no topo da lista.

O risco de morrer de Covid-19 no Brasil foi, de acordo com Hecksher, 2 mil vezes o do Vietnã, 303 vezes o da China, 68% superior ao da Itália e 40% superior ao dos Estados Unidos. Na média, o brasileiro teve 3,6 vezes mais chance de morrer da doença que os demais habitantes do planeta.

O impacto econômico seguiu a mesma trajetória. Na comparação com 64 países, o Brasil saltou da 25ª para a 16ª maior taxa de desemprego e registrou a 11ª maior alta no indicador. Hecksher comparou mortalidade por Covid-19 e desemprego ao longo de 2020 e verificou que, no geral, países com maior mortalidade registraram maior queda na taxa de ocupação. “Apenas dois países analisados têm resultados piores que os brasileiros nas duas dimensões ao mesmo tempo: Peru e Argentina”, concluiu.

É por isso que a situação brasileira preocupa. Em casos por habitantes, o país fechou o ano passado em sétimo lugar no mundo, mas este ano já está em sexto. Em mortes, saltamos do nono para o primeiro lugar, com a escandalosa marca de 1.145 óbitos por milhão só este ano. O negacionismo e a inoperância do governo agravam o risco de uma terceira onda da pandemia.

O único antídoto eficaz para vencer o vírus e resgatar a economia é a vacina. Felizmente, nesse item não estamos tão mal. Somos, na amostra de Oliveira, o 13º país com maior percentual de vacinados com duas doses (8,2%). Mas só quando esse número estiver perto de 70%, estaremos livres da pandemia. Para evitar a vergonha de sermos o país mais hospitaleiro para o vírus, precisamos acelerar quanto pudermos a vacinação.

Reestatizar o Estado

O Estado de S. Paulo

O Estado brasileiro há muito tempo foi capturado por grupos de interesse e por frentes políticas que só se formam para explorar as inúmeras possibilidades de se assenhorear de bens e recursos públicos. O caso da manipulação do Orçamento para favorecer políticos aliados do governo, revelado pelo Estado, é o exemplo de que essa confusão dos limites entre o público e o privado não arrefeceu, a despeito das solenes garantias republicanas dadas pelo presidente Jair Bolsonaro na campanha que o elegeu.

No momento em que se cobra do governo maior celeridade ao prometido programa de privatizações, vendido como base do compromisso bolsonarista de otimizar o Estado, a maior tarefa do País talvez seja, antes, reestatizar o Estado, loteado pelos privilegiados de sempre.

Nenhum projeto de modernização do Estado pode ser levado a sério se o governo desconsidera o caráter público do Orçamento – que deve ser, em essência, o resultado do debate democrático a respeito das expectativas e demandas do conjunto da população.

Se, como parece ser o caso, alguns parlamentares, por sua proximidade do governo, têm poder de definir o destino de recursos orçamentários sem qualquer possibilidade de escrutínio público, então parte do Orçamento está sendo tratada como se coisa privada fosse.

Como se sabe, todos os parlamentares, independentemente de sua filiação partidária ou de sua inclinação política, têm direito de apresentar emendas ao Orçamento para destinar recursos como bem entenderem. Pode-se questionar se essa é a melhor maneira de gerenciar o Orçamento, dado o caráter claramente eleitoreiro dessas emendas, mas ao menos o valor é limitado a R$ 16,2 milhões por ano e, mais importante, é franqueado a todos os congressistas, sem diferenciá-los de nenhuma maneira.

No caso levantado pelo Estado, contudo, o governo abriu a parlamentares camaradas a possibilidade de determinar de que maneira parte dos recursos alocados ao Ministério do Desenvolvimento Regional seria utilizada, embora essa função fosse exclusiva do Executivo. A razão dessa exclusividade é simples: a execução deve ser estabelecida pelo Ministério, e não por um ou outro parlamentar, justamente para reduzir a possibilidade de que interesses privados prevaleçam na hora de estipular o gasto público.

Os governistas têm dito que não há qualquer irregularidade nisso, pois seria parte do jogo político legítimo. No raciocínio bolsonarista, é natural que os parlamentares governistas tenham poder de definir o destino dessa fatia discricionária do Orçamento, no Ministério do Desenvolvimento Regional ou em qualquer outro, porque são, afinal, base de apoio a Bolsonaro.

Obviamente nada disso é republicano, tampouco democrático. Nenhuma república democrática é digna do nome quando a administração do dinheiro público está à mercê de influências pessoais de forma tão escancarada. À semelhança das antigas monarquias absolutistas, em que os cortesãos podiam tudo e os demais súditos deviam se limitar a trabalhar e pagar impostos, esse modelo defendido pelo governismo bolsonarista privilegia os amigos do rei – como se o dinheiro recolhido dos contribuintes, uma vez despejados nos cofres do Tesouro, deixasse automaticamente de ser público.

Essa ratio do governismo bolsonarista é sintomática do profundo abismo que há entre o discurso de modernização do Estado e a prática clientelista e personalista do presidente Bolsonaro e do Centrão, que ora coloniza o governo.

São muitas as expressões dessa contradição, desde as gestões do presidente em órgãos de Estado para proteger os interesses de sua família, até o encaminhamento de medidas que privilegiam os grupos que orbitam o presidente – cujo mais recente exemplo foi a portaria do Ministério da Economia que permitiu a Bolsonaro e a seus ministros militares acumularem aposentadoria e salário mesmo que o resultado supere o teto constitucional para o funcionalismo.

Sob o governo Bolsonaro, o processo de privatização do Estado foi acelerado, mas não para aperfeiçoá-lo, e sim para rateá-lo entre os amigos e parentes.

Em defesa da legislação ambiental

O Estado de S. Paulo

Está em discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a possibilidade de o Código Florestal (Lei 12.651/2012) ser aplicado retroativamente: se caberia exigir as novas condições legais a situações ambientais que estavam regulares à luz das legislações anteriores. São dois os recursos que tratam da matéria e a Corte determinou, desde setembro do ano passado, a suspensão da tramitação de todos os processos, individuais ou coletivos, que tratam do tema.

A interpretação da legislação ambiental exige cuidado. Desde a sua edição, a Lei 12.651/2012 foi muito utilizada, num movimento de não aceitação das decisões adotadas pelo Congresso. Essa contínua tentativa de rever os parâmetros e critérios adotados pelo legislador não ajuda o meio ambiente nem a atividade econômica responsável de quem deseja cumprir suas obrigações relativas à sustentabilidade.

Resultado de longos anos de estudo e debate, o Código Florestal trouxe regras equilibradas, em relação tanto às obrigações de proteção ambiental como à sua aplicação ao longo do tempo. Da mesma forma que não é correto perdoar crimes ambientais anteriores, não faz sentido criminalizar situações que, até a entrada em vigor da lei, eram plenamente regulares.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de quatro ações relativas à constitucionalidade da Lei 12.651/2012, reconhecendo a ampla concordância do diploma legal com a Constituição. Dos 22 dispositivos questionados nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), apenas 2 foram declarados inconstitucionais.

O julgamento do STF foi importante demonstração de respeito ao âmbito do Poder Legislativo. “A capacidade institucional (...) impõe autocontenção do Judiciário, que não pode substituir as escolhas dos demais órgãos do Estado por suas próprias escolhas. (...) A propósito, a jurisprudência do STF demonstra deferência judicial ao planejamento estruturado pelos demais Poderes no que tange às políticas públicas ambientais”, disse o plenário do Supremo na ementa da Adin 4901. 

Agora, o STJ tem o mesmo desafio de interpretar a Lei 12.651/2012 sem pretender rever critérios que cabem ao Congresso determinar. No caso, eventual invasão de competências significaria também desrespeitar a jurisprudência do STF, que confirmou a constitucionalidade do Código Florestal vigente.

O art. 68 da Lei 12.651/2012, agora questionado no STJ, já foi declarado constitucional pelo Supremo em 2018. O dispositivo legal dispõe que “os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei”.

No julgamento da Adin 4901, o Supremo reconheceu que o art. 68 do atual Código Florestal não é apenas compatível com a Constituição, como protege importante garantia constitucional. “A aplicação da norma sob a regra tempus regit actum para fins de definição do percentual de área de Reserva Legal encarta regra de transição com vistas à preservação da segurança jurídica” (art. 5.º, caput, da Constituição).

Como se vê, o respeito ao Congresso e à jurisprudência do Supremo impõe que o STJ não aplique exigências do novo Código Florestal a situações nas quais o próprio Código excluiu sua aplicação. A proteção do meio ambiente envolve também proteger a legislação ambiental. Afinal, é ela quem impõe as obrigações de sustentabilidade.

Vale lembrar que a legislação ambiental também vem sendo atacada pelo Executivo federal, seja com seu descuido no controle do desmatamento e das queimadas, seja com sua atitude de opor proteção ambiental a desenvolvimento econômico. O novo Código Florestal veio precisamente conciliar a preservação das florestas, da fauna e da flora com o fomento da produção agropecuária e a organização do abastecimento alimentar. É preciso defender a lei em seu exato equilíbrio dado pelo Congresso.

Lula é caso perdido

O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Lula da Silva, hoje o grande favorito à eleição presidencial do ano que vem, tratou de lembrar ao eleitorado por que razão a simples menção de seu nome evoca um Brasil prisioneiro de ideias retrógradas e nocivas. A propósito do processo de privatização da Eletrobrás – que talvez seja finalmente levado adiante, muito a contragosto do presidente Jair Bolsonaro –, o chefão petista foi às redes sociais para qualificar a venda da estatal de “crime contra o povo brasileiro”.

Lula é um caso perdido. Mesmo que, por mera estratégia eleitoral, procure se apresentar como o muito procurado candidato do “centro” – responsável, democrático e moderno –, o demiurgo de Garanhuns jamais conseguirá superar sua natureza autoritária e estatólatra.

Não há motivo racional para se opor à privatização da Eletrobrás (nem de qualquer outra estatal), ainda mais nos termos usados por Lula da Silva. Ao dizer que a venda da Eletrobrás, “a preço de banana”, ameaça “o futuro do nosso país” e coloca em risco “a soberania e a segurança energética do Brasil”, o ex-presidente comporta-se como agitador de grêmio estudantil, e não como alguém que reivindica a chefia do governo.

Mas Lula da Silva não se limitou a denunciar o ataque à “soberania” brasileira. Declarou, sem qualquer evidência, que a privatização da Eletrobrás “vai também elevar consideravelmente as tarifas de energia”. É um escárnio.

Sob a Presidência de Dilma Rousseff – suposta expert em energia que foi ministra de Lula e que depois sucedeu a seu criador –, o governo tentou reduzir na marra a conta de luz dos brasileiros, por meio da infame Medida Provisória 579. O desconto chegou a 20% em 2013, mas a medida demagógica criou um passivo de mais de R$ 60 bilhões – custo da indenização aos transmissores afetados pela renegociação das concessões conduzida por Dilma.

Um ano mais tarde, em 2014, o governo se deu conta de que não teria recursos para a indenização. Para evitar um aumento na conta de luz em ano eleitoral, Dilma preferiu deflagrar uma operação de socorro às empresas de energia, liderada por bancos públicos.

Dilma passou a campanha toda negando que haveria um tarifaço. Assim que foi reeleita, a presidente acabou com a farsa da conta de luz barata: em 2015, houve um tarifaço médio de mais de 50% – suficiente apenas para cobrir o aumento dos custos das empresas de energia, mas não para as indenizações. Ou seja, os brasileiros continuam até hoje financiando a lambança irresponsável de Dilma, que Lula finge ter esquecido.

A indecente aposta de Lula na falta de memória do eleitor não para por aí. O ex-presidente declarou que a venda da Eletrobrás aumenta o “risco de apagões”. Dilma havia dito o mesmo em 2017, quando o governo de Michel Temer tentou avançar a privatização. “O consumidor vai pagar uma conta de luz estratosférica por uma energia que não terá fornecimento garantido”, disse Dilma na ocasião.

A desfaçatez é impressionante, mesmo para os padrões lulopetistas. Sob o governo de Dilma – que se elegeu prometendo acabar com os apagões –, houve uma série de blecautes. Só em outubro de 2012 houve dois: um que afetou o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste e outro que atingiu o Nordeste e o Norte. Em vez de assumir que faltaram investimentos no setor elétrico, o governo preferiu culpar a natureza.

É justamente para melhorar o setor elétrico que a privatização da Eletrobrás é urgente, pois o governo não tem condições de fazer os investimentos necessários e não há perspectiva de que venha a ter num futuro previsível.

Mas parece haver um consórcio destinado a impedir a modernização do Brasil, representado pelos dois candidatos que lideram as pesquisas, Lula e o presidente Bolsonaro. Pois Bolsonaro, desde sempre, é contra privatizações. Na campanha de 2018, usou uma analogia avícola para descartar a venda da Eletrobrás: “Suponha que você tem um galinheiro no fundo de sua casa e viva dele. Quando privatiza, você não tem a garantia de comer um ovo cozido. Nós vamos deixar a energia nas mãos de terceiros?”.

Dilma não faria melhor.

Além do auxílio

Folha de S. Paulo

A perspectiva de melhoria da atividade econômica nos próximos meses é real e já não será surpresa se o Produto Interno Bruto crescer mais de 4% neste ano. Mas a recuperação, além de mal compensar a queda do ano passado, não deve obscurecer os problemas sociais legados pela pandemia.

Para estes, ainda não há sinais de uma estratégia de mitigação por parte do poder público. A crise terá legado um exército de desempregados. A taxa de desocupação no trimestre encerrado em fevereiro ficou em 13,3%.

É verdade que houve criação de 357 mil empregos no período, mas a perda de vagas na pandemia se aproxima de 8 milhões. O salto na estatística oficial de desocupação desde fevereiro do ano passado só não foi maior porque despencou a população em busca de trabalho.

A lentidão do mercado de trabalho atinge principalmente a mão de obra menos qualificada. Enquanto o nível de emprego dos que têm elevado nível de educação já retomou o nível anterior à pandemia, entre os pouco escolarizados a queda ainda é próxima a 20%.

Nesse ambiente, não surpreende que os salários estejam em queda. Os dados da mesma pesquisa do IBGE mostram queda de 2,2% na renda do trabalho, em relação ao mesmo período do ano passado.

O auxílio emergencial já não é capaz de compensar a renda perdida. O benefício tem valor menor e atinge um público bem mais restrito que o da edição do ano passado. A capacidade de mitigar o drama social é menor, portanto.

Em pesquisa do Datafolha, 25% dos brasileiros declararam ter sofrido com falta de comida. A ameaça da fome atinge 41% dos que recebem atualmente o auxílio.

Nada se sabe do que virá quando se encerrarem os pagamentos. É necessário debater uma política social que tenha mais permanência e amplie a cobertura oferecida hoje pelo Bolsa Família, que atinge cerca de 14 milhões de famílias.

Melhorar a focalização nos mais pobres com o orçamento existente em programas menos eficientes já traria impacto marcante. Cabe, ademais, considerar uma ampliação dos aportes para abarcar todas as crianças e pessoas carentes.

O ataque à pobreza também demanda medidas amplas, como reformas na coleta de impostos para tornar o peso da carga mais justo. Estudo do Ipea afirma que um amplo redesenho do Imposto de Renda de empresas e pessoas físicas poderia gerar até R$ 106 bilhões.

A sociedade, felizmente, dá sinais de que não se curvará à paralisia do governo no enfrentamento do drama social. Mas é preciso levar em conta limitações orçamentárias e fazer escolhas —ou a falência do Estado novamente recairá sobre os que buscamos proteger.

Bullying em pauta

Folha de S. Paulo

Por muito tempo subestimada, a prática do bullying escolar, além de suas repercussões no desenvolvimento dos estudantes, tem merecido nos últimos anos uma atenção maior tanto de autoridades como da sociedade em geral.

Diferentemente dos conflitos corriqueiros entre crianças e adolescentes, esse comportamento se caracteriza pela intimidação sistemática por meio de atos de humilhação ou discriminação. O bullying inclui violência física, verbal e psicológica, como agressões, insultos, ameaças e comentários e apelidos depreciativos.

As vítimas muitas vezes sofrem em silêncio, podendo vir a desenvolver distúrbios psiquiátricos, além de terem as formações escolar e emocional prejudicadas.

Tão importante quanto reconhecer o problema é compreender a sua extensão, a fim de orientar as ações de combate de órgãos públicos e estabelecimentos de ensino.

Uma pesquisa conduzida pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com a Secretaria da Educação paulista jogou luz sobre esse fenômeno nas escolas estaduais. Para tanto, ouviu 31.340 alunos do 5º e do 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do nível médio.

No levantamento, 30% dos estudantes relataram ter sofrido alguma forma de bullying nos 30 dias anteriores. No total, 16,1% disseram ter sido intimidados ou humilhados pela aparência do corpo, e 14,5%, pela do rosto; 8,1% mencionaram violência por cor ou raça.

Apenas 10% dos alunos entrevistados afirmaram ser autores das práticas. Parte dos agressores pode não admitir os atos ou mesmo não se dar conta deles.

Nesse contexto, a promoção das competências socioemocionais, como autoestima, empatia e tolerância à frustração, é vista pelos educadores como um importante aliado contra o bullying.

O país, ademais, conta desde 2015 com uma lei que obriga as escolas a criarem programas de combate a esses atos, além de determinar que as unidades redijam relatórios bimestrais dos casos e os envie às diretorias de ensino e às secretarias regionais de Educação.

Entretanto, segundo especialistas, a legislação falha ao não especificar um órgão que fiscalize o cumprimento de tais ações.

Fazer valer a lei e aprimorar a formação de professores para identificar as agressões e agir constituem, pois, caminhos para que essa prática deletéria seja cada vez mais rara nas escolas.

 

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